Paralelamente ao desenvolvimento industrial do Ocidente, a partir da metade do século XIX, a frota mercante mundial registrou um formidável incremento em tonelagem.
Levando-se em conta somente os navios acima de 1.000 toneladas de registro de arqueação bruta, os números totais são eloquentes: 13,5 milhões de toneladas em 1860, 28 milhões em 1900, 49 milhões em 1914 e 58
milhões em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Na hierarquia das dez maiores marinhas mercantes em 1939, figuravam nações que não correspondiam, a priori, nem ao número de seus habitantes, nem a seu potencial industrial, como, por exemplo, a Noruega, a
Holanda e a Grécia.
Estes países vinham atrás, na gradação, da Grã-Bretaha, Estados Unidos, Alemanha e Itália e precediam a França e o Japão.
A França era uma nação onde "não se encontra o instinto marítimo espontâneo", tal como o disse o seu almirante Castex, pouco antes do início do conflito.
Foi, no entanto, suficiente a paralisação das comunicações marítimas entre o hexágono francês e o resto do mundo, a partir de 1940, para que aparecesse na nação um despertar de interesse em relação à sua marinha
mercante.
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"A França não tinha o instinto marítimo espontâneo"
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Em setembro de 1939, batiam pavilhão francês cerca de 670 navios, representando 2 milhões 700 mil toneladas brutas, excluindo-se pesqueiros, pequenos cargueiros de cabotagem (navegação doméstica), rebocadores e
outros.
A distribuição dessa tonelagem era de 146 transatlânticos de passageiros ou mistos - de cargas e turistas - (igual a 1 milhão 150 mil toneladas), sete petroleiros (320 mil toneladas) e 452 cargueiros (1 milhão 240
mil toneladas).
Cinco anos passados, graças aos esforços de reconstrução e de compensações de guerra, estes números alcançavam praticamente o nível de setembro de 1939.
De fato, em maio de 1949 eram, sempre na mesma ordem, de 72 transatlânticos (570 mil t), 75 petroleiros (500 mil t) e 462 cargueiros (1 milhão 450 mil t), portanto dando um total de 609 navios, representando 2,5
milhões de toneladas.
Nessa época (1949), mais importante ainda era o número de novas construções já encomendadas: 23 navios de passageiros (270 mil t), 18 petroleiros (140 mil t) e 103 cargueiros (400 mil t).
Tendo entrado em guerra com uma frota envelhecida e reduzida, a França terminou o conflito com uma frota praticamente aniquilada.
Entre os armadores franceses, a Chargeurs Reunis (CR) fora uma das empresas a sofrer mais as conseqüências do conflito.
A sua frota praticamente reduziu-se à metade e, dos seus navios de passageiros de antes da guerra na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina), só sobraram (e em mau estado) o Formose, o Desiderade,
o Groux e o Jamaique, todos com mais de 35 anos de existência!
Haviam sido perdidos o Hoedic, o Aurigny, o Lipari e o Belle Isle, enquanto o Kerguelen (ex-Meduana), também este com construção datando do início dos anos 1920, voltava à
CR em 1948, depois de ter servido a Marinha de Guerra alemã entre 1940 e 1946.
Além dos navios já mencionados que serviram na Rota de Ouro e Prata, a CR perdeu o Baoule e o Brazza antes do Armistício de 1940, afundados ambos por submarinos alemães.
Após a criação do governo de Vichy, foram apresados outros cinco vapores da CR pelas autoridades britânicas e três foram requisitados pelos alemães.
Assim, de 36 vapores que eram seus em setembro de 1939, a CR só possuía 17 em 1946, todos eles em péssimas condições.
O Lavoisier no início de sua carreira no mar
Foto: cartão postal da coleção do autor
Terminadas as hostilidades, o governo francês, entre mil outros problemas, deu prioridade a um plano de reconstrução da indústria naval do País e de sua frota mercante.
Foram alocados generosos subsídios para os estaleiros e para as armadoras, o que não deixou naturalmente de fazer seus efeitos.
A CR rapidamente adaptou-se a este plano governamental, dando, em fins de 1945, ordem ao Ateliers & Chantiers de La Loire, do Porto de Saint Nazaire, para a construção de um par de navios mistos de capacidade
próxima a 12 mil toneladas de arqueação bruta e 330 passageiros.
O resultado apareceu somente quase três anos depois, pois na época os estaleiros eram obrigados a trabalhar em lento regime, devido à enorme escassez de quase tudo.
