Logo após o término do primeiro conflito mundial, em 1918, a armadora italiana Lloyd Sabaudo decidiu servir o tráfego de emigrantes que se dirigiam para
a Austrália. Este novo destino seria servido com saídas de Gênova e escalas em Nápoles (Itália), Port Said, Suez (Egito), Áden (Iêmen do Sul), Colombo (Sri Lanka), Freemantle, Melbourne, Sydney e Brisbane (Austrália).
Para tanto, adquiriu na Inglaterra quatro cargueiros de construção padrão, dos quais o Carignano (ex-War Pidgeon) e o Moncalieri (ex-War Linnet) foram transformados em navios de emigrantes,
dotados de instalações simples e rudimentares, apropriadas ao tráfego da emigração em massa, e com capacidade para somente 280 passageiros.
A partir dos últimos meses de 1919, os dois navios entraram em serviço na linha australiana, ali permanecendo até 1923, quando, com o incremento do tráfego, foi porém necessário substituí-los por vapores mais
velozes e confortáveis.
O Principessa Maria, navegando à esquerda na foto, deixando Santos nos anos 1930,
era semelhante ao Principessa Giovanna
Encomendas - Feitos os devidos estudos, e acertado o plano financeiro, o Lloyd Sabaudo passou ordens, no início de 1920, ao estaleiro Tosi, do porto de Taranto, para a construção de duas unidades de 8.500
toneladas, com capacidade mista para cargas e passageiros.
Em abril de 1922, foi entregue a primeira unidade, o Principessa Giovanna, e em julho do ano seguinte a segunda, que recebeu o nome de Principessa Maria. Os dois, de características e desenho
semelhantes, tinham capacidade de acomodação para 400 emigrantes e instalações que, se bem que confortáveis e novas, nada tinham de especial, a não ser sob o aspecto de funcionalidade.
Estes vapores possuíam três conveses contínuos e cinco porões destinados a cargas refrigeradas. Nove divisões transversais separavam os diversos espaços. Na superestrutura havia um convés destinado aos salões e,
logo acima deste, a ponte de alojamento dos oficiais de bordo, os botes salva-vidas e a cabina de comando.
Suas linhas externas eram, portanto, as mais simples possíveis, mas, no geral, estes dois navios gêmeos tinham um desenho bem balanceado e agradável à vista, com sua chaminé centralizada e seu casco preto com o
bordo superior branco. Respectivamente em agosto e novembro de 1923, realizaram suas viagens inaugurais entre Gênova e Sydney, com os comandantes Turchi e Gotelli.
Reformas - Entre março e agosto de 1926, o Principessa Giovanna e o Principessa Maria foram retirados da linha australiana e entregues ao estaleiro Bacini & Scali, de Nápoles, para serem
reformados. Tal reforma visava instalar acomodações para passageiros de classe no convés superior e diminuir a capacidade de carga. Ambos receberam também uma segunda chaminé, que só tinha finalidade estética, não estando coligada ao sistema de
propulsão turbinado.
Em setembro, o Principessa Maria retornou a navegar, sendo seguido em novembro do mesmo ano pelo Principessa Giovanna. Voltaram ao serviço na linha da costa Leste da América do Sul, não mais para a
Austrália, substituindo os vapores mais antigos, Tomaso di Savoia e Principe di Udine.
Nesse ano de 1926, o Lloyd Sabaudo registrou a realização de 50 viagens redondas de seus navios na Rota de Ouro e Prata, viagens estas que representaram o transporte de 33 mil passageiros.
O único acidente da longa carreira do Principessa Giovanna aconteceu no ano seguinte à sua entrada em serviço na linha sul-americana, quando, no porto de Gênova, colidiu com o vapor inglês Runo,
pertencente à Wilson Line, sofrendo - o último mencionado - sérias avarias.
