O navio pertencia à armadora alemã Hamburg-Amerika Line (Hapag) e fez a viagem inaugural em 1908. Ele navegou até 1950, quando encalhou
"Posição 41º 44' Norte de latitude e 50º 24' Oeste de longitude. Peço assistência imediata M.G.Y.". São passados 18 minutos de zero hora, no dia 15 de abril de 1912, quando, no
Atlântico Norte, é lançada esta mensagem pelo radiotelegrafista de bordo do Titanic, na época o maior navio do mundo.
M.G.Y. são as letras do indicativo do Titanic e a mensagem é transmitida dez vezes seguidas. A cerca de 150 milhas (235 quilômetros) marítimas da posição indicada pelo telégrafo do transatlântico, a bordo do
vapor alemão Ypiranga, a mensagem é captada, assim como por outros três vapores, o La Provence, o Mount Temple e o Carpathia, além da estação terrestre de Cabo Race, na costa norte-americana.
O comandante Smith, do Titanic, acabara de receber o relatório do engenheiro naval responsável pela construção de seu navio. Thomas Andrews, que se encontrava a bordo de sua criação nesta viagem inaugural.
Não tem dúvidas: o Titanic está condenado.
O rombo de cerca de 100 metros provocado pelo choque com o iceberg havia alagado os primeiros cinco compartimentos ao lado de boreste (lado direito) da proa (frente) e Andrews sabia que o Titanic só
poderia flutuar com no máximo quatro desses compartimentos contíguos alagados. A sentença era definitiva: o Titanic estava afundando irremediavelmente.
A bordo do Ypiranga, seu comandante ordena a resposta imediata ao CQD (mensagem de socorro antes do uso da sigla SOS) recebido.
A mensagem é lançada ao éter, anunciando ao Titanic que o Ypiranga não pode ser utilizado na obra de socorro, o navio alemão estando imobilizado no oceano por causa da massa de gelo e icebergs
flutuando nas proximidades.
Apesar disto ou talvez porque a mensagem não foi corretamente captada de bordo do Titanic, são lançadas outras 20 repetições do sinal CQD em direção do Ypiranga.
É 0h26 nos relógios do Titanic, que, duas horas depois, inicia sua descida para o fundo do oceano, 5 mil metros abaixo.
Assim, apesar de se encontrar nas proximidades da tragédia, o Ypiranga não pode intervir e seu nome foi esquecido na noite do tempo.
"Titanic - Este cartão postal original do Titanic é o mais raro da minha coleção. É um cartão comemorativo do naufrágio, que ocorreu no dia 14 de abril de 1912, relatando
em legenda na foto, em francês, que o choque do navio com um bloco de gelo na rota entre Southampton e Nova York matou 1.800 pessoas. A data na legenda (16 de abril) está incorreta e os mortos foram 1.522. O curioso é que o cartão foi postado no
dia 24 de abril de 1912, ou seja, 10 dias depois do acidente. No verso há mensagem manuscrita postada em Bordeaux, com a data acima. A imagem é um desenho bico-de-pena do navio, assinado por E.L.D.".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006)
A Hamburg-Amerika Line (Hapag) havia iniciado seu serviço de passageiros na Rota de Ouro (Brasil) e Prata (Argentina) em 1900.
Seis anos mais tarde, entravam nessa linha os novíssimos transatlânticos Konig Wilhelm, de grande tonelagem e capacidade de passageiros, o primeiro realizando sua viagem inaugural para o Brasil e o Prata em
outubro de 1906 e o segundo em julho do ano seguinte.
Tal incremento da frota da Hapag para o serviço sul-americano não era, no entanto, suficiente, visto o grande aumento da demanda e assim a armadora alemã ordenou no início de 1907 a construção de um novo par de
vapores com capacidade média destinados a reforçar a oferta de passagens para o Atlântico Sul.
A ordem foi dada ao Estaleiro Krupp-Germaniawerft, do porto de Kiel, Alemanha, e os nomes escolhidos para o par eram uma homenagem ao Brasil, Corcovado e Ypiranga. O primeiro mencionado foi entregue à
Hapag em abril de 1908 e o último nomeado, em agosto do mesmo ano.
De desenho rígido, mas gracioso, eram navios de concepção formal, possuindo dois decks (conveses) de superestrutura e dois decks corridos em toda a extensão do casco. Quatro porões de carga e um
destinado à bagagem e às provisões de bordo completavam o espaço dos vapores.
Possuíam maquinário de quádrupla expansão, com potência total de 4.800 cavalos-vapor, o que lhes dava velocidade máxima de 13 nós (24 quilômetros horários), propulsionados por um par de hélices.
O Ypiranga saiu de Hamburgo, Alemanha, no dia 14 de outubro de 1908, para sua viagem inaugural, com destino ao Rio de Janeiro e Santos via os portos de escala intermediária de Boulogne, La Coruña, Vigo,
Porto e Lisboa. Havia sido precedido pelo irmão-gêmeo Corcovado, que inaugurou seu serviço para a América do Sul em abril do mesmo ano.
O par permaneceu na Rota de Ouro e Prata por mais três anos, sendo que a partir de meados de 1900, nas suas viagens, foram incluídas as escalas de Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).
Em março de 1911, o Ypiranga realizou uma viagem redonda (de ida e volta) entre Hamburgo e Filadélfia (Estados Unidos), sendo, logo após o término desta, transferido, juntamente com o Corcovado, para
o serviço quinzenal entre Hamburgo, Cuba e México, da Hapag, rota que serviram até o início das hostilidades de 1914.
