Estranha carreira a do navio porta-conteineres de bandeira sueca Axel Johnson: de cargueiro a "navio de cristal". Construído em 1969 pelo estaleiro finlandês Wartsila,
para a companhia Axel Axelson Johnson, de Estocolmo (Suécia), tradicional armador daquele país (desde 1890). A Johnson Line, como é comumente conhecida, foi uma das primeiras companhias marítimas do
mundo a ordenar a construção, nos anos 1960, de navios puramente destinados ao transporte de contêineres. O contrato assinado entre a Johnson Line e os estaleiros Wartsila, em 1966, previa a construção de seis navios de uma mesma série. Após o
lançamento de cinco navios, a opção pelo sexto nunca foi confirmada.
Foi assim que apareceram, por ordem cronológica, quase três anos mais tarde, os porta-contêineres Axel Johnson, entregue em 1969; Annie Johnson, em 1969; Margaret Johnson, em 1970; San
Francisco, em 1970 e Antonia Johnson, em 1970.
Esta série tinha a bordo dois guindastes de suspensão, um para contêineres de 40 pés (12 metros) de comprimento e outro para os de 20 pés (6 metros). Estes guindastes foram retirados alguns anos mais tarde para
permitir maior utilização de espaço de carga a bordo.
Os cinco tinham uma tonelagem de arqueação bruta próxima de 26 mil toneladas, com capacidade e transporte de 580 a 627 TEUs (twenty foot equivalent unities - unidades equivalentes a contêineres de 20 pés de
comprimento), capacidade que foi aumentada gradualmente até 855 TEUs, dos quais 92 contêineres eram para carga refrigerada.
O Axel Johnson, o primeiro da série a ser lançado, iniciou serviço de linha entre os portos do Mar do Norte e do Báltico para a costa Oeste do continente norte-americano no verão de 1969, sob o comando do
capitão Dag Hulten.
O Axel Johnson permaneceu em serviço por conta da Johnson Line até o ano de 1986, ano em que foi vendido por 1 milhão e 300 mil dólares americanos à empresa Amafiss Navigation Company, baseada em Chipre e
que o batizou com o nome de Regent Sun. Foi então empregado durante três anos, sempre como navio porta-contêineres, em várias linhas através do globo.
O Costa Marina é o mais recente dos grandes transatlânticos
a realizar percurso na Rota de Ouro e Prata
Só casco e máquinas - Em 1989, foi adquirido pelo Grupo Costa, de Gênova, e colocado nos estaleiros de Genova-Sestri, da Italcantieri, para ser transformado em navio de passageiros com o nome de Costa
Marina.
Sua transformação levou quase três anos e, do antigo porta-contêineres, sobraram só o casco e as máquinas. Novos equipamentos foram então instalados, ou os existentes sofreram revisão completa, ficando com as
características descritas a seguir:
Motores principais: dois Wartsila 16PC2V a quatro tempos turbo diesel, de 16 cilindros cada um, e dois Wartsila 12PC2V a quatro tempos turbo
diesel de 12 cilindros cada um, para potência total de 23 mil HP. Os motores principais movem os dois eixos e hélices. O consumo diário de combustível, à velocidade de cruzeiro, é de 70 toneladas.
Motores auxiliares: quatro geradores elétricos diesel fornecendo um total de 9.750 KVA.
Hélices: dois a passo variável em aço inoxidável, tendo cada um quatro pás com movimento hidráulico, comandados à distância. Os hélices têm um
diâmetro de cinco metros e pesam 16 toneladas cada um.
Hélices transversais: para facilitar as manobras de atracação e desatracação, o navio possui dois hélices transversais com comando
eletro-hidráulico com potência de 400 HP na popa e 800 HP na proa.
Estabilizadores: colocados abaixo da linha de flutuação, um de cada lado, do tipo Sperry Gyrofin, comandados por um sistema eletro-hidráulico.
Timões: é composto de roda do timão, sistema de controle, piloto automático Sperry SRP 690 e repetidor de bússola.
Radares: existem a bordo dois sistemas de radar: um Sperry Rascar 3400M e um Sperry Rascar 2500C. O primeiro é usado em más condições
meteorológicas e o segundo em caso de boas condições. Ambos são ligados a um sistema de computador capaz de simular manobras e indicar a posição de 20 navios e cinco pontos terrestres.
Rádio-navegação: sistema Long Range Navigation (Loran, navegação de longo curso), do tipo Northstar 800, completamente automático e que,
ligado a um computador, converte os dados de longitude e latitude em tempo real.
Salva-vidas: oito lanchas a motor com capacidade total para 1.000 pessoas e 25 balsas com capacidade para 626 pessoas.
