A derrota da Áustria na batalha de Sadowa contra seus inimigos prussianos culminou, em 1866, com a assinatura de um armistício entre estes dois Estados, o que na prática
decretava o fim da monarquia do Danúbio e iria permitir o aparecimento da coalizão austro-húngara.
Esta nova aliança entre a Áustria e a Hungria tinha aspectos surpreendentes, pois até então estas nações haviam sido, por períodos intermitentes, grandes rivais entre si.
Com o aparecimento do pólo político de colaboração, de um lado persistiram as velhas querelas, do outro lado nasceram as condições para um governo duplo, no qual os aspectos econômicos, militares e de política
exterior seriam tratados em comum, enquanto, por outro verso, as duas nações seriam governadas por Constituições e Parlamentos separados, cada uma também assumindo os aspectos administrativos próprios.
O imperador da Áustria, Francisco José I, da dinastia dos Habsburgos, havia subido ao trono de seu país em 1848 e, quase 20 anos após esse fato, era também coroado rei da Hungria, iniciando-se, assim, em 1867, o
reinado austro-húngaro.
Este império se estendia geograficamente dos territórios da Transilvânia a Leste até as montanhas do Tirol a Oeste; da Boêmia-Moravia ao Norte até a Bósnia-Erzegovina ao Sul.
Neste vasto território comum viviam em 1910 cerca de 46 milhões de habitantes, cujas origens étnicas eram as mais diversas possíveis: alemães, húngaros, italianos, romenos, checos, poloneses, ucranianos, eslovenos,
servo-croatas, eslovacos. Uma verdadeira torre de Babel, ao exterior da qual não faltavam os inimigos: russos, italianos e sérvios sendo os principais.
As capitais da aliança austro-húngara eram as atuais Viena e Budapeste, cidades cheias de vida e com os aspectos de grandeza e riqueza da época: vida cultural e social intensa, meta de viajantes e monarcas em
visita, obras públicas de grandes dimensões, política de expansionismo, por volta do fim do século XIX.
Os principais portos deste império centro-europeu eram Trieste e Fiume. O primeiro mencionado (hoje em território pertencente à república italiana) já era então um importante entreposto de café e ao mesmo tempo
base da frota mercante austríaca.
O segundo porto, Fiume, situado na Croácia de então e de hoje, era a base operacional da frota mercante húngara que, através da armadora Real Húngara de Navegação Marítima, operava cargueiros e navios mistos (de
cargas e de passageiros) na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina).
A família Cosulich, de Trieste, estabeleceu-se no ramo dos negócios marítimos em 1857, através do patriarca Antonio Felice, capitão e armador de navios.
Seus dois filhos, Callisto e Alberto, seguiram os passos do pai e adquiriram experiência, a princípio na empresa familiar e em seguida como gerentes operacionais e comerciais da frota de cargueiros da armadora
Austro-Americana.
Em 1903, Alberto e Callisto fundaram em Trieste uma moderna empresa de navegação, que levou o nome de Societá Anonima Unione Austriaca di Navigazione e cujas primeiras embarcações
iniciaram o serviço na linha Trieste, Messina, Palermo, Nápoles, Nova Iorque no ano seguinte.
Nesse mesmo ano de 1904, os irmãos Cosulich conseguiram obter apoio financeiro da Hapag e da NDL (as duas maiores armadoras alemãs) para a compra de 13 cargueiros que
pertenciam até então à Austro Americana.
Concluído o negócio, a Unione Austriaca pôde expandir-se e em 1905 entraram em serviço, sempre na linha norte-americana, o Francesca e o Sofia Hohenberg.
No início de 1906, os irmãos Cosulich sentiam-se suficientemente fortes financeiramente para planejar a construção de bem mais seis navios de capacidade mista e as ordens foram passadas ao estaleiro escocês Russel
& Co., de Glasgow.
Apareceram, assim, a partir de meados do mesmo ano, o Eugenia, o Laura, o Alice, o Columbia, o Atlanta, o Argentina e o Oceania. Este último mencionado, lançado ao
mar dos estaleiros de A. Stephen & Sons, de Glasgow.
Os cinco primeiros serviram inicialmente na linha do Atlântico Norte, sendo posteriormente transferidos para a Rota de Ouro e Prata.
Lançado ao mar em maio de 1907, o Alice realizou sua viagem inaugural em fins de agosto do mesmo ano, entre Trieste e Nova Iorque.
