Opinião
Flexibilizar
ou relativizar a coisa julgada
Paulo Nogueira Pizzo (*)
O instituto
da coisa julgada - há muito considerado de caráter imutável, indiscutível
e integrante da segurança jurídica - ultimamente vem sendo
questionado por doutrinadores, advogados, juízes e outros, criando-se
certa polêmica nesse assunto. Todos ponderam o valor da segurança
jurídica em relação aos de justiça e efetividade.
Alguns doutrinadores, como Teresa
Arruda Alvim Wambier, observam que a segurança jurídica vem
gradativamente cedendo lugar à justiça e à efetividade.
Apontam como sintomas desse fenômeno a tutela antecipada (art. 273,
CPC), o novo regime da execução provisória, com certos
atos de alienação (art. 588, IV, CPC), a crescente aplicação
da teoria da imprevisão a casos concretos etc.
Segundo a doutrina, existe a flexibilização
da coisa julgada prevista em lei, ou na pendência de alteração
legislativa (art. 485, CPC - rescisória, art. 741, CPC - embargos
do devedor, art. 103, CDC e 18 da LAP - coisa julgada segundo o estado
da lide etc.); e a não prevista em lei, mas, em princípios
(da constitucionalidade, razoabilidade etc.), ou pela interpretação
em sentido amplo (ação de investigação de paternidade
com base em exame de DNA(*)).
Para Nelson Nery Jr., Sérgio
Gilberto Porto e outros, a coisa julgada tem fundamento constitucional
(art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea,
e, pois, não pode ser alterada nem por emenda constitucional (art.
60, § 4.º, I e IV, CF). Já para Humberto Theodoro Jr.,
Teresa A. A. Wambier, José Miguel Garcia Medina e outros, ela tem
fundamento infraconstitucional, é fenômeno processual e a
Constituição Federal só fixa o entendimento de irretroatividade
de lei.
A posição favorável
à flexibilização da coisa julgada sustenta sua não
formação por vícios graves, ou formação
da "coisa julgada inconstitucional", admite sua desconstituição
por qualquer meio, tempo e grau de jurisdição e a interpretação
extensiva, ou nova redação ao art. 485 do CPC. Já
a posição contrária discorda da submissão da
coisa julgada a princípios, defende a decisão justa "possível"
e alerta para o atual momento histórico-processual (celeridade,
instrumentalidade, efetividade).
Os "favoráveis" à
flexibilização, como Teresa A. A. Wambier e José M.
G. Medina (**),
em verdade, não sustentam o desrespeito à coisa julgada.
Pelo contrário, defendem a integridade desta, observando que, por
vezes, ela sequer se aperfeiçoou. Se a sentença é
nula, cabível a declaratória de nulidade desta, a qualquer
tempo, pois não se perfaz relação processual pelo
grave vício que a contaminou, inviabilizando seu trânsito
em julgado. Essa ação é admitida desde 1990 pelo STJ
e STF diante de vícios como, por exemplo, a falta ou nulidade de
citação (art. 741, I, CPC).
Portanto, antes de se posicionar
a favor ou contra a flexibilização da coisa julgada, recomenda-se
avaliar os detalhes do caso concreto, para concluir se de fato se trata
de flexibilização desta, ou do uso corriqueiro de conhecidos
mecanismos processuais pacificamente admitidos de longa data pelas Cortes
Supremas.
(*)
AÇÃO RESCISÓRIA - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
- EXAME DE DNA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO - POSSIBILIDADE
- FLEXIBILIZAÇÃO DO CONCEITO DE DOCUMENTO NOVO NESSES CASOS.
SOLUÇÃO PRÓ VERDADEIRO “STATUS PATER” - O laudo do
exame de DNA, mesmo posterior ao exercício da ação
de investigação de paternidade, considera-se "documento novo"
para aparelhar ação rescisória (CPC, art. 485, VII).
É que tal exame revela prova já existente, mas desconhecida
até então. A prova do parentesco existe no interior da célula.
Sua obtenção é que apenas se tornou possível
quando a evolução científica concebeu o exame intracitológico.
(RESP 300084/GO; RESP 2001/0005257-6, STJ, Segunda Seção,
Min. Rel.: Humberto Gomes de Barros, DJ 06/09/2004)
(**)
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma
da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 275p;
(*) Paulo
Nogueira Pizzo é advogado em São Paulo de Paulo Roberto Murray
Advogados.
Pizzo:
avaliar os detalhes do caso concreto Foto: PR Murray
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