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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/12/03 08:05:11
Edição 125 - OUT/2003 

Engenharia

O destino dos prédios inclinados

Há necessidade de acompanhamento atento do problema

Carlos Pimentel Mendes (*)

Se a Itália tem uma Torre de Pisa, Santos tem cerca de 100, com problemas semelhantes e um agravante: por não serem monumentos históricos (podendo até serem derrubados e refeitos), os custos para recuperação de tais estruturas se tornam altíssimos se comparados ao valor final dos prédios recuperados. Enquanto perdura o impasse, a inclinação dos prédios aumenta, e se não há o risco do efeito dominó (um prédio cair e derrubar os vizinhos), também quase não existe a memória do cálculo estrutural desses prédios, que permitiria determinar os níveis de risco. Vedar trincas e rachaduras com grampos e massa disfarça um problema bem mais grave - os sinais de que os esforços estruturais sobre os pilares estão chegando ao limite -, e assim não basta apenas acompanhar a velocidade do recalque. Além de buscar soluções definitivas, é preciso ampliar as formas de controle do problema.

Comparação:

Edificação
Torre-campanário de Pisa
Ed. Núncio Malzoni Bloco A
Construção (fundações) 9/8/1153 1967
Recalque Descoberto durante a obra Previsto no projeto (mas seria de modo uniforme)
Andares 8 17
Pé-direito no térreo 4,1 m Cerca de 4 m
Altura desde as fundações 60 m Cerca de 59 m
Altura desde o nível do solo 58,5 m 57 m
Diâmetro médio, no térreo 19,6 m (círculo) 15 m (retângulo)
Peso da estrutura 14,5 t 6,3 t 
Materiais empregados Pedra, mármores, tijolo Concreto
Inclinação 5,5 graus 2,2 graus
Desalinhamento 4,5 m 2,1 m
Aumento médio do desaprumo 1,2 mm ao ano 1,3 mm ao mês
Diferença entre recalques 1,89 m 0,45 m
Custo da recuperação US$ 25 milhões R$ 1,5 milhão
Recuperação 1997-2001 1995-2000
Resultado Inclinação reduzida 0,5º Prédio reaprumado

O problema – Segundo lembra o engenheiro José Eduardo Carvalho Pinto, que atuou na recuperação do Bloco A do Edifício Núncio Malzoni (pioneira no mundo), o solo santista é de fato ruim para a construção: pior que ele, em todo o planeta, consideradas apenas as áreas densamente construídas, só o da Cidade do México. 

Desde o Canal 1 até o Morro Santa Terezinha, a condição do terreno é melhor, pois a rocha está à flor do solo (sendo até difícil fazer fundação profunda). No resto da cidade, inclusive fora da área praiana - salvo pequenas variações, há uma camada de areia entre 6 e 10 m, compacta, boa, mas abaixo dela há uma camada de argila marinha do 10 ao 30 m de profundidade, um solo muito mole, então um prédio com carga maior atritando sobre a areia comprime essa argila, gerando recalques diferenciais (os prédios inclinam mais para um lado do que para o outro). 

A partir dos 30 m, em vários locais há uma lâmina de areia, que é onde os construtores muitas vezes param o estaqueamento, obtendo uma fundação profunda, mas ainda flutuante. Na correção do prumo do Núncio Malzoni, foi ultrapassada essa camada, chegando-se a 56 m, atingindo a rocha, que não é perfurável pelas brocas.

Já eram conhecidos em 1957 os estudos sobre o problema do recalque, tanto que na década seguinte, quando foram construídos muitos dos prédios da orla santista, a maioria deles tinha pé-direito de 4 metros no andar térreo, prevendo o afundamento da estrutura e a futura necessidade de corrigi-lo. No Núncio Malzoni, um perito em solos previra recalque de até 1 metro (só que por inteiro, sem inclinar o prédio). 

Também já era conhecido o método de estaqueamento profundo, na época economicamente inviável. Ainda assim, os construtores elevaram o gabarito das construções para ter maior lucratividade, construindo 17 andares onde só podiam construir até 10, e usando fundações sobre sapatas rasas. Mesmo em 1973 foram feitos prédios sem a necessária fundação profunda, jogando o problema para o futuro, ante a falha ou omissão das autoridades que deveriam regular o assunto.

Além disso, dois prédios vizinhos construídos dessa forma provocam interferências mútuas no subsolo, o chamado bulbo de tensões. Quando o Núncio Malzoni foi construído, logo depois começou a obra do Ed. Jardim Europa, daí o bulbo de tensão entre os dois. Situações semelhantes ocorreram em toda a área próxima às praias, e um levantamento feito em 1995 pela Secretaria de Obras indicou existirem 94 prédios (número que poderia chegar a 99, conforme o critério de avaliação usado) com variados graus de inclinação. 

