III - O saneamento de Santos - seu alcance social e técnico
Discurso proferido em Santos,
a 25 de abril de 1912,
pelo engenheiro de minas e civil
LOURENÇO BAETA NEVES,
perante o Governo de S. Paulo,
na inauguração das obras
do saneamento da cidade
SUMÁRIO: O saneamento de Santos. A princesa dos mares brasileiros. As lutas pacíficas do
trabalho em S. Paulo. Uma conquista da civilização brasileira. o homem moderno e a atmosfera física da cidade. A emancipação intelectual e prática
da Engenharia brasileira. Uma economia de dez mil contos. O que se deve à continuidade administrativa de um Estado. Um exemplo de alcance social.
Uma comissão técnica de competentes. A orientação da Engenharia Sanitária no Brasil. Está vencido o torpor colonial. A experiência nacional indica o
caminho a seguir. O engenheiro do Brasil penetra a economia técnica das nações. A Inglaterra aceita lições do Brasil. O brasileiro despreza
interesses individuais pelo bem comum da humanidade. Na França o grande Imbeaux rende homenagem ao profissional brasileiro. A capital das ciências
abre-lhe espaço nas suas obras de higiene. A ciência sanitária do Brasil incorpora-se às escolas estrangeiras. Fatos sobre fatos. Síntese dos
trabalhos de um brasileiro abnegado. Higiene domiciliar. Águas pluviais. Confirmações na América do Norte. Santos indica ao Rio de Janeiro o caminho
do perfeito saneamento. Mais fatos sobre o valor de um brasileiro, um apóstolo do Bem. A obra de S. Paulo.
ermiti,
senhores, que um profissional modesto, dedicado em extremo ao serviço da Pátria, seja também ouvido no concerto unânime de aplausos, que ora se
levantam do coração de um povo reconhecido à obra de alta benemerência de um governo patriota, traduzida no serviço do saneamento de Santos.
O governo de S. Paulo recebe hoje, para maior glória do seu Estado e grandeza do Brasil, as obras
inauguradas do aparelho sanitário desta cidade, ora tornando-se pelo realce das suas belezas naturais, que esses trabalhos lhe trazem, a verdadeira
princesa dos mares brasileiros, a mais elegante das cidades do nosso litoral.
Relevai ainda que o patrício, que se honra em vos falar agora, como engenheiro brasileiro, sempre
inspirado na lição experiente de Saturnino de Brito, venha render a homenagem da sua sincera admiração ao mestre amigo no momento feliz da sua
brilhante vitória profissional em Santos, quando, nesta encantadora festa, sob as bênçãos de um povo agradecido, pelos benefícios da sua obra
executada, ele recebe do nobre governo de S. Paulo um testemunho eloqüente de apreço, pelos seus relevantes serviços, acentuadamente traduzindo o
seu admirável critério profissional e senso prático, revelados sempre nos seus trabalhos de engenharia sanitária.
Unificado ao povo paulista, à sociedade santista, no sentimento elevado da mais pura fraternidade
brasileira, eu me associo de todo o coração às suas alegrias justas por mais esse triunfo brilhante alcançado nas suas lutas regeneradoras e
pacíficas do trabalho pelo bem público, realizando essas obras, hoje inauguradas, cheias de assinalado valor, estabelecidas nos moldes mais
perfeitos da Engenharia moderna.
A vossa festa de hoje, meus senhores, é verdadeiramente uma festa nacional, por isso que
inaugurais trabalhos do mais vasto alcance social, despertando um vivo interesse por todo o país, que neles vê uma grande conquista da civilização
brasileira, na direção útil do trabalho pelo aperfeiçoamento do meio físico, facilitando a vida na superfície do Planeta, aproveitando os elementos
naturais que a Providência destina à proteção da Humanidade.
Ao homem moderno cabe a responsabilidade dessa intervenção benéfica na "atmosfera física" das
cidades: e uma nação é tanto mais civilizada, quanto maior é o grau do seu adiantamento material nas obras que realiza pela conservação e o
aperfeiçoamento da saúde pública. E é por isso que a Engenharia Sanitária, cuidando desse aperfeiçoamento, é o estalão mais perfeito da civilização
de um povo.