Em 30 e 31 de outubro de 1948, foram lançados ao mar respectivamente o Lavoisier e o Claude Bernard. Os nomes desses transatlânticos foram escolhidos em homenagem a esses dois grandes cientistas
franceses. O primeiro, químico e um dos criadores da Química moderna, descobridor da composição do ar e da água e morto - executado - em Paris em 1794. O segundo, fisiologista de renome e autor, em 1865, de uma renomada obra literária, onde se
estabeleciam os princípios fundamentais da pesquisa científica; falecido em 1878.
Este par de transatlânticos havia sido concebido com parâmetros e desenhos decididamente modernos. Eram esguios, de linhas extremamente funcionais, dotados de muitas amenidades: as cabinas de primeira classe eram
todas com banheiro incorporado e as de terceira classe, com toaletes individuais, três salões de restaurantes com ar condicionado e terraços externos, uma piscina com água quente e diversos salões decorados em estilo contemporâneo.
O Lavoisier e o Claude Bernard foram os primeiros transatlânticos verdadeiramente modernos da geração pós-guerra a entrarem em serviço na Rota de Ouro e Prata.
Além das instalações de grande conforto para passageiros de duas classes distintas, cada um deles possuía seis porões de carga, alguns refrigerados, para o transporte de perecíveis.
O Claude Bernard foi o primeiro a zarpar para a América do Sul, em março de 1950, seguido, seis meses depois, pelo Lavoisier, que, em 19 de setembro daquele ano, saiu de Le Havre (França) para Buenos
Aires (Argentina), via Vigo, Lisboa, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu (Uruguai).
Posteriormente, no decorrer de 1951, foram incluídas, na linha do par, as escalas de Hamburgo (Alemanha), Antuérpia (Bélgica), Leixões (Portugal) e Madeira (Oceano Atlântico).
No ano seguinte, com a entrada em serviço de três outros transatlânticos com as mesmas características da classe Lavoisier (o Laennec, o Charles Tellier e o Louis Lumiere, de propriedade
da Sud Atlantique), formou-se um pool (acordo) entre a Chargeurs Reunis e a Sud Atlantique, oferecendo saídas quinzenais de qualquer um desses portos de escala, numa rotação operacional, de cada navio, de cerca de oito
semanas.
Esse quinteto de navios tornou-se extremamente popular na rota, tendo os cinco escalado centenas de vezes em Santos.
O Lavoisier permaneceu servindo esta linha sul-americana até meados de 1961, quando foi vendido a uma armadora italiana de Palermo, a Commerciale Maritima Petroli, e transformado em navio de cruzeiro, com o
nome de Riviera Prima.
Foi então objeto de uma reforma total, com modificações ex-novo em suas estruturas de acomodação e vida social de bordo, passando a ter capacidade para 600 passageiros em primeira classe exclusiva e nova
tonelagem, de 12.812 toneladas.
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"A CR foi a que mais sofreu os efeitos da 2ª Guerra"
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A partir de novembro de 1962, iniciaram-se os cruzeiros de luxo, com saídas de Nova Iorque para Nassau (cruzeiros de fim de semana) ou para o Caribe (cruzeiros de 15 dias).
O seu novo emprego foi, no entanto, de curta duração, pois em outubro de 1964 foi revendido ao armador norueguês Berge Sival, de Oslo, que modificou o seu nome para Viking Princess e o utilizou em cruzeiros
para o Caribe, com saídas alternativas de vários portos da costa Leste dos Estados Unidos.
Por ocasião de uma dessas viagens, o Viking Princess saiu de Miami, Flórida (Estados Unidos) para seu destino final. No dia 8 de abril de 1966, foi vítima de um violento incêndio, que eclodiu na sala de
máquinas, e que rapidamente se propagou pelo resto do navio. Encontrava-se então a cerca de 57 milhas (105 quilômetros) a Sudeste da Baía de Guantanamo (Cuba).
O comandante Oto Thorensen ordenou então o abandono do navio e 235 passageiros e 259 tripulantes foram evacuados através das lanchas salva-vidas e recolhidos em seguida por outros três navios que acudiram em
socorro.
Ainda fumegante, o relito (os restos) do Viking Princess foi então rebocado pelo vapor liberiano Navigator até o Porto de Kingston, na Jamaica. Após inspeção por parte dos agentes do Lloyd's, o
ex-transatlântico Lavoisier foi declarado perda construtiva total. Meses mais tarde, o que dele sobrara foi rebocado para o porto espanhol de Bilbao para demolição definitiva. |