A Société Génerale de Transports Maritimes (SGTM) foi a criação jurídica do homem de negócios marselhês Paulin Talabot que, em 1865,
decidiu fundar sua própria companhia de navegação para servir seus interesses marítimos no comércio florescente de minério de ferro que já se realizava entre a Argélia e a França. Nove navios de
minério foram encomendados aos estaleiros de La Seyne e, no ano seguinte, seis destes transportavam minério entre Bone (Argélia) e Marselha, enquanto outros três faziam a ligação entre a França e o Egito, transportando, na ida, material destinado à
construção do Canal de Suez e, na volta, algodão egípcio para a indústria têxtil francesa.
Em 1867, dois anos apenas após sua fundação, a SGTM recebia concessão governamental para explorar uma linha de carga e passageiros entre Marselha e portos do Brasil. Para serví-la foram comprados quatro navios
usados (Bourgogne, Poitou, Savoie e Picardie), todos eles construídos na Inglaterra.
Em setembro do mesmo ano, o Bourgogne inaugurou o serviço, realizando a primeira viagem Marselha-Rio de Janeiro-Marselha. Em 1868, a linha foi estendida até Buenos Aires e a SGTM conheceu um período de forte
expansão: em 1871 já contava com 17 navios ligando a França meridional à Argélia, Egito, Senegal, Brasil, Uruguai e Argentina.
Desse ano de 1871 até o fim do século XIX, outros 11 navios de passageiros foram empregados pela SGTM na Rota de Ouro e Prata e, em 1896, para fazer face ao incremento do tráfego sul-americano, foi encomendado ao
Estaleiro Forges (em La Seyne) um novo navio, o maior da companhia até então. Seu nome, France, uma homenagem ao país da bandeira do armador e a um dos navios pioneiros, o La France (retirado de serviço e demolido em 1895, após 24
anos de bons serviços).
De linhas elegantes e com seu casco branco, o France tornou-se conhecido nos portos da rota
Lançado ao mar em 1º de setembro de 1896, o France foi completado em fevereiro do ano seguinte, com características técnicas que o faziam semelhante aos navios Espagne e Italie, lançados pela
SGTM, respectivamente, em 1891 e 1895. Sua máquina a vapor desenvolvia 3.200 CV de potência e a tripulação consistia em 65 oficiais e marinheiros, mais 50 homens de serviço de bordo. Com três mastros e uma chaminé, e um motor com expansão tripla,
transportava 170 passageiros em classe cabine e 1.020 em dormitórios.
A SGTM, como outras companhias, havia se concentrado no lucrativo tráfego de emigrantes italianos que embarcavam em busca de uma nova vida na América do Sul. Os embarques aconteciam em Nápoles, com escalas
sucessivas em Gênova, Marselha e Barcelona, antes da travessia atlântica, com escalas em seguida no Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires como fim da linha.
O France se tornou rapidamente um navio popular, tendo transportado milhares de emigrantes ao longo de sua carreira. Escalou um sem-número de vezes no porto de Santos e, durante longo tempo, esteve sob o
comando do capitão-de-longo-curso Nicolai.
A viagem Nápoles-Buenos Aires levava 24 dias e as dificuldades que dela derivavam faziam com que muitos emigrantes se arrependessem da decisão de procurar o Eldorado latino-americano. E as dificuldades da viagem
marítima às vezes nada eram comparadas com as condições enfrentadas após o desembarque e o estabelecimento do emigrante em uma colônia ou fazenda.
Carta - Francesco Constantin, originário de Treviso (Norte da Itália), escreve, no dia 8 de junho de 1889, uma carta a um seu conterrâneo, descrevendo seu embarque em Gênova, sua viagem, seu desembarque em
Santos, sua permanência na famosa Hospedaria de Imigrantes em São Paulo e finalmente seu estabelecimento na Colônia Angélica, em Morro Grande, arredores da cidade de São Paulo.