Soluções – Existem diversas técnicas corretivas que serão mostradas no seminário que ocorrerá em Santos. O problema está na complicada viabilização econômica dos projetos, e talvez surjam formas de reduzir os valores envolvidos. Mas elas ainda precisarão ser testadas, a prática é diferente da teoria. Além de tudo, cada prédio é um caso diferente, não há soluções genéricas.

No Núncio Malzoni, para reaprumar o bloco A foram colocadas 8 estacas de cada lado do prédio, com 1 a 1,5 metro de diâmetro e 55/56 metros de profundidade, atingindo a camada rochosa. Então, 14 macacos-hidráulicos ergueram a estrutura, permitindo que fosse apoiada nas novas estacas. No bloco B, foram usadas cerca de 80 estacas-raiz sob o prédio, com a mesma profundidade e diâmetro de 40 cm. Mesmo sem ter sido transferido ainda o peso do prédio para as novas estacas, o solo ficou com maior rigidez, reduzindo a velocidade do recalque.

Nesse edifício, apenas o bloco A foi corrigido, ao custo de R$ 1,5 milhão, cerca de R$ 90 mil para cada apartamento. O valor, em si alto, compensou por serem unidades de alto padrão (um por andar, frente para a praia), representando cerca de 30% do custo de um apartamento de igual tamanho e localização num prédio "normal". O engenheiro José Eduardo explica que o bloco B recebeu novas fundações em 2000, antes do uso dos macacos-hidráulicos no bloco A, num trabalho delicado que não podia ser feito depois. O custo dessa correção por apartamento é bem menor, já que são mais apartamentos no bloco B, mantida entretanto a proporção entre a obra e o valor do prédio. Mesmo assim, as obras pararam por falta de recursos (não foi obtido financiamento bancário).

É preciso analisar a relação custo/benefício ao se optar por uma das várias soluções de verticalização ou pela demolição do prédio. Em média, 35% do valor da obra corretiva são gastos nas fundações, 25% na estrutura de concreto, 30% no macaqueamento e 10% nas obras complementares, como o remanejamento de tubulações. Mas é preciso verificar se a estrutura suporta o renivelamento, se há necessidade de reforço etc. 

Há que considerar a idade da construção: em prédios com 30, 40 anos, talvez não compense reaprumar. Se o custo da correção passar de 40% do valor de um novo prédio semelhante, a questão passa a merecer análise melhor. Também, não havendo recursos para a obra de verticalização, pode-se optar por outra técnica: fazer apenas a nova fundação e ligá-la à antiga, estabilizando o prédio, que continua torto mas seguro.

O engenheiro avalia que na grande maioria dos quase 100 prédios afetados, no estágio atual, valeria a pena o reforço estrutural e/ou reaprumo. Nem todos precisam da verticalização, a estabilização já bastaria, como foi feita no Edifício Excelsior, embora os apartamentos continuem com o valor prejudicado (Santos, aliás, tem um apelo de vendas incomum: os anúncios das obras citam como diferencial de valor o fato de o prédio ter fundações profundas. Isso não ocorre em outras cidades).

Edifícios da orla: difícil ver um que não esteja inclinado
Foto: Luiz Carlos Ferraz

Demolir? – Uma opção radical é demolir o prédio. Para José Eduardo, isso implica em várias considerações. Uma delas é que, com as atuais técnicas de implosão, não há segurança de que o impacto causado no solo pela derrubada do prédio não abale as construções vizinhas. Então, o método mais seguro (e bem mais caro) é demolir com marteletes. Só isso, num prédio como o Núncio Malzoni, custaria uns R$ 600 mil - cálculo baseado no custo da demolição a martelete de um edifício incendiado da CESP na Av. Paulista, em São Paulo.

Há outras implicações nesta solução: até que o prédio seja reconstruído, seria preciso suportar por dois a três anos o aluguel de outros apartamentos para os moradores, o custo de mudanças etc. - o que foi evitado no Núncio Malzoni, já que as pessoas continuaram morando no prédio durante as obras de recuperação.

Os construtores preferem trabalhar com terrenos "nus" (limpos), pois no caso de demolição é preciso também retirar as fundações antigas, antes de iniciar as novas obras, e tudo isso implica em custos, portanto o valor oferecido pelo prédio antigo ficaria muito baixo. Então, enquanto ainda existirem alguns terrenos vazios aproveitáveis, e o valor do metro quadrado não se tornar compensador para a demolição, não haverá interesse nesta solução. Que, todavia, se tornará interessante até para prédios "normais", em algum momento no futuro. 

Por enquanto, nem mesmo o incentivo dado pela Prefeitura em 30/9/1998 - de não cobrar nos casos dos prédios inclinados a chamada "concessão onerosa do coeficiente de aproveitamento do solo", permitindo a construção de prédios maiores para compensar aquelas despesas extras - foi suficiente para animar o empresariado.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Página principal em inglês (oficial) sobre a Torre de Pisa

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