Se em 12 de abril de 1912 o Ypiranga encontrava-se tão ao Norte de sua rota habitual, deveu-se ao fato de estar realizando na ocasião uma escala extraordinária em Filadélfia, porto que já tinha tocado um ano
antes.
A declaração de guerra de agosto de 1914 encontrou o Ypiranga atracado em Hamburgo. Nesse porto hanseático, passaria os próximos cinco anos, imobilizado, mas servindo à Marinha alemã como navio-dormitório.
É fato sabido que, logo após o término do conflito, em novembro de 1918, as nações aliadas vitoriosas obrigaram a Alemanha a proceder reparações de guerra, com o confisco, entre outras penalidades, do que restara
da sua anteriormente poderosa marinha mercante.
Entre tantos outros navios, o Ypiranga conheceu então a mesma sorte e em março de 1919 foi levado até o porto inglês de Southend e consignado às autoridades britânicas responsáveis pelo armamento mercante (Shipping
Controller).
Passou então ao gerenciamento da White Star Line e foi utilizado por cerca de um ano repatriando tropas austríacas ou sul-africanas a seus países de origem.
Outra armadora britânica, a Anchor Line, a custo de navios, solicitou a aquisição do Ypiranga ao Shipping Controller e, com o acordo deste, adquiriu o navio em janeiro de 1921, rebatizando-o com o nome de
Assyria.
Após a realização de uma viagem redonda até Bombaim (Índia), o Assyria, ex-Ypiranga, foi colocado a serviço da linha Glasgow-Nova Iorque (Escócia-Estados Unidos), com sua chaminé agora inteiramente
pintada de negro, assim como os grandes ventiladores do deck superior.
Antes de iniciar a nova linha, o vapor teve suas acomodações de passageiros reformadas, passando a ter a capacidade de 240 em segunda classe e 140 em terceira classe.
Após permanecer quatro anos na linha de Nova Iorque, o Assyria foi transferido, em 1925, para a rota Glasgow-Bombaim e nessa utilização ficou também mais quatro anos.
O navio alemão Ypiranga e a bandeira da Hapag
Foto: cartão postal, da coleção do autor, publicada com a matéria
A Companhia Nacional de Navegação (CNN) havia sido formada em 1918, com a transferência, para seus ativos, dos bens até então incorporados na Empresa Nacional de Navegação.
Outra armadora portuguesa surgida ao findar o conflito foi a Companhia Colonial de Navegação (CCN). Já estudamos a origem da CCN. É, portanto,
suficiente mencionar o fato de que em dezembro de 1929 à frota da CCN foram acrescentados os dois navios gêmeos de nossa história: o Corcovado (que recebeu o nome de Mouzinho) e o Ypiranga (Assyria), agora rebatizado com
o nome de Colonial. Quis assim o destino uni-los novamente, sob nova bandeira, no serviço da Rota de Ouro e Prata.
Logo após a sua compra, o Colonial foi modernizado em suas estruturas interiores e exteriores e colocado, em março de 1930, na linha entre Lisboa (Portugal), Angola e Moçambique. Estava na ocasião pintado
com as cores da CCN, isto é, casco e chaminé de cor ouro, com duas bandas verdes e uma branca a ornar esta última.
Sua capacidade havia passado para 109 passageiros de primeira classe, 81 de segunda e 239 de terceira e nessa linha para as colônias portuguesas permaneceria até o início da Segunda Guerra Mundial.
Em 22 de junho de 1940, o Colonial inaugurava, em pleno conflito, a ligação Lisboa, Rio de Janeiro, Santos, via Madeira e São Vicente (Cabo Verde), sendo seguido dois meses após pelo
Serpa Pinto. Lembre-se aqui que Portugal era país neutro no conflito mundial.
O Colonial só realizaria mais uma viagem, naquela que fora a sua rota original no longínquo ano de 1908: em abril de 1944, iniciava viagem redonda entre Lisboa e Buenos Aires, via Rio de Janeiro.
Em ambas as viagens, levava o nome Colonial-Portugal pintado em grandes letras brancas nos dois lados do casco preto.
Terminado o conflito, foi utilizado esporadicamente entre Portugal e as colônias portuguesas africanas e asiáticas. Entre maio de 1949 e julho de 1950, realizou uma longa viagem de ida e volta de Lisboa ao Extremo
Oriente, via Funchal, Bissau e Lourenço Marques.
Muito antigo, usado e desgastado pelo tempo, o Colonial não podia mais competir no mercado dos fretes marítimos. A entrada dos novos transatlânticos Angola, Moçambique, Pátria e
Império, entre 1948 e 1949, na rota das colônias portuguesas, foi o sinal do fim.
Vendido para demolição a uma empresa britânica especializada em desmantelamento, a British Iron & Steel Corporation (Salvage) Ltd., e rebatizado, para a última viagem, a Dalmuir (Escócia), com o nome de Bisco 9,
o antigo vapor da Hapag não chegaria a seu destino.
Durante um violento temporal, o cabo de reboque que o prendia ao rebocador Turmoil partiu-se e o Bisco 9 foi acabar encalhado nas rochas da costa do Condado de Kintyre (Escócia), onde - metade pela
mão do oceano e metade pela mão do homem - acabaria demolido. |