Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/rossini/tuscany.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/14/08 10:17:51
Clique na imagem para voltar à página inicial de 'Rota de Ouro e Prata'

ROTA DE OURO E PRATA
Histórias: colisão de Tuscany e Lóide Chile

1960

Colisões acontecem quando dois navios em movimento se chocam. Tal tipo de sinistro é menos raro do que se possa imaginar. Até atualmente, apesar de todos os recursos tecnológicos disponíveis à navegação (radar, GPS e outros...) acontecem colisões à média de uma por semana em todos os mares do globo.

Recentemente, em 1999, ocorreu colisão no Canal da Mancha que poderia ter sido de gravíssimas conseqüências. O navio de cruzeiros Norwegian Dream, tendo a bordo mais de duas mil pessoas, entrou de proa no costado de um grande porta-contêineres da armadora Evergreen. A bordo deste último, alguns contêineres se incendiaram.

A proa do Norwegian Dream desapareceu por cerca de sete metros, felizmente a nível acima da água, não havendo vítimas a lamentar; porém, o simples fato da ocorrência mostrou a vulnerabilidade dos navios em geral.

Santos - Na área de navegação do Porto de Santos, o registro de colisões é pequeno, pois ao longo do século 20 (de 1901 a 2000) não se contam mais do que três dúzias de casos, todos eles acontecidos na época anterior à utilização mais difundida do radar a bordo dos navios.

Uma das mais violentas colisões em Santos aconteceu fora da barra do porto, em 1960, na área de navegação livre entre a Ilha da Moela e a bóia que indicava os restos do cargueiro nacional Guararema, afundado em 1949. Nessa colisão, estiveram envolvidos dois cargueiros: o Tuscany, da Royal Mail (ex-Royal Mail Steam Packet - RMSP), e o Lóide Chile, do Lloyd Brasileiro.

O Tuscany fazia parte de um quarteto de navios de carga com características similares construídos em meados da década de 50 nos estaleiros da Harland & Wolff, de Govan (Escócia). Os outros três receberam os nomes de Thessaly, Picardy e Albany. Eram navios a motor de uma só hélice, quatro porões de carga com capacidade para 8 mil toneladas e acomodações para um máximo de 12 pessoas. O Tuscany entrou em serviço na Rota de Ouro e Prata em 1956 e os três restantes no decorrer do ano seguinte.

O acidente - Na noite de 28 de dezembro de 1960, uma quarta-feira, o Tuscany literalmente entrou no costado do Lóide Chile. O fato se produziu quando o navio britânico (comandado por Allason-Jones) saía do porto, já sem prático a bordo, enquanto o mercante nacional (comandado por George Meyer) iniciava a navegação de entrada, tendo a bordo o prático santista.

O primeiro (o Tuscany) investiu violentamente contra o segundo, atingindo-o na altura da ponte de comando e abrindo larga brecha, desse ponto até abaixo da linha d'água, em uma penetração de quase seis metros.

Em conseqüência, foram atingidas a casa de máquinas, o passadiço e as cabines de oficiais. Preso entre as ferragens da sua cabine, ficou sem vida o radiotelegrafista do navio nacional, única vítima do sinistro.

O Lóide Chile provinha da Europa, tendo a bordo 3 mil toneladas de carga geral, enquanto o Tuscany deixaria santos com destino ao Rio Grande e Porto Alegre com 400 toneladas de carga. Nenhuma das cargas sofreu avaria e ambos os navios procederam para dentro do porto por seus próprios meios.

Inquérito - Para averiguação completa dos danos e das causas do acidente, foi aberto inquérito pela Capitania dos Portos, sob ordens do capitão dos portos da época, Melo Júnior.

Apuraram-se, com o devido tempo, as graves responsabilidades da oficialidade do navio britânico que, já navegando sem prático, fora da barra, não se conformou com as regras básicas de navegação, tomando rumo bem diferente daquele que deveria ter sido o caso para um cruzamento bombordo-bombordo, cruzamento que a situação demandava.

Depois de receber reparos de emergência em Santos, e pagar fiança jurídica, o Tuscany seguiu viagem para o Sul e, após descarregar no Rio Grande, foi posto em doca seca em Buenos Aires, para reparos definitivos.

O Lóide Chile, por sua vez, permaneceu um mês em Santos, atracado no cais do Armazém 23, recebendo os reparos mais urgentes. Em finais de janeiro de 1961, foi levado pelo rebocador de alto-mar Comandante Dorat para o Rio de Janeiro, onde foi restaurado e reconstruído pelo Estaleiro do Mocanguê.

Notícia publicada pelo jornal santista A Tribuna, em 30 de dezembro de 1960 (página 1):

Fotos publicadas com a matéria, com esta legenda:

COLISÃO DE NAVIOS FORA DO PORTO - Estes navios foram os protagonistas da grave colisão verificada na noite de anteontem, fora do porto, entre a ilha das Palmas e a bóia verde que assinala o casco soçobrado do Guararema. Ambos já se encontram no estuário, um atracado e outro fundeado. O Tuscany nos exibe as suas feridas da proa, mas que lhe poderão permitir viajar depois dos reparos recebidos, talvez mesmo em Santos.