Assim, conquistas como estas, que realizais, para a saúde pública de S. Paulo, vão falar sobre a
nossa civilização em geral; elas pertencem, portanto, a todo o Brasil.
As obras do saneamento de Santos, fruto do mais puro patriotismo do governo que as autorizou, e da
competência técnica do profissional habilíssimo que as concebeu e executou, não devem ser consideradas somente nos benefícios exclusivos à cidade,
ao Estado ou à região, que as pôde realizar, mas sim, no seu alcance geral, no seu cunho acentuado de um perfeito trabalho nacional.
A festa realizada hoje enche, pois, de um orgulho justo, de alegrias sinceras, a a todo o coração
brasileiro, definitivamente marcando a sensata emancipação intelectual e prática de nossa pátria, no exercício profissional, no trabalho
nobre pelo bem comum do país.
Com razão acaba de dizer o eminente colega Saturnino de Brito: - as obras executadas em Santos,
saneando e aformoseando a cidade, recomendam o governo paulista à gratidão nacional. Os melhoramentos aqui conseguidos, com a economia de dez mil
contos sobre o projeto anterior para os mesmos fins, encerram com efeito uma das mais belas lições cívicas que partem de S. Paulo para todo o
Brasil, provando o poder do trabalho organizado; eles são o resultado da orientação fecunda de governos, que têm conduzido o Estado num evoluir
firme e constante, na seqüência lógica de atos provindos da mais perfeita continuidade administrativa.
Demonstrais nessa lição prática, que do vosso patriotismo, recebe o país, o quanto vale o trabalho
nacional, de brasileiros, sob o estímulo do sentimento da responsabilidade social, de profissionais abnegados, que esquecem o interesse individual,
para bem servir à sua pátria.
Não se trata aqui de um serviço banal; as obras executadas por Saturnino de Brito, chefiando uma
comissão de competentes, na qual se destaca, pela dedicação e preparo técnico, pela sua lúcida inteligência e adamantino caráter, a figura simpática
de Miguel Presgrave, constituem de fato um belo exemplo de trabalho.
Como acaba de dizer aquele ilustre profissional, elas sintomaticamente afirmam, de modo eloqüente
e positivo, uma grande vitória para o Brasil moderno, contra esse torpor colonial, que nos abatia o espírito, pondo-nos, quase sempre, numa
dependência passiva da intervenção estranha nas soluções práticas dos nossos problemas sanitários.
Esse estado em que, não há muito, vivíamos, sobre ser algo desanimador para a profissão em geral,
não raro levava-nos a soluções práticas pouco satisfatórias, que não conciliavam, de forma conveniente, os trabalhos realizados com as exigências do
meio, que eles deviam beneficiar.
Vivíamos, pode-se bem dizer, sem as iniciativas próprias e locais de que fala Saturnino de
Brito; na falta de experiências próprias, realizadas em trabalhos de maior fôlego, os nossos profissionais viam-se na contingência de lançar mão do
recurso a fontes estranhas, seguindo os mestres estrangeiros, muitas vezes, em caminhos principalmente indicados por situações locais em outras
terras e nem sempre em perfeita analogia com as condições do meio em que operavam. A própria tecnologia sanitária ressentia-se de muito; cada qual
usava a sua própria, na falta de um sistema com a propriedade desejável.
Certo não faltam, no Brasil, profissionais eminentes que honram a própria Engenharia universal no
ramo especial da hidráulica sanitária; mas, à parte os conhecimentos individuais desses mestres, nós vivíamos, geralmente falando, num desencontro
completo de idéias sanitárias, sem uma orientação prática segura, sem uma escola nacional de princípios, com as modificações, para a nossa situação
especial, das lições da experiência universal, confirmados nas aplicações entre nós realizadas.
Era, pois, tempo para essa emancipação de que falei, felizmente já realizada, com o sucesso das
mais brilhantes vitórias profissionais, em outros ramos elevados da Engenharia no Brasil.
A nossa Engenharia Sanitária precisava também guiar-se por uma diretriz mais segura, filha da
nossa própria observação; e as obras de Santos vêm abrir-nos esse caminho, estimulando as energias latentes de outras cidades brasileiras, que,
despertadas, assim procuram imitar a cidade paulista no seu exemplo edificante, tratando, com mais carinho, as questões relativas à sua salubridade.
