Em meados de 1916, os governos da Holanda e da Alemanha concluíram um acordo secreto pelo qual este último país cederia ao primeiro a propriedade de dois navios de passageiros
que se encontravam em fase de construção em dois diferentes estaleiros germânicos. Este acordo de cessão fazia parte de uma negociação mais ampla entre os dois países, relativa a diversas compensações,
por fatos de guerra, de perdas marítimas holandesas e, principalmente, ao afundamento do transatlântico Tubantia, ocorrido em 1916, quando a Holanda era país neutro no então existente conflito europeu.
Os dois navios cedidos pelo acordo haviam sido encomendados, no decorrer de 1913, pela Hamburg-Amerika Linie (Hapag), que pretendia utilizá-los no serviço de linha para a costa Leste da América do Sul.
Foram lançados ao mar poucas semanas antes do início da Primeira Guerra Mundial e receberam os batismos de William O'swald e Johann Heinrick Burckhard, nomes com os quais, porém, nunca chegaram a
navegar.
O Limburgia nos primeiros meses de navegação (1920-21)
Imagem do livro Photografias & Fotografias do Porto de Santos
Trabalhos parados - A declaração do estado de beligerância entre a Alemanha e as nações aliadas, em agosto de 1914, forçaria a interrupção dos trabalhos de construção desse par de navios da Hapag, que
permaneceram, durante todo o transcorrer do conflito, em estado de semiacabamento, nos estaleiros que os construíam.
Terminada a guerra, em novembro de 1918, as autoridades holandesas aplicaram o acordo de 1916 e reclamaram para a Holanda a posse do par.
Foram assim ambos cedidos à propriedade do Lloyd Real Holandês (KHL), que se encarregou de encomendar os trabalhos de aprestamento e conclusão dos mesmos aos dois estaleiros construtores.
No entretempo, a Comissão de Reparações de Guerra (órgão supranacional vinculado às nações aliadas e encarregado de estabelecer as cláusulas de compensação coligadas ao Tratado de Versalhes) não reconheceu
oficialmente o acordo germano-holandês de 1916, solicitando ao governo da Holanda a devolução do título de propriedade das duas unidades de passageiros.
Tal argumentação, no entanto, não foi acolhida, criando-se assim um impasse jurídico, mas tal situação não impediu que a armadora KHL viesse a tomar posse, em princípio de 1920, dos dois transatlânticos.
Rebatizados com os novos nomes de Brabantia (ex-William O'swald) e Limburgia (ex-Johann Heinrich Burckhard), os navios foram oficialmente entregues respectivamente em julho e fevereiro
de 1920, o primeiro pelo estaleiro A.G.Weser, de Bremen, e o segundo pelo Tecklenborg, do porto de Geestmünde.
Embora tivessem sido construídos em estaleiros diferentes, o Brabantia e o Limburgia eram navios similares, praticamente gêmeos. As únicas diferenças visuais externas eram as chaminés (redondas no
primeiro e ovaladas no segundo) e a existência de um pequeno convés fechado na extremidade frontal da ponte dos botes salva-vidas do Limburgia.
Desenho - De desenho imponente, os dois transatlânticos possuíam três chaminés largamente espaçadas no topo da superestrutura, a posterior só tendo finalidade decorativa.
Sete no total era o número dos decks (conveses), três na superestrutura central e quatro a nível do casco. Ele tinha três porões e dez divisórias transversais. O maquinário de propulsão destes navios era
composto de duas máquinas de xpansão tríplice de quatro cilindros cada uma e 12 bocas de caldeiras.
Cada máquina produzia cerca de 8 mil cavalos-vapor de potência para uma velocidade máxima de 17 nós (31,5 quilômetros horários), acarretando um consumo total de 200 toneladas de óleo combustível por dia.
Dotados de três hélices, dois mastros e duas dúzias de botes baleeiras de salvamento, os dois navios podiam acomodar quase 2 mil passageiros cada um, em quatro classes diferentes.
Os maiores - Tomando-se em conta qualquer referencial técnico, o Brabantia e o Limburgia constituíam-se nos maiores transatlânticos a servir a Rota de Ouro e Prata até então, suas duas
primeiras classes oferecendo um tratamento de nível superior até então jamais visto nesta rota.
