O desmoronamento em 1928
Foto: Poliantéia Santista, 1996, Ed. Caudex, S. Vicente/SP
A demolição do Monte Serrate
Discutiu-se, há dias, numa sessão extraordinária da Câmara
Municipal, respeito a este assunto: - Pode a Municipalidade provocar a demolição do Monte Serrate, a fim de evitar maior perigo à população e
proceder a essa demolição sem o risco de responder, mais tarde, por perdas e danos aos proprietários de prédios na encosta e no cume do morro?
Houve opiniões que sim e houve opiniões que não. A discussão descambou para a imprensa, e
jornais daqui e de S. Paulo vêm se ocupando do assunto, a tecer-lhe comentários de variada polpa. Até um ilustrado causídico de nosso Foro, em
parecer ontem publicado alhures, trata do caso, e, terminando a sua exposição, deixa a solução pendente, a balançar no fio de uma dúvida.
Pode ou não pode? A Municipalidade é, ou não é, obrigada a indenizar?
Essa dúvida salteia os espíritos, e enquanto a certeza de uma convicção não a dissipar,
ficam lá acima na falta do morro, suspensas as picaretas, os caminhões parados e os trabalhadores, e os engenheiros, e todos os que se interessam e
que querem que se acabe o serviço de desentulho, toda essa gente, ansiosa, se entreolha, aflita, à espera que se decida a pendência jurídica, a
discussão livresca em torno do caso, que é de uma simplicidade de entrar pelos olhos de quem quer que os não tenha debruçados sobre compêndios a
deletrar artigos de códigos e sentenças de juristas complicados.
Esqueça-se, por um momento, a ciência e reflita-se sobre este ponto. O morro vai cair, cai
fatalmente, ou o morro pode não cair, pode suster-se, pode ser escorado lá em cima? Respondido que sim, que o morro vai cair de verdade, hoje ou
amanhã ou com as primeiras cargas d'água, a solução única que há, curial, acertada, exata, é adiantar-se à obra da natureza e provocar a queda do
morro, seja por que meio for, desde que seja pelo meio menos prejudicial, está claríssimo.
Respondido que não, que o morro não pode cair, que é possível escorá-lo, sustê-lo etc.,
então o que se tem a fazer é obrigar os donos dos terrenos a deitar essas escoras, fazer as obras necessárias pra conjurar o perigo, pôr, em suma, a
cidade a coberto de uma nova calamidade.
Mas, dir-se-á (e isso até já foi dito) mesmo que se verifique a inevitabilidade da queda,
mesmo que isso do morro cair seja coisa impossível de evitar-se, basta que a Municipalidade vá lá e dê um impulso, o impulso inicial para essa
queda, que vai dar-se hoje ou amanhã, basta somente isso, para ela, a Municipalidade, ser obrigada a indenizar milhares de contos de perdas e danos.
Demoremos meio minuto num raciocínio: - Se a queda é inevitável, visto está que o ato da
Municipalidade, provocando-a, nada mais é que antecipar, por uns momentos, a obra da natureza. É como se a queda se tivesse dado, naturalmente,
fatalmente. Nestas condições, onde a obrigação de indenizar?
Não se obumbrem as vistas e as inteligências com tão pouca coisa. A ser assim, difícil é
admitir-se a existência das corporações de bombeiros numa cidade.
Um exemplo (e esse exemplo é de um dos mais sagazes causídicos do foro santista) elucida a
questão. Imagine-se um prédio na iminência de ser devorado por um incêndio. Para salvá-lo, parcialmente embora, os bombeiros têm que quebrar uma ou
outra tábua de porta, amolgar fechaduras etc. E salva-se o prédio. Terá, acaso, o proprietário ação para cobrar indenização dos prejuízos sofridos
para evitar mal maior?
Responder que sim é responder que devem suprimir-se todos os corpos de bombeiros do mundo.
Em resumo: faça-se a vistoria e, verificado que o morro tem que vir
abaixo, inevitável, a Municipalidade que provoque, sem receio, a queda do morro. O resto, as construções jurídicas assentes sobre a área, isso virá
abaixo mais facilmente ainda...
A.M.
O desmoronamento em 1928
Foto: Poliantéia Santista, 1996, Ed. Caudex, S. Vicente/SP
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