Foi o Senado da cidade marítima de Bremen (Norte da Alemanha) a dar no dia 18 de fevereiro de 1857 a carta de autorização operacional para uma nova empresa de navegação baseada
naquele antigo porto da Liga Hanseática. Nascia assim uma das maiores companhias de transportes marítimos jamais existida; nascimento que resultou do amálgama de quatro outras sociedades e da férrea vontade do principal animador, Hermann Heinrich
Meier, e dos meios financeiros de Edward Crusemann, jovem banqueiro e comerciante de Berlim. Meier e Crusemann foram nomeados respectivamente presidente-administrador geral e gerente geral e, sob suas
tutelas, o NordDeutscher Lloyd (ou NDL, como ficaria conhecido) logo conheceu um primeiro vasto período de expansão, explorando duas linhas pioneiras: Bremen-Londres (viagem inaugural em outubro de 1857) e Bremen-Nova Iorque (junho de 1858).
A Guerra Franco-Prussiana de 1870, com grande demanda de tonelagem, deu ao NDL a oportunidade de consolidar sua existência e crescimento. No período de 1857 a 1874, a empresa tornou-se proprietária de nada menos do
que 34 navios, 26 dos quais haviam sido encomendados no espaço de oito anos, entre 1867 e 1874; em contrapartida, o ano de 1875 marcou o início de um período de crise, quando nada menos do que 19 navios foram imobilizados por falta de uso.
Nova linha - Procurando diversificar suas linhas, a NDL obteve nesse mesmo ano a concessão para uma nova ligação marítima entre Bremen, o Brasil e a Argentina, rota essa que vinha se somar a outras já
exploradas, como Bremen-Baltimore, Bremen-Nova Orleans, Bremen-Havana.
Para servi-la, foram encomendadas quatro novas unidades mistas ao estaleiro Earle, do porto de Hull (Inglaterra), navios que tinham mais de 3 mil toneladas de arqueação bruta e que receberam os nomes de
Hohenzollern, Hohenstauffen, Salier e Habsburg.
Foi o Hohenzollern a inaugurar o serviço para a América do Sul, zarpando de Bremen em março de 1876, seguido no mesmo ano pelo Salier e Habsburg. O quarto da série, o Hohenstauffen, só
seria empregado nessa linha a partir de 1881.
Para se dar uma idéia da importância que essa nova ligação assumiria para a NDL, basta dizer que entre 1876 e 1913 (ano do lançamento da classe Sierra) nada menos do que 42 navios (incluindo-se os quatro
mencionados) seriam utilizados em diversos arcos de tempo, transportando milhões de toneladas de carga e dezenas de milhares de passageiros.
Demanda - Quando em 1912 a NDL decidiu a construção de um novo quarteto de navios mistos, o transporte de passageiros e emigrantes entre a Europa e a América do Sul encontrava-se no ápice e a tonelagem
existente não fazia face à enorme demanda.
Os números falam por si só: entre 1912 e 1913, nada menos do que 1,5 milhão de italianos deixaram a península com destino à América do Norte, do Sul e Austrália. Deste total, mais de 40% (ou 600 mil) destinavam-se
ao Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. Isto sem contar o número de europeus de outras nacionalidades que faziam o mesmo: emigrar.
O novo quarteto de unidades destinadas à Rota de Ouro e Prata foi encomendado a dois estaleiros alemães bem conhecidos: A.G.Vulkan, do porto de Stettin (duas unidades) e Bremer Vulkan, de Vegesack (as outras duas),
os primeiros recebendo os nomes de Sierra Nevada e Sierra Cordoba e os dois últimos Sierra Ventana e Sierra Salvada.
O ex-Sierra Salvada, visto com o nome de Neptunia, da Sitmar
Primeira guerra - A viagem inaugural do Sierra Salvada iniciou-se em 1º de março de 1913, em Bremen, com destino a Buenos Aires, escalando em Antuérpia, Vigo, Lisboa, Canárias, Bahia, Rio de Janeiro,
Santos e Montevidéu.
O Sierra Salvada deveria ter zarpado de Santos no dia 9 de agosto de 1914, com destino a Bremen, via portos do Rio de Janeiro, Madeira, Lisboa, Vigo e Boulogne sur Mer. O início do primeiro conflito mundial,
em 1914, o surpreendeu no porto do Rio de Janeiro, onde foi decidida a sua internação pelos responsáveis da NDL e as autoridades diplomáticas alemãs no Brasil.
Nesta condição de internado, o transatlântico permaneceria até junho de 1917, quando o governo brasileiro ordenou a tomada de 45 navios alemães que haviam se refugiado em portos brasileiros no início da guerra.
Destes 45 navios, 34 foram transferidos para o patrimônio da companhia de navegação estatal Lloyd Brasileiro entre 1922 e 1927. Entre 1917 e 1922, os 45 navios apresados pertenciam
nominalmente ao Estado brasileiro, mas eram administrados pelo Lloyd Brasileiro e, dentro dessa nova circunstância, o Sierra Salvada foi rebatizado Avaré.
São pouco conhecidos os usos operacionais do Avaré entre 1917 e 1922. Nos últimos meses da guerra, teria sido empregado em comboios no Atlântico Norte sob o comando operacional das forças navais francesas.
Findo o conflito, o Avaré passou a realizar viagens comerciais entre o Brasil e o Norte da Europa, por conta do Lloyd Brasileiro. Em 1922, foi colocado em doca seca, para reparos e manutenção, do estaleiro
que o havia construído em Vegesack, perto de Hamburgo.
Afundou - No dia 17 de junho, ao sair da doca seca, o Avaré rolou sobre si mesmo e afundou nas águas pouco profundas, próximas à doca de onde saíra. Recuperado e reflutuado, foi posto em reparos no
mesmo estaleiro.
No entretempo, o governo brasileiro havia decido se desfazer do navio, e assim, foi vendido, em 1923, para a empresa Victor Schuppe, de Berlim, que o transformou em navio-cruzeiro costeiro, com o novo nome de
Peer Gynt, pintando seu casco de branco, alterando algumas estruturas internas e dando-lhe uma segunda chaminé (postiça).
Com esse nome e atividade, o ex-Sierra Salvada permaneceu até 1926, ano em que foi vendido à companhia italiana Sitmar e rebatizado Neptunia, sendo brevemente utilizado no Mediterrâneo, pintado de
casco preto e chaminés azuis com estrelas brancas.
No ano seguinte, novo câmbio de proprietário e de rumos. Desta vez, transforma-se no Oceana, de bandeira alemã, pertencente à Hapag, e destinado a realizar cruzeiros turísticos no Mediterrâneo. Nova veste:
casco preto, chaminés douradas com topo branco, preto e vermelho.
Segunda guerra - Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, foi transformado em navio-auxiliar a serviço da Marinha alemã e assim permaneceu até junho de 1945, quando, com a derrota da Alemanha, passou a serviço
da Marinha Real britânica, com o nome de Empire Tarne.
É no ano seguinte que a sexta e última mudança de nome ocorre: é entregue, como reparação de guerra, às autoridades da União Soviética, que o rebatizam com o nome de Sibir e o empregam, sobretudo, em viagens
na costa soviética do Pacífico Norte.
Em 1963, com a respeitável idade de 50 anos de existência, o Sibir, ex-Sierra Salvada, ex-Avaré, ex-Peer Gynt, ex-Neptunia, ex-Oceana, ex-Empire Tarne, chega ao fim
pelas mãos dos demolidores de navios no porto de Vladivostock. |