A entrada de ambos em serviço de linha para a costa Leste da América do Sul aconteceu em 1920. O primeiro a zarpar de Amsterdã para Buenos Aires via portos intermediários foi o Limburgia, em 19 de maio,
seguido em 1º de setembro pelo Brabantia, este último sob o comando do capitão I. Maas.
Fato curioso a se registrar é o de que, apesar da guerra terminada há muito tempo, os dois transatlânticos levavam, em suas viagens inaugurais, grandes letras brancas pintadas em ambos os bordos com seus nomes e
porto de registro indicados.
Tal iniciativa da KHL constituía medida de precaução contra possíveis mal entendidos com quaisquer unidades navais aliadas, visto que a silhueta dos transatlânticos denotava, sem qualquer dúvida, as origens
germânicas. Diga-se de passagem que tais inscrições foram retiradas a partir de 1921.
O Limburgia, sob o comando do capitão J.M. Kolkman, saiu em 19 de mao de 1920, em viagem inaugura, de Amsterdã, via Boulogne-sur-mer, Vigo, Lisboa, Las Palmas, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Santos e
Montevidéu, para Buenos Aires.
Escalou em Santos no dia 6 de junho, atracando ao cais do Armazém 7. Após sua ida ao Rio da Prata, o Limburgia escalou novamente no porto em 22 de junho e em 23 no Rio de Janeiro. Em meados do mês seguinte,
retornou a Amsterdã, o que significou uma viagem redonda realizada em oito semanas!
Primeiro encontro - Ao zarpar de Amsterdã para o início de sua segunda viagem sul-americana, o Limburgia cruzou pela primeira vez com o Brabantia. Tal fato aconteceu no dia 28 de julho, na
entrada do canal que liga Amsterdã com o Mar do Norte, próximo à eclusa de Ijmuiden, e ficou para sempre registrado em uma fotografia hoje famosa.
A dupla de transatlânticos permaneceu poucos meses na linha sul-americana: 15 para o Brabantia e pouco mais de 18 para o Limburgia. Em janeiro de 1922, concluíram-se para ambos as derradeiras viagens
na Rota de Ouro e Prata, já que a KHL vinha operando-os em regime deficitário.
Para aquela época, eram navios de capacidade muito superior ao volume do tráfego de passageiros, sobretudo na primeira e segunda classes, e em nenhuma viagem chegaram a estar completos.
Negociação - Foram, assim, negociados e vendidos à United American Lines, empresa norte-americana formada em sociedade pela Hapag e pelo Grupo Harriman. Receberam novos nomes e novas cores de chaminé. O
Brabantia se tornou o Resolute e o Limburgia recebeu o nome de Reliance, entrando em serviço na linha Hamburgo-Southampton-Nova Iorque e vice-versa, respectivamente em abril e maio de 1922, linha na qual também servia o
Cleveland.
Haviam sido precedentemente reformados em suas instalações internas, podendo acomodar mil passageiros em tão somente três classes principais.
Em 1926, a United American foi dissolvida e a Hapag adquiriu da outra parte a propriedade dos dois transatlânticos, sem, porém, modificar seus nomes ou os seus empregos. Mudaram, no entanto, as cores das chaminés,
que receberam três faixas horizontais: preta, branca e vermelha.
Após nove anos de serviço no Atlântico Norte para a Hapag, o Resolute foi vendido para o governo italiano, que se encontrava empenhado então numa campanha militar na Abissínia.
Rebatizado Lombardia, o transatlântico foi rapidamente transformado em navio-transporte de tropas e nessa condição assim utilizado até agosto de 1943, ano de sua destruição, no porto de Nápoles, após um
violento ataque aéreo por aviões aliados.
O fim do Reliance aconteceria bem antes e seria menos prosaico. No dia 7 de agosto de 1938, o transatlântico, que se encontrava no porto de Hamburgo, foi vítima de um incêndio, que não pôde ser dominado e
cujas causas nunca foram esclarecidas Completamente destruído pelas chamas, o navio, restos do ex-Limbujrgia, seria vendido para ferro-velho e seu casco demolido em Bremerhaven no decorrer de 1941. |