Primeira escala - Sábado, 19 de dezembro de 1992, acontecimento excepcional no porto de Santos: 26 anos depois da entrada no estuário santista do último transatlântico em viagem regular de transporte de
passageiros (o Eugenio C, em 1966), um novo navio, destinado a freqüentar, por alguns anos, a escala da cidade, aparece na barra.
O Costa Marina havia zarpado de Gênova em 3 de dezembro de 1992, levando a bordo cerca de 800 passageiros destinados a desembarcar no Rio de Janeiro ou em Santos. O Costa Marina realizava então a
primeira viagem ao Atlântico Sul, dita de posicionamento para a realização, em seguida, de um variado programa de cruzeiros nas águas do Brasil e da Argentina, sob o comando do capitão-de-longo-curso Giovanni Melone.
Tornava-se, assim, o milésimo navio de todos os tempos da navegação, a vapor ou a motor, a ligar um porto europeu a um porto da costa Leste da América do Sul, transportando passageiros (em viagem regular ou de
posicionamento).
Este transatlântico é, nada mais, nada menos, do que o herdeiro de uma tradição antiga de 140 anos, iniciada em 1851, quando o pioneiro Teviot, da Royal Mail Lines, zarpou de um porto europeu transportando
passageiros para a América do Sul na Rota de Ouro e Prata.
Após a entrada em serviço do recondicionado Costa Marina, a armadora Costa, de Gênova, procedeu aos trabalhos de reconversão de seu irmão gêmeo rebatizado Costa Allegra,
construído originalmente para a Johnson Line com o nome de Annie Johnson.
Rota - Utilizaremos a viagem inaugural do Costa Marina para descrever uma das rotas utilizadas para ligar a Europa ao Atlântico Sul; a de Gênova a Santos com escalas intermediárias em Málaga
(Espanha), Casablanca (Marrocos), Dacar (Senegal), Recife, Salvador e Rio de Janeiro (Brasil).
Zarpando de Gênova, a 44º23' de latitude Norte e 8º56' de longitude Oeste, o Costa Marina sai do porto às 15h30 do dia 3 de dezembro de 1992. Percorre no alto Mar Tirreno um trecho de 480 milhas e alcança,
24 horas depois, a ponta de referência do farol da Ilha Vedra.
Às 21h00 do mesmo dia, encontra-se na altura do Cabo de Palos (costa espanhola) e seis horas depois passa ao largo do farol da Ponta Sabinal. Mais quatro horas de navegação e aparecem as luzes matinais do porto de
Málaga, Espanha.
Às 19h00, o Costa Marina sai de Málaga com sua proa apontando em direção do Estreito de Gibraltar. Para aqueles que não dormem cedo e que se interessam por navegação, é um momento inesquecível.
Por volta das 22h00, as luzes do farol da Ponta Europa aparecem a boreste, enquanto a bombordo podem-se delinear, na noite clara, os contornos da costa norte-africana e as luzes do enclave espanhol de Ceuta.
À medida que o navio avança pelo estreito adentro na pista de Paloma (uma das duras rotas obrigatórias de passagem Leste-Oeste do estreito), a sensação aumenta: de um lado, o imponente rochedo de Gibraltar,
fortaleza britânica e guardiã do Mediterrâneo; do outro lado a costa do Marrocos, onde se podem ver os montes pertencentes à cadeia montanhosa do Riff.
O tráfego marítimo por ali é intenso, pois o Estreito de Gibraltar é ponto de passagem obrigatória de todos os navios que demandam para o Mar Mediterrâneo ou que dele saem, de e para o Oceano Atlântico.
Na ponte de comando do Costa Marina, os dois oficiais de turno escrutinam atentamente as telas dos dois radares de bordo, onde o feixe luminoso giratório revela a existência de vários pequenos pontos: cada
ponto, uma embarcação.
Transitam também por lá navios ferry-boat de grande tonelagem, que ligam, de duas em duas horas, os portos de Tânger (Marrocos) e Ceuta (do lado africano) com os portos de Gibraltar ou Algeciras, Espanha (do
lado europeu).
Além disso, a tarefa dos oficiais do Costa Marina se complica um pouco pela necessidade de atravessar, depois do Cabo Tarifa, a pista Carnero, na qual se encontram os navios viajando em direção oposta, ou
seja, entrando no Mediterrâneo. Tudo isso controlado pelo radar das autoridades espanholas na ponta de Tarifa.
Às 23h17, o Costa Marina sai da pista Carnero em direção Sudoeste, deixando para trás os perigos daquela zona de tráfego marítimo que é o Estreito de Gibraltar. Proa em direção do Cabo Spartel, que é dobrado
uns minutos depois da meia-noite, e em seguida navegação Sul com destino a Casablanca.
