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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Milton

1888-1911

A carreira da embarcação da Lamport & Holt começou em 1888 e terminou em junho de 1911

David, William, Thomas e John Henderson foram quatro irmãos nascidos em Glasgow (Escócia) em meados do século XIX. Tal fato, banal por si, os destinavam, porém, a consagrar, uma vez adultos, as suas vidas aos navios.

Glasgow, naqueles idos, era incontestavelmente a capital mundial da indústria da construção e engenharia marítima na era do vapor e do ferro e aço e o destino dos quatro jovens ficou intimamente ligado a esta realidade econômica.

O Rio Clyde, do centro dessa cidade até Gourock, na embocadura do chamado Firth of Clyde, foi (nessa sua extensão de 40 quilômetros) um verdadeiro berço para o nascimento de milhares de vapores oceânicos ou costeiros desde os primórdios do século passado até a Segunda Guerra Mundial.

Concentração - Ao longo das suas duas margens, foi criada, pelo espírito empreendedor dos escoceses e outros súditos britânicos, a maior concentração, até hoje vista, de estaleiros, oficinas navais, ateliês de ferramentas, docas, rampas de construção, serrarias, carpintarias e mil e uma fábricas de todos os tipos e tamanhos e para todos os materiais possíveis.

Calcula-se que num período de 100 anos, de 1850 a 1950, foram construídos, nas margens do Clyde, cerca de 25 mil navios ou embarcações acima de 500 toneladas de arqueação bruta (tab).

Por volta de 1880, já existiam na região do Clyde cerca de 80 firmas de construção naval, as quais eram proprietárias de uma centena de estaleiros, que possuíam, por sua vez, três ou quatro rampas de construção de média e grande capacidade.

Ao todo, esses estaleiros e seus sub-contratados davam emprego a 100 mil homens ou mulheres, milhares eram os operários, técnicos, engenheiros e simples braçais empregados na indústria da construção e reparos de navios.

Nas localidades próximas a Glasgow - pequenos aglomerados que levavam nomes tornados famosos, como Govan, Scotstoun, Clydebank, Port Glasgow, Renfrew, Paisley e Greenock - a atividade humana parecia-se com um formigueiro, onde se trabalhava 24 horas por dia, inverno ou verão.

O Milton media 95 metros de comprimento, tinha 12 de boca (largura) e velocidade de 20 km/h

Foto publicada com a matéria

Armadora - Em 1883, os irmãos David e William já haviam comprado um dos tantos estaleiros da região, o de Meadowside. Os outros dois irmãos haviam, por seu lado, constituído uma empresa armatorial, a Henderson Brothers.

Thomas e John tornaram-se, pouco mais tarde, homens respeitados no mundo dos negócios, proprietários que se tornaram da famosa armadora Anchor Line.

Desse modo e muito naturalmente, as duas empresas colaboraram estreitamente, a D&W Henderson Shipbuilding construindo para a Anchor Line nada menos do que 32 vapores transatlânticos no período entre 1876 e 1911, num bom exemplo de colaboração fraternal.

Para a América do Sul - Mas existiam também outros clientes e entre estes encontramos a armadora Lamport & Holt (L&H), de Liverpool, que, como bem sabemos, se especializava na ligação marítima entre o Reino Unido e a América do Sul.

A partir de 1887, a L&H começou a dar ordens de construção de alguns de seus futuros vapores ao Estaleiro Meadowside, dos irmãos D. & W. Henderson.

O primeiro desses vapores encomendados foi justamente o Milton. Entre a entrega deste e a do Hogarth em 1921, o D&W Henderson construiu um total de 19 navios para a L&H, todos eles utilizados na Rota de Ouro e Prata.

Por uma coincidência do destino, quatro desses 19 terminaram as suas carreiras interceptados e afundados por navios corsários alemães no primeiro ou no segundo conflito mundial.

 

Em 100 anos foram construídos 25 mil navios ou embarcações

 

Simplicidade - O Milton não foi um navio muito expressivo. Simples cargueiro misto (de cargas e passageiros), de construção robusta, mas modesta, possuía pequeno castelo central com um só deck (convés), quatro enormes porões de cargas, os quais, nas viagens em sentido Sul, ou seja, para o continente sulamericano, eram transformados em alojamentos para emigrantes ibéricos.

O número destes variava de um mínimo de 50 até um máximo de 400 indivíduos, mas muitas viagens foram realizadas somente com carga a bordo, sem passageiros.

A viagem inaugural do Milton aconteceu em outubro de 1888, quando zarpou de Liverpool para Buenos Aires, via escalas intermediárias. Logo nessa primeira viagem, ao navegar no Rio da Prata, acontece uma colisão com o Archimedes, antigo vapor também pertencente à Lamport & Holt. Este último sofre sérias avarias no casco e fica inativo por vários meses.

Avarias ligeiras - O Milton sofre, porém, apenas alguns arranhões de menor importância e prossegue viagem.

