Engenharia
O destino dos
prédios inclinados
Há necessidade de acompanhamento
atento do problema
Carlos Pimentel Mendes (*)
Se
a Itália tem uma Torre de Pisa, Santos tem cerca de 100, com problemas
semelhantes e um agravante: por não serem monumentos históricos
(podendo até serem derrubados e refeitos), os custos para recuperação
de tais estruturas se tornam altíssimos se comparados ao valor final
dos prédios recuperados. Enquanto perdura o impasse, a inclinação
dos prédios aumenta, e se não há o risco do efeito
dominó (um prédio cair e derrubar os vizinhos), também
quase não existe a memória do cálculo estrutural desses
prédios, que permitiria determinar os níveis de risco. Vedar
trincas e rachaduras com grampos e massa disfarça um problema bem
mais grave - os sinais de que os esforços estruturais sobre os pilares
estão chegando ao limite -, e assim não basta apenas acompanhar
a velocidade do recalque. Além de buscar soluções
definitivas, é preciso ampliar as formas de controle do problema.
Comparação:
Edificação
|
Torre-campanário
de Pisa
|
Ed.
Núncio Malzoni Bloco A
|
Construção
(fundações) |
9/8/1153 |
1967 |
Recalque |
Descoberto
durante a obra |
Previsto no
projeto (mas seria de modo uniforme) |
Andares |
8 |
17 |
Pé-direito
no térreo |
4,1 m |
Cerca de 4
m |
Altura desde
as fundações |
60 m |
Cerca de 59
m |
Altura desde
o nível do solo |
58,5 m |
57 m |
Diâmetro
médio, no térreo |
19,6 m (círculo) |
15 m (retângulo) |
Peso da estrutura |
14,5 t |
6,3 t |
Materiais
empregados |
Pedra, mármores,
tijolo |
Concreto |
Inclinação |
5,5 graus |
2,2 graus |
Desalinhamento |
4,5 m |
2,1 m |
Aumento médio
do desaprumo |
1,2 mm ao
ano |
1,3 mm ao
mês |
Diferença
entre recalques |
1,89 m |
0,45 m |
Custo da recuperação |
US$ 25 milhões |
R$ 1,5 milhão |
Recuperação |
1997-2001 |
1995-2000 |
Resultado |
Inclinação
reduzida 0,5º |
Prédio
reaprumado |
O problema – Segundo lembra
o engenheiro José Eduardo Carvalho Pinto, que atuou na recuperação
do Bloco A do Edifício Núncio Malzoni (pioneira no mundo),
o solo santista é de fato ruim para a construção:
pior que ele, em todo o planeta, consideradas apenas as áreas densamente
construídas, só o da Cidade do México.
Desde o Canal 1 até o Morro
Santa Terezinha, a condição do terreno é melhor, pois
a rocha está à flor do solo (sendo até difícil
fazer fundação profunda). No resto da cidade, inclusive fora
da área praiana - salvo pequenas variações, há
uma camada de areia entre 6 e 10 m, compacta, boa, mas abaixo dela há
uma camada de argila marinha do 10 ao 30 m de profundidade, um solo muito
mole, então um prédio com carga maior atritando sobre a areia
comprime essa argila, gerando recalques diferenciais (os prédios
inclinam mais para um lado do que para o outro).
A partir dos 30 m, em vários
locais há uma lâmina de areia, que é onde os construtores
muitas vezes param o estaqueamento, obtendo uma fundação
profunda, mas ainda flutuante. Na correção do prumo do Núncio
Malzoni, foi ultrapassada essa camada, chegando-se a 56 m, atingindo a
rocha, que não é perfurável pelas brocas.
Já eram conhecidos em 1957
os estudos sobre o problema do recalque, tanto que na década seguinte,
quando foram construídos muitos dos prédios da orla santista,
a maioria deles tinha pé-direito de 4 metros no andar térreo,
prevendo o afundamento da estrutura e a futura necessidade de corrigi-lo.
No Núncio Malzoni, um perito em solos previra recalque de até
1 metro (só que por inteiro, sem inclinar o prédio).
Também já era conhecido
o método de estaqueamento profundo, na época economicamente
inviável. Ainda assim, os construtores elevaram o gabarito das construções
para ter maior lucratividade, construindo 17 andares onde só podiam
construir até 10, e usando fundações sobre sapatas
rasas. Mesmo em 1973 foram feitos prédios sem a necessária
fundação profunda, jogando o problema para o futuro, ante
a falha ou omissão das autoridades que deveriam regular o assunto.
Além disso, dois prédios
vizinhos construídos dessa forma provocam interferências mútuas
no subsolo, o chamado bulbo de tensões. Quando o Núncio Malzoni
foi construído, logo depois começou a obra do Ed. Jardim
Europa, daí o bulbo de tensão entre os dois. Situações
semelhantes ocorreram em toda a área próxima às praias,
e um levantamento feito em 1995 pela Secretaria de Obras indicou existirem
94 prédios (número que poderia chegar a 99, conforme o critério
de avaliação usado) com variados graus de inclinação.