O grande porto de Marrocos é alcançado às 7h00 e, desde a saída de Málaga, foram percorridas 250 milhas náuticas (463 km). Casablanca não tem mais o charme de outrora, quando seus cafés foram freqüentados
por turistas de todo o mundo. Hoje a cidade tem o aspecto de cidade provinciana e seu centro revela a pobreza do país. Poucas lojas, quase nada de interessante para ser vendido (fora bolsas e artigos de couro) e com alguns jovens oferecendo
drogas doces abertamente nas ruas. Alguns passageiros preferem se deslocar de ônibus a Marrakesh ou Fez, aproveitando as 15 horas de escala.
De Casablanca, de onde o navio sai à meia-noite, até a próxima escala, Santa Cruz de Tenerife, são necessárias 37 horas de navegação. A escala nesse porto das Canárias é muito curta, apenas cinco horas, e não há
muito tempo útil para se conhecer as atrações dessa ilha atlântica. Mais interessante é acompanhar de binóculo a navegação de aproximação e a saída. Em dia claro, podem ser vistas à distância as outras três ilhas principais do arquipélago (Lanzarote,
Fuerteventura e Grande Canária). Em Tenerife, é feito o bunkering (fornecimento) de combustível do navio.
Deixando para trás o arquipélago das Canárias, o Costa Marina navega em direção Sudeste, primeiro apontando para o Cabo Branco e em seguida para o Sul. Quarenta horas depois de sair de Santa Cruz de Tenerife,
é dobrado o Cabo Verde, que é a ponta extrema ocidental da África.
Poucas milhas adiante, o porto de Dacar, capital do Senegal. Escala de pouco mais de 12 horas nesta cidade do Senegal e saída com rumo de 217º, rota que é mantida por três dias seguidos.
Trata-se de atravessar o Atlântico Central em diagonal até o porto de Recife (Pernambuco). A linha reta leva o transatlântico a passar próximo dos rochedos de São Pedro e São Paulo, localizados a 0º 14' de latitude
Norte e 28º 26' de longitude Oeste e que distam somente 18 milhas da linha equatorial. Esta linha imaginária que divide os dois hemisférios da Terra é atravessada por volta das 4h00 da manhã do dia 13. As tradicionais festividades de bordo são,
porém, realizadas poucas horas depois, com música ao vivo aos bordos da piscina e os batizados tomando banho forçado.
Olinda aparece às primeiras luzes da aurora do dia 14 e o Costa Marina atraca em Recife, depois de percorrer 1.717 milhas náuticas desde a saída de Dacar. A permanência do navio em Recife é de 24 horas e
esta escala é sempre bem-vinda, pois a beleza das praias pernambucanas dá o sabor de nossa terra aos viajantes. Saída no dia 15, às 9h00, em direção a Salvador. O farol da Ponta de Itapoã é dobrado às 5h14 da manhã seguinte e às 6h20 o
transatlântico entra na Baía de Todos os Santos, atracando por volta das 7h00.
Doze horas mais tarde, os cabos são soltos e o Costa Marina sai do porto com as luzes avermelhadas do pôr do sol. Inicialmente, a rota é em direção do Cabo de Santo Antônio, e depois, giro de 30º em direção
dos recifes de Abrolhos. Na manhã do dia 18, chegada à Baía de Guanabara. A entrada no porto do Rio de Janeiro é sempre um espetáculo magnífico e digno de ser visto pelo menos uma vez na vida.
A escala na Cidade Maravilhosa é relativamente curta e aí desce a maioria dos passageiros. São turistas estrangeiros, alemães em grande número, que fogem aos rigores do inverno europeu e que vão passar alguns dias
nos trópicos, aproveitando os feriados da época de Natal e fim de ano.
Saída feérica por volta das 18h0 e, logo fora da baía, o Costa Marina desfila não muito longe das areias de Copacabana, para o gáudio de seus passageiros. Daí, o próximo ponto de referência náutica
importante é a Ponta do Boi, distante 130 milhas do Rio de Janeiro.
Dobrada a ponta, o rumo é 270º durante uma hora e meia até Alcatrazes, onde o timão vira para 264º. A viagem aproxima-se do fim com o avistar-se do farol da Ilha da Moela, que é a "porta de entrada" de Santos para
os navios vindos do Norte.
Quinze minutos depois de deixá-lo de través à popa (ré), aparece a Ponta Grossa, onde tradicionalmente o navio se comunica com o Serviço de Praticagem do Porto de Santos, antes de adentrar pela baía e no canal.
De Gênova a Santos, o Costa Marina percorreu, fazendo a rota descrita, 5.286 milhas e consumiu 990 toneladas de óleo diesel, à velocidade de cruzeiro de 19,5 nós (36 km/h). No porto de Santos, é prevista
nova operação de bunkering (reabastecimento de combustível e água). |