Imagem: reprodução parcial da matéria original
ZYE-34 apresenta: "Pelé, o comentarista"
Muito em breve os "prezados rádio-ouvintes da cidade das
praias" terão junto a si mais um comentarista de esportes, num pequeno programa de 5 minutos, onde não serão feitas análises de jogos, nem será dada
opinião sobre jogadores. É que o novo comentarista, considerado suspeito para fazer análises, é o jogador de futebol, industrial, comerciante,
garoto-propaganda e, ultimamente, proprietário da emissora, Edson Arantes do Nascimento, ou Pelé, como se fez conhecer através dos mais de 15 anos
de futebol.
Segundo o diretor de programação da Rádio Clube de Santos - ZYE-34 - (cujo prefixo acrescenta: "A
Emissora do Rei"), Milton Borges, o veterano esportista Pelé vai fazer um programa que já tem data marcada para iniciar. Na segunda-feira, 16 de
julho, às 18h50, o mais novo comentarista de Santos vai sentar-se frente ao microfone e, dentro de seus cinco minutos, contar fatos pitorescos de
sua vida de futebolista campeão e "enviar uma mensagem ao esportista e à dona de casa".
Não se sabe ainda o que os esportistas e donas-de-casa têm a dizer ao cidadão de 33 aos que vai
manter "no ar, um diálogo com os ouvintes", mas, certamente, um dos itens do esquema de programa não vai faltar: as cartas de fãs que serão lidas e
respondidas ao microfone. Quando essas cartas chegarem, falarão, provavelmente, de elogios e agradecimentos à "maravilha do futebol em todos os
tempos". Ou, então, pedirão detalhes de "fatos pitorescos".
No entanto, há os que gostam de atrapalhar. Esses, certamente, enviarão cartas, perguntando sobre
partidas de futebol, pedindo que se comente esse ou aquele jogo, e que o proximamente abdicante rei analise seus companheiros de gramado,
tanto do seu como de outros clubes menos votados.
A esses, Pelé provavelmente substituirá o "recebemos uma amável cartinha de fulano à qual passamos
a responder" por um cauteloso "sinto não responder a fulano que pergunta se cicrano jogou bem, pois isso iria ferir minha ética e meus princípios".
A ética e os princípios do rei não vão deixá-lo, certamente, falar de seus colegas de profissão, pois, "se o fizesse - diz o programador
Borges -, ele seria obrigado a analisar a si próprio, o que seria impossível".
Comentários ao comentarista - Com a nova função que vai acumular - ao lado de diretor de
banco, entre outras, Pelé vai se tornar automaticamente, e de fato, um rádio-jornalista, ou, quando menos, rádio-cronista. Tal posição implica no
fato de regularização de uma profissão, ainda não bem definida e, correntemente, exercida por pessoas menos capazes e não menos pretensiosas.
Comenta-se, inclusive, talvez até maldosamente, que Pelé não teria condições de fazer um real
programa esportivo, onde fosse obrigado a usar da lógica. A maioria das pessoas, em matéria de ex-jogadores que se tornaram cronistas esportivos,
prefere Gerson, ex-jogador do São Paulo (atualmente no Fluminense), e, numa comparação com o rei, afirmam que Gerson tem em maior quantidade
a indefinível qualidade chamada de inteligência.
Os seus novos colegas de profissão, de Santos, ainda não têm opiniões concretas a respeito de seu
programa e preferem, prudentemente, ouvir primeiro para comentar depois. No entanto, existem conceitos básicos expostos pelos mesmos comentaristas
de Santos, que valem a pena o registro para futura comparação.
Pinheiro Neto, da Rádio Universal de Santos, não deve estar vendo grandes qualidades jornalísticas
no seu novo colega, embora não afirme exatamente isso. Diz que Pelé "será um bom comentarista, principalmente pela atração que representa para o
patrocinador. Além de ser dono da emissora, é claro".
Quanto ao aspecto legal da nova profissão do sr. Nascimento, Pinheiro Neto não vê problemas,
"desde que ele regularize sua situação como rádio-jornalista", e que deve ser difícil, embora legalmente, tal profissão requer - em princípio -
graduação em escola de comunicação ou jornalismo.
As oportunidades de Pelé - Concordando no geral, e divergindo nos detalhes, o comentarista
Armando Gomes, da Rádio Cacique, diz, primeiro, que "Pelé vai funcionar, Edson Arantes do Nascimento, não". E explica as mesmas razões de Pinheiro
Neto: a audiência certa, devida ao nome famoso, que interessa ao patrocinador.
Como comentarista de futebol (que Pelé, prudentemente, não assumirá), Armando Gomes diz que o
rei não vai "funcionar". Explicações: "É difícil, para alguém que saia dos campos de futebol, comentar e analisar, com precisão, as jogadas e
táticas aplicadas". Mais, ainda: "Falta-lhe vivência de análise e observação, depois de tanto tempo passado dentro dos campos de futebol".
O radialista Armando Gomes, no entanto, acha que Pelé é "muito esforçado e vai fazer tudo para
realizar um bom programa: se bem que, como comentarista, eu prefiro o Gerson, que é mais desenvolto".
No aspecto legal, Gomes vê problemas: "Mesmo que, como dizem, esteja tirando chance de outros, a
oportunidade deve ser dada a todos, mesmo ao Pelé". E, provavelmente, mesmo que Pelé já tenha tido e criado todas as oportunidades possíveis.
Quem quiser saber da mais nova oportunidade dada ao (ou criada pelo) rei do futebol, basta
ligar na Rádio Clube de Santos, daqui a 11 dias e de segunda a sexta-feira, às 18h50, para escutar 5 minutos de Pelé.
Nem o ouvinte e nem o patrocinador (uma firma financiadora de veículos e bens de consumo de
Santos, que deve assinar o contrato hoje) precisam ficar assustados, ou temerosos, nos dias que Pelé excursionar com o Santos: todos os programas,
falando dos fatos pitorescos de sua vida e das mensagens ao esportista e à dona-de-casa, assim como às criancinhas tão ao gosto do rei, serão
gravados previamente e "enviados ao ar com regularidade para deleite do prezado ouvinte".
Foto publicada com a matéria original
|