Saturnino de Brito, nas suas obras magistrais, dá-nos a trajetória que devemos seguir, definida
por coordenadas que se deduzem das condições do meio e da adoção sensata das regras que os mestres nos ensinam, sem que se despreze o concurso das
iniciativas individuais que precisam e devem ser estimuladas.
O notável patrício, que com razão pode ser considerado o príncipe da Engenharia Sanitária no
Brasil, na sua excessiva modéstia, na sua bondade inexcedível, perdoará, espero, o entusiasmo ardente de moço com que me refiro aos seus trabalhos
admiráveis.
Muito deve a Engenharia nacional ao senso prático e ao critério profissional deste notável
engenheiro.
No serviço da Pátria (na representação do Brasil em vários congressos científicos), viajei pela
Norte-América, aperfeiçoando conhecimentos que me permitissem melhor servir ao meu país; e na Engenharia Sanitária, que procurei estudar com carinho
especial, vi por vezes confirmadas, pela inigualável prática americana, lições com precedência aqui professadas pelo eminente engenheiro, a quem
hoje venho render a homenagem do meu respeito e profunda admiração.
O seu nome respeitável, espalhando por toda a parte a glória do Brasil, já venceu a indiferença do
mundo largo, penetrando a economia técnica de nações que se consideram os faróis da ciência universal.
A Inglaterra, ciosa das suas prerrogativas de mestre, que sempre foi, na ciência sanitária,
rende-se à evidência dos fatos, abre curso às aplicações generalizadas de novas peças e sistemas econômicos para a construção dos esgotos e
aparelhos úteis e aperfeiçoados, que levam ao estrangeiro, com a glória do inventor, o nome de sua pátria abençoada.
Saturnino de Brito, na sua abnegação admirável, despreza as mais vantajosas ofertas pecuniárias da
indústria inglesa para a exploração comercial de seus inventos, pondo o seu cérebro ao exclusivo serviço do bem comum, sem as preocupações
egoísticas de privilégios de quaisquer espécies.
Da França culta, desse Paris, considerado o expoente intelectual do mundo, o grande Imbeaux, o
mestre universal da Hidráulica Sanitária, o autor predileto das nossas escolas técnicas, vem admirar no Brasil a perfeição do trabalho que Saturnino
de Brito executa na cidade do Recife - a Veneza americana, ora inspirada no exemplo de Santos.
Daquela capital da ciência, o mesmo autor universal, antes de visitar Recife, nos devolve,
endossadas pela sua grande autoridade, as lições do mestre brasileiro, em longas e repetidas citações na sua última e preciosa obra, publicada no XV
volume do tratado de higiene de Brouardel.
À parte ligeiras incorreções de apreciação, naturalmente devidas a deficiências de informações à
distância sobre Santos. O dr. Imbeaux deixa bem patente o quanto de interesse existe no que o dr. Brito teve oportunidade de realizar. Na sua nova
classificação sobre os vários sistemas de esgotos, o grande engenheiro francês segue de perto o que há anos escrevera Saturnino de Brito, no seu
belo livro sobre os Esgotos das cidades.
A classe das máquinas tele-hidrodinâmicas abre espaço a um sistema puramente brasileiro, ideado e
com êxito experimentado nesta cidade de Santos em 1908 pelo nosso notável patrício.
Considerando sistemas de elevação do efluente dos esgotos, o dr. Imbeaux adota exatamente a mesma
distinção que Saturnino de Brito fizera há tempos, em artigos divulgados no estrangeiro pela Technique Sanitaire.
Ninguém, ao que me conste, a não ser Waring, numa aplicação que ficou sem imitações em Norfolk,
Virginia, nos Estados Unidos, ainda levou mais longe os grandes sifões nos esgotos, vendo-os em perfeito funcionamento, construídos em Santos;
ninguém tirou ainda da teoria desses aparelhos melhores proveitos práticos do que esse brasileiro. Aí estão, para essa felicidade hígida, das
nossas cidades, da qual ele acaba de falar, os seus aparelhos para os tanques fluxíveis, que mantêm, por perfeitas descargas automáticas, o
funcionamento completamente sanitário das canalizações coletoras das águas de despejos públicos.