No início da década de 30, a frota do Lloyd Sabaudo havia sido reduzida a tão somente oito unidades: na linha norte-americana operavam o Conte Biancamano e o Conte Grande; na linha sul-americana, o
Conte Rosso e o Conte Verde, além do Principessa Giovanna e do Principessa Maria; na linha australiana, os velhos cargueiros mencionados, Carignano e Moncalieri.
O Principessa Giovanna com as cores originais do Lloyd Sabaudo nos anos 20
Foto: cartão postal de J.C. Rossini, publicado com a matéria
Grande Depressão - O ano de 1930 marcou o início da crise econômica mundial que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova Iorque. Nesse mesmo ano, o Lloyd Sabaudo transportou 89 mil passageiros no Atlântico, dos
quais um pouco mais que a metade na linha para os Estados Unidos e o restante para o Brasil e o Prata.
Foi por ocasião das festas de fim de ano que o Conte Grande, então o navio-almirante da frota do Lloyd Sabaudo, realizou, a partir de Nova Iorque, um cruzeiro de luxo para as Antilhas e o Caribe, com 400
passageiros de primeira classe a bordo.
Algumas semanas antes da realização deste cruzeiro, a armadora recebia confirmação dos estaleiros de San Marco em Trieste (Itália) de que os trabalhos na quilha do novo transatlântico, o Conte di Savona,
haviam começado. Esta nova unidade havia sido ordenada em dezembro de 1929 e sua construção era destinada a bater todos os recordes até então, em termos de engenharia naval italiana: 50 mil toneladas e 27 nós (50 quilômetros horários) de
velocidade!
Com a fusão das três principais empresas de navegação italianas, em 1932, as cores amarela, branca e azul desapareceram das chaminés dos navios do Lloyd Sabaudo, assim como o nome dessa armadora de prestígio
internacional.
Reintegradas na semi-estatal Italia Flotte Riunite, as três grandes armadoras da península (NGI, Cosulich e Lloyd Sabaudo) tiveram todos os
seus navios pintados com a nova chaminé branca com topo vermelho e banda verde.
Assim foi também com o Principessa Giovanna. Logo após a fusão, com as novas cores e seu casco pintado de branco, o transatlântico voltou a servir a Rota de Ouro e Prata até 1940, com apenas uma interrupção
- quando, em 1935, foi usado como transporte de tropas, por alguns meses, durante a Campanha da Abissínia.
Sua utilização durante o período bélico, entre 1940 e 1943, foi bastante obscura. A única certeza é de que o navio permaneceu em águas territoriais italianas.
Armistício - O destino do Principessa Giovanna mudou com a assinatura do armistício entre a Itália e os países aliados, em 8 de setembro de 1943. O transatlântico foi então entregue às autoridades
britânicas e convertido em navio-hospital, função que guardou até 1946, operando no Mediterrâneo.
Naquele ano, retornou a Gênova para ser novamente reformado como navio de passageiros. Em janeiro do ano seguinte, de casco todo branco e com as cores da Itália, retornou ao serviço comercial, reinaugurando a linha
para a América do Sul no período pós-bélico. Levava pintado à proa seu novo nome: San Giorgio. Proclamada a República Italiana, e abolidos todos os privilégios monárquicos, o nome original de sangue real não podia mais ser aceito!
Durante mais de cinco anos, o San Giorgio singrou as águas da Rota de Ouro e Prata, até que, em 1952, foi vendido ao Lloyd Triestino, outra grande armadora italiana, que o transferiu, conservando o mesmo
nome, para a linha da Austrália.
Foi assim que, decorridos 30 anos de sua viagem inaugural, o San Giorgio, ex-Principessa Giovanna, voltou ao caminho de Suez, do Oceano Índico e dos portos australianos. Seria o retorno às origens
antes do eclipse final, pois, no ano seguinte, o transatlântico desapareceria embaixo do acetileno demolidor no porto de Savona.
O transatlântico italiano Principessa Maria navegando pelo estuário do porto de Santos. Fazia par com o Principessa Giovanna, sendo ambos
construídos para o Lloyd Sabaudo
Imagem: acervo do cartofilista e despachante aduaneiro Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 30/11/2014 |