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Edição 148 - Jan/2006
Opinião

Flexibilizar ou relativizar a coisa julgada

Paulo Nogueira Pizzo (*)

O instituto da coisa julgada - há muito considerado de caráter imutável, indiscutível e integrante da segurança jurídica - ultimamente vem sendo questionado por doutrinadores, advogados, juízes e outros, criando-se certa polêmica nesse assunto. Todos ponderam o valor da segurança jurídica em relação aos de justiça e efetividade.

Alguns doutrinadores, como Teresa Arruda Alvim Wambier, observam que a segurança jurídica vem gradativamente cedendo lugar à justiça e à efetividade. Apontam como sintomas desse fenômeno a tutela antecipada (art. 273, CPC), o novo regime da execução provisória, com certos atos de alienação (art. 588, IV, CPC), a crescente aplicação da teoria da imprevisão a casos concretos etc.

Segundo a doutrina, existe a flexibilização da coisa julgada prevista em lei, ou na pendência de alteração legislativa (art. 485, CPC - rescisória, art. 741, CPC - embargos do devedor, art. 103, CDC e 18 da LAP - coisa julgada segundo o estado da lide etc.); e a não prevista em lei, mas, em princípios (da constitucionalidade, razoabilidade etc.), ou pela interpretação em sentido amplo (ação de investigação de paternidade com base em exame de DNA(*)).

Para Nelson Nery Jr., Sérgio Gilberto Porto e outros, a coisa julgada tem fundamento constitucional (art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea, e, pois, não pode ser alterada nem por emenda constitucional (art. 60, § 4.º, I e IV, CF). Já para Humberto Theodoro Jr., Teresa A. A. Wambier, José Miguel Garcia Medina e outros, ela tem fundamento infraconstitucional, é fenômeno processual e a Constituição Federal só fixa o entendimento de irretroatividade de lei. 

A posição favorável à flexibilização da coisa julgada sustenta sua não formação por vícios graves, ou formação da "coisa julgada inconstitucional", admite sua desconstituição por qualquer meio, tempo e grau de jurisdição e a interpretação extensiva, ou nova redação ao art. 485 do CPC. Já a posição contrária discorda da submissão da coisa julgada a princípios, defende a decisão justa "possível" e alerta para o atual momento histórico-processual (celeridade, instrumentalidade, efetividade).

Os "favoráveis" à flexibilização, como Teresa A. A. Wambier e José M. G. Medina (**), em verdade, não sustentam o desrespeito à coisa julgada. Pelo contrário, defendem a integridade desta, observando que, por vezes, ela sequer se aperfeiçoou. Se a sentença é nula, cabível a declaratória de nulidade desta, a qualquer tempo, pois não se perfaz relação processual pelo grave vício que a contaminou, inviabilizando seu trânsito em julgado. Essa ação é admitida desde 1990 pelo STJ e STF diante de vícios como, por exemplo, a falta ou nulidade de citação (art. 741, I, CPC).

Portanto, antes de se posicionar a favor ou contra a flexibilização da coisa julgada, recomenda-se avaliar os detalhes do caso concreto, para concluir se de fato se trata de flexibilização desta, ou do uso corriqueiro de conhecidos mecanismos processuais pacificamente admitidos de longa data pelas Cortes Supremas.

(*) AÇÃO RESCISÓRIA - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DE DNA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO - POSSIBILIDADE - FLEXIBILIZAÇÃO DO CONCEITO DE DOCUMENTO NOVO NESSES CASOS. SOLUÇÃO PRÓ VERDADEIRO “STATUS PATER” - O laudo do exame de DNA, mesmo posterior ao exercício da ação de investigação de paternidade, considera-se "documento novo" para aparelhar ação rescisória (CPC, art. 485, VII). É que tal exame revela prova já existente, mas desconhecida até então. A prova do parentesco existe no interior da célula. Sua obtenção é que apenas se tornou possível quando a evolução científica concebeu o exame intracitológico. (RESP 300084/GO; RESP 2001/0005257-6, STJ, Segunda Seção, Min. Rel.: Humberto Gomes de Barros, DJ 06/09/2004)

(**) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 275p;

(*) Paulo Nogueira Pizzo é advogado em São Paulo de Paulo Roberto Murray Advogados.


Pizzo: avaliar os detalhes do caso concreto
Foto: PR Murray