Esses aparelhos, tão necessários, que exclusivamente nos vinham do estrangeiro, tinham, há bem
pouco, um custo proibitivo de aplicação generalizada, pelos privilégios de fábricas e direitos de importação, elevando-se a centenas de mil-réis,
sem contar a sua caríssima instalação, em alvenarias mais ou menos complicadas; e, além de tudo, eles exigiam certa profundidade no nascimento dos
coletores, acarretando aumento de escavação ao longo dos condutos nas cidades planas ou de fracas declividades.
Os aparelhos fluxíveis de Saturnino de Brito, adaptáveis às mínimas profundidades práticas no
nascimento dos coletores, são de fabricação livre, sem direitos, nem privilégios, apresentando vantagens sobre os seus similares estrangeiros em
relação à segurança de funcionamento e à economia de estabelecimento em alvenarias de simples construção; eles baixaram o custo dos tanques de
lavagem automática dos esgotos, tão necessária à vida de canalizações, de um e dois contos a poucas centenas de mil-réis.
Considerando a higiene domiciliar, ele, como um apóstolo do bem, nas suas práticas sanitárias,
leva o conforto físico ao seio da família, melhorando as condições higiênicas das habitações; defende o lar dos gases que traiçoeiramente podem
espalhar a morte, desequilibrando aos poucos o organismo humano pela ação tóxica que possam ter.
Contra a sifonagem nos aparelhos sanitários, para conjurar esses perigos, exerce ele uma
intervenção benéfica na vida física doméstica da família; dando às cidades, com o mesmo desprendimento, o mesmo interesse pela saúde pública, os
seus aparelhos hidráulicos obturadores, os seus sifões auto-ventilados, já fabricados no estrangeiro, com proveitosa e corrente aplicação na cidade
de Santos.
Os seus novos tipos de caixas de gordura libertam os ramais domiciliares das obstruções freqüentes
pela redução progressiva ou estrangulamento possível das seções das canalizações, devido ao depositar contínuo de gorduras nas suas paredes; eles
concorrem eficazmente para a garantia perfeita das instalações nas casas.
A todo esse inestimável serviço junta-se ainda uma série, já considerável, de peças especiais de
grande utilidade prática, que facilitam e aperfeiçoam o aparelhamento sanitário. Santos goza dessas suas conquistas e Recife começa a se remodelar,
seguindo as mesmas práticas salutares aqui tão belamente realizadas.
Saindo das habitações - em que Saturnino de Brito deixa esses elevados benefícios sanitários,
fornecendo-lhes, alem disso, ar e luz por modificações sensatas que aconselha e executa nas velhas construções defeituosas, e por medidas higiênicas
obrigatórias nos novos edifícios que se levantam - o meticuloso profissional não esquece os menores detalhes do aparelhamento das canalizações da
rua.
O esgoto domiciliar, recebido no limiar das casas em peças de sua invenção, facilitando a inspeção
da canalização, é levado ao coletor a que se liga por um sistema simples também seu, com vantagens técnicas e econômicas sobre os velhos processos
que se usavam para o mesmo fim.
Nos trabalhos apresentados à IX Seção de Engenharia Sanitária do 4º Congresso Médico
Latino-Americano, encontra-se uma lista, já considerável, de processos e aparelhos sanitários da maior utilidade, trazendo economia e perfeição ao
saneamento da cidade, todos inventados por Saturnino de Brito.
Esses inventos felizes, de valor já confirmado na prática de Santos e Recife e hoje muito
acrescidos em número, não constituem privilégios de invenção ou de aperfeiçoamento para o seu autor, que os dedica às nossas cidades e aos
profissionais honestos que os queiram empregar para o benefício público.
Para si, Saturnino de Brito não reserva mais que a satisfação íntima de servir aos seus
semelhantes, só desejando que o sistema conserve o seu nome, como exemplo de trabalho e dedicação à pátria, para formar o patrimônio dos seus
filhos.
Passando dos despejos para as águas pluviais, e destas para as drenagens do solo, Santos, já no
gozo dos benefícios dos seus belos canais, livre dos alagadiços, estendida hoje sobre jardins floridos, parques encantadores, conquistados a
terrenos úmidos que se esgotaram e se incorporaram, valiosos, à área edificável da cidade; Santos, dizia, bem pode falar pela lição dos fatos sobre
o valor dos trabalhos de Saturnino de Brito.