Alguns trechos de sua carta ilustram o panorama de uma viagem por mar de um emigrante nos idos finais do século XIX:
Não mencionarei aqui a viagem ferroviária (até Gênova) e só tratarei do trajeto marítimo. Sendo bem sucedido o exame médico em Gênova, imagine o senhor de ver um aglomerado de gente de todas as idades, sexo e
condição social, 2 mil ou 3 mil pessoas reunidas no cais, falando, gesticulando, chorando e rindo, tudo ao mesmo tempo. Alguns partindo, outros ficando e em muitos casos para sempre. Mas logo o apito do navio anuncia a hora em que se deve
saudar a pátria e se parte para a terra tão desejada. Se o tempo é favorável, tudo vai bem, mas é difícil que uma viagem tão longa se faça somente com bom tempo. Não encontro palavras para descrever-lhe o
balanço do navio, os choros, as rezas e as imprecações daqueles que nunca viram uma tempestade em alto mar. Ondas assustadoras se erguem em direção ao céu, formando vales profundos, o vapor trepida de proa a popa, seus flancos são batidos por
punhos invisíveis.
As dores, os vômitos e as contorções dos pobres passageiros não acostumados a tal tratamento... sem muitos comentários sobre os cinco ou seis casos de morte em dias de borrasca e o perigo de doenças
contagiosas.
Quanto à alimentação, bem não posso dizer, sendo mais digna se suínos do que seres humanos, o pão, o arroz, o bacalhau e a carne ou outro que nos eram dados eram do pior gosto que se podia imaginar e era
necessário ter estômago de ferro para não morrer.
Finalmente, graças a Deus, depois de 20 dias se chega ao suspirado porto de Santos e subindo num trem se prossegue para a Capital e, antes de chegar, encontra-se um funicular (estupendo trabalho inglês, que
deixa de mármore todos os viajantes), que com suas máquinas puxa trens inteiros, montanha acima. |
Note-se que o sr. Constantin não menciona o nome do navio que o transportou.
Durante 18 anos o France serviu fielmente seus proprietários, transportando milhares de homens entre a Europa meridional e a América do Sul, tudo sem acidentes... só a rotina dos embarques, das passagens
marítimas, dos câmbios na tripulação e nos oficiais; as entradas e saídas dos portos.
O cartão postal mostra o France deixando o porto de Santos. Ele foi afundado por submarino nazista
O fim - Em 1914 é deflagrada a Primeira Grande Guerra Mundial com o atentado de Sarajevo. Ela seria fatal para o France. No dia 7 de novembro de 1915, enquanto realizava uma viagem Salônica-Marselha,
foi atacado com canhão pelo submarino U-38 nas proximidades da costa da Sardenha e, como conseqüência das inúmeras explosões e focos de incêndio, abandonado pela tripulação, afundando horas mais tarde...
Encontrava-se então na posição 38º N e 10º E, área do mar onde o U-38 já havia alcançado uma série impressionante de sucessos, tendo afundado em poucos dias outros nove vapores aliados, entre os quais o
Ancona de 8.210 t.a.b., pertencente à Società Italia.
Na ocasião do ataque ao France, o U-38 se encontrava sob o comando do capitão Max Valentiner. Este oficial da Marinha alemã passaria aos anais históricos como um criminoso de guerra, tendo ordenado
contínuas salvas de canhão contra os indefesos passageiros do Ancona, quando estes abandonavam o vapor que afundava.
O Ancona, que viajava de Nápoles a Nova Iorque, sob o comando do capitão Massardo, tinha a bordo 315 passageiros e foi alvejado por repetidos tiros de canhão do submersível, na manhã do mesmo dia da perda do
France. O ataque ao Ancona foi um ato de barbárie que provocou duas centenas de mortes, enquanto todos os tripulantes e passageiros do France conseguiram salvar-se, recolhidos que foram por outro vapor francês, Marius
Chambon. |