O Vulcão do Macuco, num pastel de Benedicto Calixto
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Lembrando o "Vulcão do Macuco"
Espantoso fenômeno telúrico que Santos assistiu nos fins do século passado
(N.E.: século XIX)
De dezembro de 1896 a janeiro de 1897, uma cratera aberta junto à mata do varjão
dos Outeirinhos jorrou lama, fogo e fumaça...
Santos descansava dos agitados acontecimentos da
revolta da Armada e ainda evocava, arrepiada, seus sustos e correrias, a perseguição de Olímpio Lima, a prisão de Martim
Francisco, o aparecimento do República ameaçando a barra, a pressão da polícia contra os anti-florianistas... tanta coisa ainda recente,
própria das cidades de brio, de gente de sangue, que sentia e vibrava nas horas da história que atravessava.
Estava-se em 1896, a área urbana de Santos não abrangia senão uma quinta parte do que
é hoje, mas já era quase o dobro da cidade imperial de 89.
A antiga Rua Octaviana, depois Avenida Conselheiro Nébias,
para além do Rio dos Soldados, só de onde em onde apresentava o sorriso do progresso, aberto na visão de algumas casas
escalonadas em seu percurso.
Além da Vila Nova, de fato, a parte mais recente da cidade,
onde o Empório da Vila Nova, do "seo" Maneco, senhor também de vastíssima calva, estadeava a sua importância de fornecedor de todo o bairro, poucas
construções se viam pontilhando o caminho novo da Barra, que cruzava lá em baixo com o Caminho Velho, picadão ainda cheio
de mato, caruru e trapoeiraba, onde uma pequena locanda marcava o início da futura Avenida Taylor,
hoje Conselheiro Rodrigues Alves.
Naquela ocasião, a chácara mais importante da Rua Conselheiro Nébias era a do velho
Ablas, que ia da atual Rua Freitas Guimarães até em frente à Rua Júlio de Mesquita, cheia de arvoredo basto, escondendo a Casa Grande, retirada bem
para os fundos, quase a refugiar-se nos mangues do atual Mercado. Pouco adiante dela, na outra face da avenida, ficava a
casa do Moraes "Bengala", pai de Gastão de Moraes, o padre do Embaré, de tanta atividade em Santos. O maior número das
boas famílias morava, ainda, da Vila Nova para cima, no coração da cidade.
Foi em meados de dezembro daquele ano que a população santista amanheceu, certo dia,
alarmada com o aparecimento, na região mais interior do Macuco, de um estranho e aterrador fenômeno.
Um buraco se abrira junto à mata do varjão dos Outeirinhos,
vomitando lama e fumaça, intercaladas de apitos fortes, que se ouviam à distância. Logo depois, grandes chamas amareladas se elevaram, também,
ameaçadoras, chiantes, como labaredas de fogareiro de pressão, subindo a dez metros de altura.
Foi um estouro na pacatês da vida santista. A cidade inteira movimentou-se para lá. Os
bondinhos de burros da Empresa "Água, Gás, Luz e Bondes" desviaram-se todos para aquela zona, e lá se iam ramerrando pela
avenida abaixo, apinhados de gente até à tolda, como nos grandes dias de entrudo, no centro da cidade. Foi uma procissão. Todos queriam contemplar o
terrível ineditismo do espetáculo.
De fato, o fenômeno lá das proximidades do estuário era digno de ser visto como coisa
nova e imprevista, apesar da face possivelmente trágica do seu aparecimento. E era um indagar daqui, um arregalar de olhos dali, e beatas em
benzimentos e céticos em sorrisos, e entre a mal disfarçada preocupação de todos.
Sobre toda aquela amálgama de pensamentos, conceitos, juízos do mundo, de submersão da
ilha, e interpretações, os boatos de fim e as indefectíveis frases feitas do púlpito:
- Meus irmãos! (a voz trêmula, o dedo espetado no ar...) - deveis estar preparados
para o grande dia!
Calcule-se, em tal situação, o efeito das tiradas religiosas no espírito inculto da
massa intelectualmente amorfa!
Filas intermináveis de povo seguiam pela avenida, cumprindo a pé toda a distância, por
falta de lugar nos bondinhos, e as margens do largo caminho, que seria pouco mais tarde a avenida Taylor, se apinhavam de gente de toda a casta, sem
esquecer quitandeiras e criolinhos, em pregões insistentes, de amendoim, bolinhos de fubá, pamonhas, munguzá, limonadas, doçarias e pasteizinhos
quentes. Todo o caminho, assim, se tornou uma vasta feira povoada, cruzada e recruzada de vultos e de vozes e gritos da molecada assanhada!
As interpretações eram as mais diversas possíveis, e enquanto pairavam no ar dúvidas,
choviam promessas a Nossa Senhora do Monte, e enchia-se a sua capela de romeiros, para que nada acontecesse.
De São Paulo e do interior, onde a notícia se espalhara como o vento, descia gente
todos os dias, para ver o "vulcão", e, em redor daquele fato, lá mesmo muitas lendas se levantaram, fruto da distância e da imaginação, como
as que em Santos já haviam nascido, da imaginação também, da ignorância ou da exploração de muitos.
Um número infinito de famílias, achando mais fácil, ia para lá em botes de aluguel, e
embarcavam, então, centenas de pessoas, nas catraias que, às dezenas, esperavam os passageiros certos, no Valongo, na
Alfândega, ou no Paquetá, onde já ficava o Mercado das Canoas. Iam
embarcadas e apeavam na atual bacia do Macuco, ainda em seu estado primitivo, seguindo, depois, pelo varjão encharcado e daí pela terra firme, até
junto ao fenômeno.
Junto ao local do acontecimento espetacular que a natureza proporcionava
passageiramente aos homens, extasiavam-se todos, à vista do grande penacho de fogo, jalde e rubro, cruzado de fagulhas e tresandando forte a
enxofre, admirado cada um da cara que apresentava o vizinho, amarela cerosa, como de ressuscitados ou de cadáveres estranhamente animados. E o
fogaréu grugulhava nas entranhas da terra, enquanto um ligeiro tremor abalava o piso dos circunstantes postados respeitosamente a uma distância de
seis ou sete metros em derredor. Era a solfatara de Santos, era o "Vulcão do Macuco", como ficou pomposamente denominado na crônica local.
Por mais de um mês foi o espetáculo santista contemplado por milhares de criaturas de
todas as distâncias, e só se extinguiu em fins de janeiro de 1897.
Hoje, sobre o lugar em que ele existiu, estendem-se ruas e casas novas, e, ali perto,
uma grande chaminé industrial vulcaneja para o céu grandes rolos de fumo, com o mesmo apito em dadas horas e o mesmo rumor intramuros. Simbolismo,
talvez! |