ECONOMIA
Brasil à venda (quem compra?)
Comércio externo cresce mais pelo interesse externo em adquirir produtos brasileiros que pela capacidade do Brasil em vendas internacionais
Carlos Pimentel Mendes (*)
Há muito já se disse que não é o Brasil que vende produtos no mercado internacional, são os demais países que vêm comprar as nossas mercadorias. Apesar dos significativos incrementos em nosso comércio exterior, na prática continuamos perdendo oportunidades importantes, por falta de mecanismos eficientes de apoio, por falta de divulgação, por falta de entrosamento entre os elementos da cadeia de vendas e de transporte, pelas próprias deficiências no armazenamento e transporte dos produtos, pela burocracia ainda existente, por tudo o que se convencionou englobar no chamado Custo Brasil.
A antiga afirmação sobre o Brasil não vender, apenas ser comprado, tinha origem na constatação de que, em certas praças de comércio no Oriente Médio, quando sobravam os petrodólares, uma única empresa japonesa contava com cerca de mil vendedores prospectando oportunidades de negócios, enquanto o Brasil inteiro era representado por um ou dois contatos comerciais. E o governo chegava a atrapalhar os negócios, pois uma estatal de comércio exterior competia com as empresas privadas, oferecendo os mesmos produtos a preços inferiores e assim alijando-as de negócios que já estavam certos para o Brasil.
Em anos recentes, algumas empresas brasileiras amadureceram suas estratégias de conquista do mercado externo, mas ao mesmo tempo quase já não podem ser mais chamadas de brasileiras. É só verificar a composição acionária de Petrobrás (da qual até querem tirar o acento agudo, tal a desnacionalização havida), da Embraer e outras. Nossa marinha mercante, que detinha cerca de 50% do mercado de transporte de cargas no longo curso, despencou para menos de 3%, elevando o dispêndio de divisas com aluguel de espaço em navios. Dito isso, chega a ser estranho acompanhar situações como a do gás natural, em que o Brasil briga com a Bolívia por interesses
que, lá no fundo, já nem são mais nacionais.
A listagem de nossos principais exportadores revela muitos nomes estrangeiros, seja
na própria denominação das empresas, seja numa análise de seu quadro de acionistas. Em primeiro lugar, a já citada Petrobrás, seguida pela Companhia Vale do Rio Doce, pela Embraer, Bunge Alimentos, Volkswagen do Brasil, General Motors do Brasil, Cargill Agrícola, Ford Brasil, Sadia, Gerdau Açominas. Outros nomes que têm se destacado pelo seguido crescimento são ainda a Belgo Siderurgia e a Nokia do Brasil, enquanto a Aracruz Celulose e a Coinbra têm registrado quedas nos negócios em períodos recentes.
O Brasil consegue ótimas performances nos agronegócios, mas seus lucros se esvaem nas perdas por falta de silos e armazéns, de condições adequadas de transporte, pela inexistência de um bom planejamento de embarque (é só observar os congestionamentos nas estradas, em épocas de safra).
Mais que isso, é contínua a saída de produtos quase na forma como foram extraídos (minérios, soja peletizada), que serão beneficiados apenas no destino, quando poderíamos agregar valor aqui mesmo, o que significaria aumento da demanda de mão-de-obra, ou seja, mais empregos e riqueza para os brasileiros. Os complexos industriais poderiam ser criados junto às zonas produtoras, nos portos ou mesmo em qualquer ponto no meio do caminho, e além de aumentarem o valor médio da tonelada exportada, reduziriam as demandas e os custos de transporte e armazenamento, da mesma forma que seriam também minimizados os desperdícios ao longo do caminho entre a mina/fazenda e o porto.
Decerto, o país avançou nas últimas décadas, saindo da monocultura do café e abrindo espaço para soja, cana-de-açúcar (com o álcool combustível em destaque), milho, carnes (apesar dos cuidados sanitários insuficientes que agora mesmo abrem espaço a restrições aos produtos gaúchos). Avançou na siderurgia, superando as barreiras não-alfandegárias e os subsídios com a compra de empresas no exterior. Exporta veículos, mas tem de importar grande parte dos equipamentos eletrônicos neles instalados.
Apesar de conseguir desenvolver produtos criativos, tem como um componente atávico de sua cultura a incapacidade de colocá-los no mercado mundial com sua própria marca (se no passado perdeu a oportunidade de patentear a fotografia, o avião, a máquina de escrever, o rádio, agora vê como praticamente descartada a tecnologia nacional – superior – de televisão digital, devido ao peso dos interesses japoneses e norte-americanos).
Temos tecnologia nacional para a construção de navios e aviões, trens, contêineres, computadores, equipamentos telefônicos; temos conhecimentos raros para a produção de novos remédios, bioprodutos; conseguimos desenvolver programas de computador como ninguém, mas todo esse potencial é perdido (ou aproveitado no exterior, para que depois paguemos direitos autorais e de patente) por falta de o Brasil acreditar mais em si mesmo, criar mecanismos que alavanquem seus negócios. E então, caímos em mazelas sociais e institucionais, como o baixo nível de instrução, o alto nível de juros, a falta de proteção aos mercados nascentes.
E se é justamente a criatividade da população uma das grandes esperanças do país, que consegue na informalidade se defender das mazelas de um Estado desaparelhado e quase paralisado, novamente são essas mazelas que impedem um crescimento substancial das pequenas empresas, aquelas que tentam se colocar no mercado externo por si próprias e esbarram em dificuldades e barreiras criadas pelo próprio aparelho governamental, como o excesso de burocracia que sufoca os menos estruturados, e o excesso de impostos que liqüida quem tenta acompanhar toda a fluída e prolixa legislação brasileira.
Nem mesmo o bloco econômico do Mercosul consegue se firmar como tal, por conta da imaturidade de seus componentes, que mais se atrapalham do que ajudam. Quando tenta impor aos sulamericanos o seu Nafta, os Estados Unidos sequer precisam fazer força para desmantelar a força que teoricamente a ele se contraporia: o Mercosul se desmancha sozinho, por conta das intrigas entre Argentina e Brasil, Argentina e Uruguai, Brasil e Paraguai, Brasil e Bolívia e assim por diante...
Ainda assim, o Brasil consegue exportar até moscas... pois foi em Juazeiro, na Bahia, que surgiu a empresa Moscamed, uma biofábrica que produz milhões de moscas estéreis para que se acasalem com as moscas causadoras de uma praga nos pomares, extingüindo aos poucos e de forma natural essa espécie por falta de reprodução.
Só mesmo por conta da criatividade nacional, e dos vastos recursos naturais, que o Brasil não está entregue às moscas, pois enquanto esse país criativo e rico luta para crescer, há todo um país pobre de espírito e de capacidade que o sufoca, em todo tipo de redes que não é fácil cortar: financeiras, comerciais, publicitárias, burocráticas, de infra-estrutura sem investimentos...
Não é por acaso que, apesar de todo o crescimento havido no comércio exterior brasileiro, continuemos apenas arranhando de leve o potencial de vendas que temos no mercado internacional, potencial que foi bem aproveitado – no mesmo período – por outros países bem menos dotados pela Natureza, como a Índia, o Japão, e agora a China.
(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio. Ilustração: Arte de Felipe Simon
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