Soluções – Existem
diversas técnicas corretivas que serão mostradas no seminário
que ocorrerá em Santos. O problema está na complicada viabilização
econômica dos projetos, e talvez surjam formas de reduzir os valores
envolvidos. Mas elas ainda precisarão ser testadas, a prática
é diferente da teoria. Além de tudo, cada prédio é
um caso diferente, não há soluções genéricas.
No Núncio Malzoni, para reaprumar
o bloco A foram colocadas 8 estacas de cada lado do prédio, com
1 a 1,5 metro de diâmetro e 55/56 metros de profundidade, atingindo
a camada rochosa. Então, 14 macacos-hidráulicos ergueram
a estrutura, permitindo que fosse apoiada nas novas estacas. No bloco B,
foram usadas cerca de 80 estacas-raiz sob o prédio, com a mesma
profundidade e diâmetro de 40 cm. Mesmo sem ter sido transferido
ainda o peso do prédio para as novas estacas, o solo ficou com maior
rigidez, reduzindo a velocidade do recalque.
Nesse edifício, apenas o bloco
A foi corrigido, ao custo de R$ 1,5 milhão, cerca de R$ 90 mil para
cada apartamento. O valor, em si alto, compensou por serem unidades de
alto padrão (um por andar, frente para a praia), representando cerca
de 30% do custo de um apartamento de igual tamanho e localização
num prédio "normal". O engenheiro José Eduardo explica que
o bloco B recebeu novas fundações em 2000, antes do uso dos
macacos-hidráulicos no bloco A, num trabalho delicado que não
podia ser feito depois. O custo dessa correção por apartamento
é bem menor, já que são mais apartamentos no bloco
B, mantida entretanto a proporção entre a obra e o valor
do prédio. Mesmo assim, as obras pararam por falta de recursos (não
foi obtido financiamento bancário).
É preciso analisar a relação
custo/benefício ao se optar por uma das várias soluções
de verticalização ou pela demolição do prédio.
Em média, 35% do valor da obra corretiva são gastos nas fundações,
25% na estrutura de concreto, 30% no macaqueamento e 10% nas obras complementares,
como o remanejamento de tubulações. Mas é preciso
verificar se a estrutura suporta o renivelamento, se há necessidade
de reforço etc.
Há que considerar a idade
da construção: em prédios com 30, 40 anos, talvez
não compense reaprumar. Se o custo da correção passar
de 40% do valor de um novo prédio semelhante, a questão passa
a merecer análise melhor. Também, não havendo recursos
para a obra de verticalização, pode-se optar por outra técnica:
fazer apenas a nova fundação e ligá-la à antiga,
estabilizando o prédio, que continua torto mas seguro.
O engenheiro avalia que na grande
maioria dos quase 100 prédios afetados, no estágio atual,
valeria a pena o reforço estrutural e/ou reaprumo. Nem todos precisam
da verticalização, a estabilização já
bastaria, como foi feita no Edifício Excelsior, embora os apartamentos
continuem com o valor prejudicado (Santos, aliás, tem um apelo de
vendas incomum: os anúncios das obras citam como diferencial de
valor o fato de o prédio ter fundações profundas.
Isso não ocorre em outras cidades).
Edifícios
da orla: difícil ver um que não esteja inclinado Foto: Luiz
Carlos Ferraz
Demolir? – Uma opção
radical é demolir o prédio. Para José Eduardo, isso
implica em várias considerações. Uma delas é
que, com as atuais técnicas de implosão, não há
segurança de que o impacto causado no solo pela derrubada do prédio
não abale as construções vizinhas. Então, o
método mais seguro (e bem mais caro) é demolir com marteletes.
Só isso, num prédio como o Núncio Malzoni, custaria
uns R$ 600 mil - cálculo baseado no custo da demolição
a martelete de um edifício incendiado da CESP na Av. Paulista, em
São Paulo.
Há outras implicações
nesta solução: até que o prédio seja reconstruído,
seria preciso suportar por dois a três anos o aluguel de outros apartamentos
para os moradores, o custo de mudanças etc. - o que foi evitado
no Núncio Malzoni, já que as pessoas continuaram morando
no prédio durante as obras de recuperação.
Os construtores preferem trabalhar
com terrenos "nus" (limpos), pois no caso de demolição é
preciso também retirar as fundações antigas, antes
de iniciar as novas obras, e tudo isso implica em custos, portanto o valor
oferecido pelo prédio antigo ficaria muito baixo. Então,
enquanto ainda existirem alguns terrenos vazios aproveitáveis, e
o valor do metro quadrado não se tornar compensador para a demolição,
não haverá interesse nesta solução. Que, todavia,
se tornará interessante até para prédios "normais",
em algum momento no futuro.
Por enquanto, nem mesmo o incentivo
dado pela Prefeitura em 30/9/1998 - de não cobrar nos casos dos
prédios inclinados a chamada "concessão onerosa do coeficiente
de aproveitamento do solo", permitindo a construção de prédios
maiores para compensar aquelas despesas extras - foi suficiente para animar
o empresariado.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Página
principal em inglês (oficial) sobre a Torre de Pisa
Veja mais: Efeito
dominó, desabamento, abalo de prédios vizinhos e outras lendas... Especialistas
discutem soluções para os prédios inclinados da orla Construtor
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