Em 25/3/1996, o cargueiro foi afundado a
120 milhas (220 km) da costa paulista,
em local com 1.200 metros de profundidade
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Al Johffa
José Carlos Rossini (*)
O aparecimento de uma nova geração de navios de desenho standard (N.E.: padrão)
deu-se na década de sessenta (N.E.: 1961/70) com a necessidade, por parte dos operadores,
de substituir a tonelagem envelhecida dos navios do tipo Liberty produzidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Um dos produtos dessa nova geração de cargueiros standards foi a versão SD-14
de navios desenhados e construídos pelos estaleiros Austin & Pickersgill, em Sunderland, no Reino Unido, dos quais foram lançadas diversas centenas
de unidades.
O desastre - A saga do navio cargueiro do tipo SD-14 - MK IV, Al Johffa,
em Santos, iniciou-se numa segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996, com a chegada de uma frente atmosférica de baixa pressão no litoral do Estado de
São Paulo, frente fria essa que naturalmente provinha do Sul do continente.
O Al Johffa, procedente de Mombasa, no Quênia, havia chegado a Santos na sexta-feira,
dia 9, com seus porões vazios, pois deveria embarcar um carregamento de 15.000 toneladas de açúcar. Os ventos de Sul-Sudeste que acompanharam a
frente de instabilidade chegaram à região na manhã do dia 12, à velocidade de 60 quilômetros horários e com rajadas atingindo pontas de 80 a 90
km/h. O céu fechou-se por completo e o mar encapelou-se com ondas de quatro metros.
Por volta das 11h00, o Al Johffa, que se encontrava fundeado no limite da boca da barra
(24º05'04" S e 46º19'09" W), com o mar grosso perdeu uma de suas duas âncoras (a de boreste) e a restante (a de bombordo), embora arriada, não foi
suficiente para segurar o navio.
O cargueiro foi então desgarrado e, estando sem peso, foi levado facilmente pelo vento e mar
em direção ao costão Norte da baía. O comandante Kashyapa ordenou no entretempo que os motores fossem ligados, mas estes, estando imobilizados há
vários dias, não puderam ser acionados em tempo, e assim o Al Johffa foi arrastado de popa durante cerca de uma hora, até encalhar nas pedras
do Morro da Barra, a cerca de cem metros da ponta Sudeste da Ilha das Palmas.
Sua tripulação de 32 homens nada sofreu, mas, em conseqüência do choque com as lajes e
pedras submersas, o navio teve seu costado de bombordo aberto numa brecha de quase 15 metros, o que provocou inundações nos porões de números 1, 2 e
3. A praça de máquinas à popa não sofreu danos ou infiltrações d'água. A Polícia Naval da Capitania dos Portos do Estado de São Paulo imediatamente
abriu inquérito sobre o ocorrido e ordenou a inspeção do navio.
Desencalhe - Entre as providências solicitadas pelas autoridades, à companhia
armadora e ao representante do pool de seguradoras, a mais importante foi a retirada de 440 t de óleo combustível que se encontrava num dos
tanques de popa. Tal medida visava evitar qualquer forma de poluição futura com danos ambientais. Contemporaneamente aos trabalhos de retirada do
óleo do navio, foram elaborados os primeiros planos de desencalhe, com vistorias submarinas de seu casco.
No dia 1º de março, a armadora proprietária, considerando a idade avançada do cargueiro, os
custos de reflutuação e reparos, decidiu declarar o Al Johffa como perda construtiva total, decisão que alterou o quadro jurídico da questão.
Sua propriedade passou então às companhias seguradoras, que decidiram resgatar o navio de sua posição de encalhe e posteriormente vendê-lo para
demolição ou afundamento.
Após licitação aberta pela Capitania dos Portos, foram apresentados três projetos de resgate
por empresas especializadas em salvamento marítimo. Estudos se seguiram e, ao término dos mesmos, a tarefa foi atribuída à Titan Maritime Ind.,
firma norte-americana.
Uma vez assinados os contratos, a Titan passou, a partir de 8 de março, à realização dos
trabalhos preliminares nas obras mortas do cargueiro, iniciando-se pela vedação dos conveses intermediários com chapas de aço reforçadas por vigas.
Trinta e sete dias depois do encalhe e onze após o início dos trabalhos preparativos, na tarde de terça-feira, 20 de março, com tempo encoberto e
mar de pequenas vagas, o Al Johffa foi finalmente liberado das pedras pela ação dos rebocadores Phoenix e Bellatrix.
Viagem final - O resgate aconteceu com o Bellatrix puxando de popa (a parte do
navio que ficara mais fora d'água) ao mesmo tempo em que se injetava ar comprimido nos porões 1 e 2, a fim de expulsar os bolsões de água.
A cena foi assistida por um pequeno número de pessoas presentes na Ilha das Palmas e em
diversas embarcações. Na lancha da Capitania dos Portos, dirigindo a operação, encontrava-se o capitão-de-mar-e-guerra Gilberto Roque Carneiro,
representante da Marinha em Santos. A bordo do Al Johffa, além dos técnicos da Titan, encontravam-se dois práticos de Santos e um oficial da
Capitania.
Safado das pedras após duas horas de esforços, o cargueiro foi fundeado nas proximidades da
Ilha da Moela, onde permaneceu por cinco dias. Foram então retirados de bordo os equipamentos que serviram aos trabalhos de resgate e algumas peças
de náutica.
No domingo de manhã, 24 de março, o Al Johffa iniciou sua última viagem, levado a
reboque pelo Phoenix. O SD-14 encontrou sua derradeira posição no fundo do mar, ao ser afundado propositadamente na tarde de segunda-feira, a
cerca de 110 milhas da costa do Estado de São Paulo.
(*) José Carlos Rossini é pesquisador de assuntos
marítimos, residente em Genebra (Suíça), e autor, entre outros livros, de "Sinistros
Marítimos - Costa do Estado de São Paulo - 1900-1999", edição do autor, 1999, de onde foi transcrito este relato.
Em 25/3/1996, o cargueiro foi afundado a
120 milhas (220 km) da costa paulista,
em local com 1.200 metros de profundidade
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