Ao longo de 22 anos, o Milton serviu, sem interrupção maior, a rota sul-americana do Atlântico, escalando, no anonimato da rotina, centenas de vezes no Porto de Santos.

Em uma ocasião, em 1905, sofreu um problema grave, tendo a máquina paralisada no meio do Atlântico.

Fato incomum - Eixos quebrados são ocorrências raras em navios, mas quando tal coisa se produz, isto é bem mais grave para aqueles que possuem somente um hélice, ao invés de dois.

Quando uma biela de pistão da máquina propulsora quebra, o assunto é bem sério, pois se o conserto não for bem executado e a biela quebrar novamente, pode ocorrer que o pistão se solte do eixo, o que provocará fatalmente a quebra da máquina.

O chefe de máquinas do transatlântico britânico Athena conseguiu, em outubro de 1900, realizar, em pleno mar e pela primeira vez na história da navegação a vapor, o conserto de uma biela de pistão e o seu encaixe no eixo do hélice.

Cinco anos mais tarde, o mesmo aconteceu a bordo do Milton durante a travessia oceânica no sentido Sul-Norte, o que obrigou a intervenção dos homens da máquina.

O reparo permitiu que o vapor continuasse viagem por seus próprios meios à velocidade de apenas cinco nós (9,2 quilômetros horários), até alcançar o porto de escala de Lisboa.

Episódio duplo - Em outubro de 1908, o Milton foi protagonista indireto de um curioso duplo episódio. No dia 16 desse mês entrava em Santos, procedente de Middlesborough e escalas, após 28 dias de viagem.

No mesmo dia, o agente da Lamport & Holt no porto santista, a F. S. Hampshire, declarava à praça que parte da carga do vapor havia sido considerada "avaria grossa".

Naquela noite, o Velasquez, de propriedade da armadora, chocava-se contra as pedras da localidade de Bustamante, situada na costa Sul da ilha de São Sebastião. O alarme do desastre foi dado na manhã seguinte.

 

A capacidade máxima do navio era de 400 passageiros em classe única

 

Partir para ajudar - O Milton, que se encontrava então atracado no cais do Armazém 2 da Companhia Docas de Santos, em descarga, de bordo, das mercadorias avariadas, recebeu ordens de aparelhar, levando, para o local do sinistro do Velasquez, socorro e auxílio.

Embarcaram no Milton o ajudante do capitão dos portos, o patrão-mor, diversos homens da Guardamoria de Santos, o agente responsável da F. S. Hampshire que representava a armadora, pessoal da Alfândega, um piloto-prático de Santos e vários homens da estiva, destinados aos trabalhos braçais.

O Milton saiu de Santos às 16 horas do dia 17, alcançando o lugar do encalhe do Velasquez por volta das 23 horas. Na manhã seguinte iniciou-se o transbordo de passageiros e malas deste último para o primeiro navio e às 19 horas o Milton iniciou o seu retorno a Santos, onde aportou na madrugada seguinte.

Como sabemos, subseqüentemente o Velasquez foi considerado como perda total.

A frota da Lamport & Holt

  Entrega Navio Destino Ano do fim
01 1888 Milton Perdido por encalhe 1911
02 1895 Horace Afundado pelo Moewe 1916
03 1895 Canova Torpedeado 1912
04 1895 Cervantes Afundado pelo Karlsruhe 1914
05 1895 Juanita Desmontado ?
06 1896 Canning Desmontado 1925
07 1896 Virgil Desmontado 1924
08 1898 Raphael Desmontado 1930
09 1899 Rembrandt Desmontado 1922
10 1900 Raeburn Desmontado 1931
11 1900 Rossetti Desmontado 1929
12 1902 Terence Torpedeado 1917
13 1907 Voltaire Afundado pelo Moewe 1916
14 1914 Herschel Desmontado 1934
15 1915 Holbein Desmontado 1935
16 1919 Balfe Desmontado 1941
17 1920 Balzac Afundado pelo Atlantis 1941
18 1920 Lalande Desmontado 1959
19 1921 Hogarth Desmontado 1933

Observação:

Navios construídos no Estaleiro D&W. Henderson (Glasgow) por ordem da Lamport & Holt

Encalhe - O Milton continuaria a percorrer a Rota de Ouro e Prata até junho de 1911, quando, por irônica sorte, foi encalhar nas proximidades do Cabo Espichel, ao Sul de Lisboa.

Transitava então de Londres a Santos, com cargas diversas, e se aprestava (aprontava) a entrar no Porto de Setúbal, quando, na ocasião e em razão de forte nevoeiro reinante na área, desviou-se do rumo certo e foi dar às pedras da costa portuguesa.

As tentativas de safa-lo foram inúteis e o navio, dado como perdido, foi abandonado aos elementos.

Milton:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Lamport & Holt
País construtor: Escócia
Estaleiro construtor: Meadowside
Ano da viagem inaugural: 1888
Comprimento: 95 m
Boca (largura): 12 m
Velocidade média: 11 nós (20 km/hora)
Passageiros: 400

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 30/6/1996