No Chiqueirinho, a amizade ajuda a manter a freguesia
Chiqueirinho, um bar tradicional
O apelido não é dos mais simpáticos, mas certamente resultou
de uma brincadeira que pegou. Chiqueirinho: é assim que todos conhecem o Bar Santo Antônio, um dos mais tradicionais do Embaré. Lá se
reúnem antigos moradores, fregueses fiéis da casa em seus 30 anos de existência.
O segredo do sucesso? Quem sabe a simpatia da proprietária, Dorinda de Jesus, que todos chamam de Maria, ou de
seu filho Camilo, falante, sempre disposto a uma brincadeira, gentil como a mãe. Talvez as animadas partidas de jogo ou a confiança que a
proprietária deposita nos freqüentadores e que o marido, "seu" Antônio, já depositava quando vivo.
Em outras épocas, o bar foi sede do Ponte Preta FC, time campeão varzeano onde jogaram Amauri (Santos), Neiva
(Jabaquara), Ademir (Santos) e Osmar (Palmeiras). A satisfação transparece no rosto de dona Maria quando conta que Baltazar, o Cabecinha de
Ouro, do Coríntians, foi seu freguês, e que Gilmar, do mesmo time, também andava por lá.
Escurece, e a freqüência do bar aumenta. Homens chegam, cumprimentam Camilo, beijam e abraçam dona Maria, a mãe;
a tia de todos. Ficam por lá, conversam, jogam, organizam campeonatos de sinuca e dominó. De tão unidos, decidiram fundar o Clube dos Glutões do
Santo Antônio: todo mês um deles se encarrega de preparar a comida mais exótica possível. Tudo entre eles, sem interferência dos donos, que no
máximo têm direito a um prato de comida. E coma quem agüentar!
A beleza explode na praia
Os amplos canteiros centrais, uma característica
Essa
muitos não sabem: antigamente, Embaré era a denominação de todas as praias de Santos. O nome exprime que as águas são boas para os banhos e têm
propriedade terapêutica. Vem da corruptela de mbarra-hé: mbarra, que significa enfermidade, moléstia; e hé, comodidade,
conforto.
Pois vejam só o triste destino dessas nossas praias: viraram depósito de esgoto, produtos químicos e óleo, e os
banhos são até desaconselhados.
Mas o mar sempre exerce um estranho fascínio, e não há como não admitir a beleza do Embaré quando as ondas
estouram e a água reproduz o brilho do Sol ou a claridade da Lua.
Verão, praia cheia, colorido de biquínis e guarda-sóis, pombas fazendo vôos rasantes, crianças lambuzadas de
areia, corpos salgados. O rapaz não consegue desviar os olhos da garota de corpo dourado, segue devagar, quase parando, e só volta à realidade
quando esbarra em alguém que passa. Agora sua atenção se volta para a garota que entra no mar, sorridente, rebolando. Derramando poesia!
Naasson representa o Lar União Santista para Cegos, que pode deixar de existir
Um lar para cegos, em extinção
O Lar União Santista para Cegos, na Benjamin Constant, 25,
pode deixar de existir em breve. Dos fundadores, só restou Naasson Alves da Silva, que mora na casa que serve de sede, com a mulher Jane e três
filhos.
A entidade chegou a abrigar 11 deficientes visuais, mas por absoluta falta de recursos e voluntários já não pode
manter esse tipo de assistência. Naasson sente pena de extinguir a obra e jogar para o alto o trabalho de 12 anos, mas o processo parece
irreversível: tem prazo até março para desocupar a casa. Não sabe para onde irá, e nem se conseguirá alugar um imóvel tão amplo. Sobrevive
empalhando cadeiras e, como ele mesmo diz, se não aparece serviço, adeus viola.
Os mendigos fazem parte de uma legião de marginalizados, prova de que há algo errado
Miséria entre os jardins
Que contraste! Carros último tipo estacionados, uma igreja
imponente, um monumento representando a figura de um santo, jardim, muitas árvores. Em meio a tudo isso, figuras rotas, esfarrapadas. Dez, 20 ou
até 30 mendigos que dividem sua miséria no amplo canteiro central em frente à Basílica do Embaré.
Incomodam? Lógico que sim. Restos de gente, assediam os freqüentadores da igreja, deixam no ar um cheiro de
pinga misturado ao de urina, uma morrinha insuportável. Incomodam ainda mais quando se pensa que fazem parte de uma legião de mais de 100 milhões
de marginalizados. São a prova de que algo está errado, e muitos não conseguem evitar a idéia de cumplicidade.
Amaldiçoados, desprezados, massacrados, pedem esmola, vasculham o lixo à procura de restos, furtam. Tentam
sobreviver no peito e na marra. Aguardam o momento em que o homem seja prioridade nacional. Se há explosões de violência, o que se poderia
esperar? Fazem parte de uma sociedade movida a desespero.
A polícia dá batidas, eles somem por algumas horas, mas retornam. Não dá para simplesmente enxotá-los de lá para
cá. Às vezes são tantos que não se pode nem despistar e fazer que não se vê. A quem passa olhando, sinal de desaprovação, um deles grita, braços
abertos: "O que vocês querem que eu seja? Não conheci minha mãe, meu pai for morto pelas costas. Tentei estudar, me chamaram de marginal. Gente
sem diploma, não é gente de bem. Tudo me foi negado na vida. O que vocês querem que eu seja?" |