A teoria deste engenheiro, firmada na razão das coisas, é, a esse respeito, a mais bela que
conheço. No seu memorável trabalho sobre os Melhoramentos da capital do Espírito Santo, esse profissional, já preocupado com a necessidade de
uma orientação mais prática do que a então seguida pela Engenharia, na resolução do problema das águas pluviais, fazia aos seus colegas do Brasil um
apelo para que eles estudassem a questão com mais propriedade e observação, ligando-a, quanto possível, ao fato real do escoamento das águas no
terreno, considerando-as, na sua queda, pela intensidade, duração e distribuição das chuvas, pelos seus embaraços de escoamento ou acúmulo, levando
em conta os caprichos da topografia altimétrica, a natureza e as condições do terreno, coberto ou não de edificação.
Propunha, nessa época, um critério a seguir-se em tais problemas, evitando o emprego sistemático
de regras deduzidas em outras terras, talvez, como soluções puramente locais.
Faz a respeito interessante observação sobre o coeficiente de Belgrand, deduzido para a questão
das águas pluviais de Paris. A prática americana, nos modernos e mais perfeitos projetos de escoamento de águas pluviais, que tive a felicidade de
conhecer de visu, veio trazer-lhe a afirmação eloqüente da justiça de seu modo de encarar a questão. Nova Orleans e S. Francisco da
Califórnia, para não citar mais outros lugares, recentemente organizaram e executaram os seus projetos de forma a mais satisfatória possível,
seguindo orientação semelhante a essa de Saturnino de Brito.
Em recente trabalho sobre águas pluviais, com experiência realizada e grande elevação técnica de
vistas, o dr. Brito incidentemente trata o problema do Rio de Janeiro sob esse aspecto conveniente, que bem merece a atenção dos responsáveis pela
salubridade da capital da República.
A experiência de Santos, já com frutos no Recife, e os fatos nos seus trabalhos constatados, há de
indicar ainda a verdadeira solução para o saneamento completo da cidade, que se debruça sobre a baía encantadora de Guanabara, esse orgulho de um
país, a mais bela de todo o mundo, a criação extraordinária da natureza típica do Brasil.
Saturnino de Brito, depois de esgotar a cidade, não despreza os seus despejos, que tão nocivos se
podem tornar à saúde pública, se abandonados sem tratamento, e, assim, trata de estudar com prudência e elevado critério a questão da depuração
dessas águas.
Santos, a respeito deste momentoso problema, presta ao Brasil mais um assinalado serviço,
investigando processos que dão muitas esperanças de eficácia e economia, de adaptação geral e simplicidade; trata-se aqui de experimentar o processo
eletrolítico, que realiza, pela ação de correntes elétricas, a decomposição química dos corpos contidos nas águas dos esgotos, delas retirando os
próprios elementos purificadores.
Esse processo, que tive oportunidade de investigar em Santa Monica, na Califórnia, por honrosa
incumbência do ilustre chefe do saneamento desta cidade, se for bem conduzido e modificado no que as conveniências técnicas e o nosso caso especial
exigirem, trará benefícios gerais para as nossas cidades, que ficarão a dever mais um grande serviço à competência profissional de Saturnino de
Brito.
Este homem admirável se destaca também, com a mesma elevação de vistas, nos problemas hidráulicos
que particularmente se referem ao abastecimento da água das cidades.
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Petrópolis, Depuração das Águas dos Esgotos, Os Sifões nos Esgotos, O Problema do Calçamento das Ruas nas Cidades Tropicais, Nouveaux Systèmes d'Égouts,
Esgotos de Santos, Les Égouts de Rio de Janeiro, várias cadernetas de trabalho, primorosos relatórios de serviços executados e muitos livros
mais, já publicados, constituem, com os trabalhos que venho citando no decorrer desta exposição, um monumento extraordinário de Engenharia
Sanitária, que há de perpetuar, no Brasil, a obra patriótica do glorioso autor, do disciplinador do trabalho sanitário nacional, do administrador
perfeito e engenheiro modesto que tanto eleva o nome da nossa terra.