O Lóide Chile tinha que ser, como se vê, a grande vítima. Suas chagas são bem grandes e bem abertas, mostrando a força do impacto sofrido quase a meia nau, com a destruição de uma grande parte da superestrutura de bordo, inclusive a cabina de radiotelegrafista, onde morreu imprensado o 2º rádio Alberto Russo, cabina que se situava a uns seis metros do costado. A fotografia de José Dias Herrera está nos mostrando quanta coisa se reduziu a frangalhos a bordo do navio nacional, construído no Canadá. O Tuscany, ao contrário, é de construção inglesa e bem mais moço que o Lóide Chile: tem só quatro anos, 135 metros de comprimento, 7.454 toneladas brutas e 4.102 líquidas. (Ler a reportagem da nossa seção Porto & Mar).

Quase a meia nau, para vante, foi que o Tuscany atingiu o Lóide Chile. A escada de acesso ao navio, do lado de bombordo, partiu-se em dois pedaços

Foto e legenda publicadas com a matéria

No porto os navios da grave colisão da noite de 4ª-feira

O Lóide Chile está descarregando e o Tuscany, fundeado - Retirado o corpo do radiotelegrafista - O navio nacional sofrerá reparos de emergência, em Santos - Obra definitiva em Mocanguê - Técnicos vistoriaram os dois barcos

Conforme havíamos antecipado, o navio nacional Lóide Chile na madrugada de ontem foi rebocado para o interior do porto, uma vez que se poderia tornar perigosa a sua continuação no local em que sofreu o grave abalroamento do cargueiro inglês Tuscany.

Por sua vez, este barco da Mala Real Inglesa, de manhã, veio também, pelos seus próprios meios, fundear no estuário, onde aguardará que o seu comandante e outros tripulantes deponham no inquérito aberto na Capitania dos Portos.

Esse navio tinha carregado em Santos para Rio Grande e Porto Alegre 400 toneladas de carga geral, e estava de saída para aquele destino, quando ocorreu a sua colisão com o Lóide Chile, que vinha para o porto, procedente da Europa.

Conseguimos falar, ontem, com o capitão J. Allason-Jones, do Tuscany, que tem 25 anos de serviço naquela companhia armadora britânica e tem feito freqüentes viagens na linha sul-americana. É um marinheiro bem experimentado e conceituado na Marinha Mercante do seu país, com uma folha de bons serviços em diversos mares.

Pesar do cmte. do Tuscany - Disse-nos ele que não desejava falar nenhuma palavra sobre a causa do desastre com o Lóide Chile, porquanto não lhe era lícito antecipar-se ao que tinha o inquérito de apurar. Todavia, cumpria-lhe dizer o quanto lamentava o ocorrido, principalmente por motivo de ter sido vítima do abalroamento um radiotelegrafista brasileiro e que se encontrava em seu posto de trabalho.

Logo que teve conhecimento da colisão do navio da Mala Real veio a Santos o sr. George E. Fox, representante geral da companhia no Brasil, e que ontem esteve assistindo a todas as providências que tinham de ser tomadas com relação ao caso. Também o sr. Fox declarou a este jornal o pesar que sentia pelo acontecido, frisando que a morte do radiotelegrafista Alberto Russo fora o mais doloroso da colisão.

De alto a baixo, a proa do Tuscany foi marcada

pelo impacto contra o costado do navio do Lóide Brasileiro

Foto e legenda publicadas com a matéria

Retirado o cadáver do telegrafista - O cadáver deste foi retirado, ontem, dos escombros da parte atingida a bordo do Lóide Chile. Tendo sido o corpo removido para o necrotério da Santa Casa, ali foi embalsamado para sepultura no Rio de Janeiro, conforme o desejo da esposa do morto, que se encontra na Inglaterra, e que telegrafou ao Lóide Brasileiro nesse sentido.

O Lóide Chile, depois de ter estado algum tempo fundeado no canal do porto, foi atracado ao cais do armazém n. 23, onde começou sua operação de descarga. Trouxe da Europa 3.700 toneladas de carga geral e cuja relação damos, à parte, nesta seção. Ao contrário do que se supunha, não há avaria nessa carga, salvo quanto a uma parte da do porão n. 3, onde a forte batida do Tuscany quebrou garrafas da partida de vinho italiano que aí se encontrava.

Até agora, pelo menos, foi o que se constatou.

Reparo dos navios - Para um exame das condições do Lóide Chile veio do RIo o comandante Osvaldo Rockert, superintendente técnico do Lóide Brasileiro. Interrogado, disse à A Tribuna que o navio abalroado levará cinco ou seis dias no trabalho de descarga.

Finda esta é que sofrerá aqui no porto os reparos de emergência, de modo a poder ser rebocado para o Rio, onde entrará para o dique de Mocanguê, onde passará pela obra definitiva.

Sobre as avarias, disse-nos que estas foram bem graves, demandando maior tempo de reparos. A proa do Tuscany penetrou até seis metros no interior do Lóide Chile. Foi por isso que atingiu a cabina de radiotelegrafista, que fica no plano longitudinal do navio, sob o passadiço.

Sobre a possibilidade do Tuscany sair do porto pelos próprios meios, o perito do Lloyd's, de Londres, estivera, ontem, a bordo, para depois apresentar o seu relatório.

Rombo à altura da linha d'água, no Lóide Chile,

vendo-se devassado um detalhe da casa de máquinas

Foto e legenda publicadas com a matéria

 *