Na ocasião, sua capacidade de passageiros era de 1.625 pessoas em três classes. Suas acomodações para os que viajavam em 1ª ou 2ª classe encontravam-se acima do tombadilho à meia nau com cabinas individuais ou
duplas, das quais as de luxo possuíam seu próprio banheiro. Os de 3ª classe viajavam em amplos dormitórios instalados nas pontes inferiores à meia nau.
O Alice possuía na área social uma magnífica sala de jantar, que ocupava toda a largura do vapor e, além desta, oferecia todos os outros tradicionais salões: de fumar, de música, de jogos, de conversação e
de leitura, todos com móveis de estilo e decorados artisticamente.
A bordo dos navios da Unione Austriaca haviam sido contratados chefs-de-cuisine cordon bleu, de excelente reputação na área da hotelaria vienense, e, portanto, a qualidade da alimentação de bordo era
muito bem apreciada pelos passageiros.
Após ser vendido para outra empresa, o transatlântico Alice passou a ostentar o nome de Asia, a partir de 1917, a serviço da armadora Cyprien Fabre
Foto: reprodução, publicada com a matéria
O Alice era um belo vapor de dimensões médias e desenho elegante, possuindo seis decks (conveses), dos quais três de superestrutura.
Seu casco fora dividido em oito compartimentos transversais separados por portas duplas, oferecendo, assim, um aspecto de segurança que não era muito comum em vapores da época. Era também dotado de telegrafia sem
fio.
Seu maquinário consistia de duas máquinas a vapor construídas pelas oficinas Kincaid, de Greenock, com três cilindros cada um, passando a potência aos dois hélices e permitindo ao Alice desenvolver
velocidade máxima de 16 nós (29,6 km/h).
Após permanecer cerca de três anos na linha norte-americana, o Alice foi transferido pela armadora à Rota de Ouro e Prata, sua primeira viagem acontecendo em julho de 1910, quando zarpou de Trieste
para Buenos Aires via portos de escala intermediários.
O serviço sul-americano da Unione Austriaca havia iniciado em 1907, com a utilização do Argentina e os portos tocados pelos seus vapores eram Patras (Grécia), Nápoles, Barcelona, Las Palmas, Rio de Janeiro,
Santos e Montevidéu.
Quanto ao Alice, em sua primeira viagem à América do Sul, tocou, na ida, Nápoles, Barcelona e Rio de Janeiro e na volta, Santos, Rio de Janeiro, Almeria e Nápoles. De 1910 a 1914, foi utilizado
principalmente na linha sul-americana, realizando no período algumas viagens na rota do Atlântico Norte.
O início do conflito mundial, em agosto de 1914, surpreendeu o Alice navegando ao longo da costa brasileira, e seu comandante decidiu buscar refúgio no Porto de Pernambuco (como era então conhecida a atual
Recife), onde, entre outros navios austríacos e alemães, encontrava-se o Blücher, e que aí permaneceram bloqueados.
Em julho de 1917, com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Áustria, esses navios passaram para a propriedade do Governo Brasileiro, registrados como propriedade do Ministério da Marinha. O Blücher
foi rebatizado Leopoldina e o Alice passou ao nome de Asia.
Após a assinatura do Tratado de Versalhes e a partição das frotas mercantes das nações perdedoras do conflito, o Asia foi entregue à França como compensação de guerra e repassado pelas autoridades deste país
à Compagnie Française de Navigation a Vapeur Cyprien Fabre, de Marselha.
A armadora francesa providenciou então uma completa reforma do Asia, que passou a ter acomodações para apenas duas classes: a classe cabina (130 passageiros) e terceira classe (1.350 passageiros).
Em 19 de setembro de 1920, voltou ao serviço regular no Atlântico Norte, fazendo a ligação entre Marselha, Lisboa, Providence e Nova Iorque.
Esta rota foi também usada pelo gêmeo Laura que, rebatizado Braga, passou às mãos da Cyprien Fabre até seu encalhe fatal numa ilha do Mar Egeu, em novembro de 1926.
O fim do Alice chegou em maio de 1930. No dia 21, iniciava viagem de Jedá (Arábia Saudita) e Djibuti, com 1.500 peregrinos muçulmanos a bordo, quando um pouco fora da área do porto saudita foi vítima de um
incêndio, que não pôde ser controlado pela tripulação.
A ordem de evacuação foi acompanhada de uma situação de pânico entre os passageiros, o que provocou a morte de cerca de 160 pessoas, enquanto o Asia afundava lentamente nas águas do Mar Vermelho. |