Para vos mostrar, ainda, quanto vale o espírito investigador de Saturnino de Brito e a sua
dedicação à causa pública, peço-vos vênia para relembrar um fato a que ocasionalmente se liga o meu obscuro nome. Convencido dos grandes benefícios
que nos vêm da floresta e advogando a sua metódica conservação, o dr. Brito, quando engenheiro da Estrada de Ferro de Baturité, no Ceará, expôs em
relatório oficial, publicado em 1892, uma teoria racional sobre o uso criterioso da propriedade florestal, sem abusos prejudiciais à sociedade.
E, por uma coincidência notável, o presidente Roosevelt, em 1908, na célebre conferência dos
governadores pela conservação dos recursos naturais da América, advogou igual doutrina, que estava sendo ultimamente esposada pelos mais altos
tribunais da grande República, em favor de uma legislação geral, regulando o uso das florestas particulares.
Em dois congressos consecutivos, perante os quais representei o Brasil naquele país, reivindiquei
para nós a glória da precedência da exposição da doutrina citada.
Uma educação mais completa do nosso povo há de torná-la um dia vitoriosa no Brasil, no interesse
das gerações futuras.
Afastando-me dela, na organização da Lei do Serviço Florestal do Brasil, à qual tive a satisfação
de colaborar por convite honroso do sr. dr. Pedro de Toledo, digno ministro da Agricultura, não fiz mais do que atender à conveniência do momento
atual, não dificultando a criação de um serviço de absoluta necessidade, com os embaraços que, naturalmente, surgiriam das discussões no Congresso
Nacional, provindas da controvérsia de idéias, que reina entre nós, sobre a verdadeira conservação econômica da floresta e sobre as medidas
constitucionais que a devam estabelecer.
Aí fica, meus senhores, em traços ligeiros e muito aquém da magnitude da obra considerada, uma
exposição sincera, em síntese, embora imperfeita, dos trabalhos profissionais do extraordinário engenheiro a quem confiastes o delicado trabalho,
que realizastes nesta cidade, a quem deveis a execução magistral do belo monumento de Engenharia Sanitária que, em Santos, entregais ao Brasil.
Saturnino de Brito, cada vez mais, cresce na sua elevada estatura moral, igualmente se destaca na
vida pública e no seio da família, para quem ele aspira uma pátria feliz, cuja liberdade um dia defendeu, sob a farda do soldado, no memorável
Batalhão Benjamin Constant em 1893.
Sr. dr. Saturnino de Brito, como discípulo grato às lições do mestre, eu tomo parte nas vossas
alegrias de hoje e faço ardentes votos pela felicidade pessoal de quem tanto trabalha pela felicidade da Pátria, e esses votos estendem-se àqueles
que no lar completam o vosso coração, estimulando-vos pelo amor de esposo dedicado, de pai extremoso e patriota abnegado que sois, todo esse
sentimento que vos torna um apóstolo do Bem.
Povo paulista, confiando de Saturnino de Brito, a saúde de Santos, realizaste o mais belo trabalho
de saneamento no Brasil.
É grande a vossa obra; nela não se sabe mais que admirar, se o patriotismo, se a energia revelada
de um povo, se a lição técnica de um projeto perfeito, recomendável pela propriedade e adaptação ao meio considerado, ou se a economia do trabalho,
a ordem e a segurança observadas no correr da execução do serviço.
Tudo vale, nesse projeto, por um exemplo belíssimo e nobilitante do trabalho nacional, que tanto
sabeis prestigiar para a regeneração social, no interesse da Ordem e do Progresso.
Permiti que, por essa conquista civilizadora, eu vos renda a homenagem de uma admiração sincera;
que, como mineiro, sem preocupações regionais, levando na consideração do bem geral da nação os limites da sua terra às divisas do Brasil, eu me
associe ao orgulho nobre dos paulistas, que trabalham pelo seu estado, engrandecendo a Pátria amada.
Como brasileiro, eu vos saúdo: Oh! Povo glorioso! com toda a efusão de
meu sentimento; e levanto a minha taça em honra de S. Paulo, saudando o seu mais direto representante, o exmo. sr. dr. Albuquerque Lins, honrado
presidente do Estado.
(Jornal do Commercio, 12 de maio de 1912).
Imagem publicada na obra da Comissão de
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