Engenharia Política
Santos, o porto
dos factóides
Maior terminal da América
Latina ainda espera investimentos para se modernizar
Carlos Pimentel Mendes (*)
"Dentro
de quatro meses, garanto que começam as obras da ligação
entre Santos e Guarujá". A temerária declaração
foi feita em agosto de 1990 pelo ministro dos Transportes, José
Reinaldo Tavares, num seminário em Santos. Foi apenas mais um dos
factóides (neologismo designador de "fatos" produzidos apenas para
gerar manchetes e serem esquecidos logo depois) cometidos por uma autoridade
irresponsável, brincando com os destinos de um porto centenário,
por onde passavam então 30% das cargas movimentadas no comércio
exterior brasileiro. Exatos treze anos depois, longe de inaugurar alguma
ponte ou túnel no Estuário santista, que resolveriam uma
série de problemas de transporte na região, o presidente
da República foi convidado para a mera reinauguração
de um terminal de açúcar. Que ganha ares de pompa, na circunstância
de não haver outro investimento merecedor das atenções
da autoridade visitante.
Enquanto a Baixada Santista enfrenta
grave crise econômica com o desemprego de milhares de trabalhadores
que viviam do porto, os projetos continuam sendo anunciados. Geralmente
novas obras (que muitas vezes não têm a mínima condição
de sair do papel), pois a simples manutenção do que já
existe não traz muitos dividendos políticos. E, na briga
pelos feudos políticos do porto, o factóide do dia é
sempre considerado o mais importante.
Estratégico
na definição de uma política de desenvolvimento do
País, o porto de Santos é alvo freqüente de Brasília.
Os recursos, contudo, custam a chegar...
Não importa à autoridade
se o assoreamento do canal de Piaçagüera pode prejudicar o
pólo industrial de Cubatão, por exemplo. O importante é
sabermos se o cargo de presidente da Codesp pertence ao PSDB, ao PT ou
a algum outro partido. Filme velho: faz-se a composição política,
mudam os nomes, assume alguém dizendo que vai pôr ordem na
casa, sanear a Codesp etc. Meses depois, já anuncia o primeiro superávit.
Logo seguido de um superdéficit...
No caso da travessia do estuário
santista, existem pelo menos cinco projetos, entre pontes e túneis,
atendendo a diferentes interesses políticos, e um deles inclusive
foi feito por Prestes Maia, por volta de 1945. Justamente pela abundância
de traçados propostos e de interesses políticos envolvidos,
as décadas foram passando, nada de obra. Nem túnel sob o
Estuário, nem ponte sobre o Estuário, muito menos túnel
"sobre" o Estuário - como por algumas vezes escreveram certos jornalistas
locais.
Existem, mas... – Na verdade,
há várias ligações entre Santos, Guarujá
e Bertioga - cada uma com seus próprios problemas. No início
do século XX, embarcações faziam o transporte de passageiros
entre as duas margens do porto. Cem anos depois, não há sequer
perspectiva de a ponte ou o túnel serem construídos. As filas
continuam nas duas pontas do ferry-boat. Quem não quiser
esperar quase uma hora na fila, pode ir por rodovia. Demora quase uma hora,
também. Estrangula-se assim parte da economia regional.
Por terra, existem duas ligações.
Ambas com histórias que bem mostram como age o governo em relação
ao porto santista. Na estrada que por muitos anos foi chamada de "rodovia
da morte", ficou conhecida a história do túnel-viaduto onde
o caminhão passava e o conteiner ficava, ao contrário da
nossa eterna miss Marta Rocha, por duas polegadas a menos - na altura.
Muitos acidentes depois, o problema foi resolvido, mas o caso ficou como
símbolo da incúria e do desleixo das autoridades no setor.
Mais difícil de corrigir foi a questão do viaduto que a população
sabiamente apelidou de "Elefante Branco": fizeram a ponte e depois é
que inventaram um uso para ela...
Há também um ramal
ferroviário entre as duas margens do porto. Com três trilhos,
o terceiro protagonizando um incrível feito da engenharia brasileira:
duas frentes de trabalho começaram a obra a partir das pontas, colocando
o trilho do mesmo lado visto a partir da origem. Como o lado esquerdo dos
trilhos, visto da origem, é o direito visto do destino, e vice-versa,
eles não se encontraram como deveria acontecer. Foi necessário
criar às pressas um complexo sistema de desvios ferroviários
para corrigir a falha e tentar esconder o problema...
Areia de faraós – E
os exemplos continuam. Uma quantia enorme foi torrada (melhor dizer: mergulhada)
num faraônico projeto de retificação do canal do Estuário
no trecho entre o Valongo e o Paquetá, que permitiria a ampliação
do porto, ganhando áreas sobre as águas. Tinha muitas vantagens:
ao avançar sobre as águas, permitiria ao cais obter maior
profundidade, além de o porto ficar com apreciável retroárea
para a movimentação das cargas. E impedindo que as águas
se espraiassem, faria com que corressem mais rápido, forçando
uma dragagem natural que manteria a profundidade ideal, reduzindo os custos
de manutenção do canal de navegação. As obras
seriam feitas em quatro etapas, num total de oito anos de trabalho a partir
de março de 1986.
A primeira etapa começou,
jogou-se um bocado de areia entre as estacas que sustentariam o cais e...
ficou por aí mesmo. Mudaram os ventos políticos, o dinheiro
antes generoso sumiu, do faraônico projeto só restou a areia...
sendo levada pelas águas para, num efeito contrário ao esperado,
assorear ainda mais o estuário, elevando em vez de reduzir os custos
de dragagem do porto. Restou o comentário profético feito
por este jornalista na época: era aquela uma obra ligando dois cemitérios,
o do Valongo-Saboó (Cemitério da Filosofia) e o do Paquetá...
E a confusão continuou. Em
1997, feita a concorrência para ocupar essa área e concluir
as obras, a firma Tecondi não deu seguimento aos trabalhos, argumentando
não ter as licenças ambientais necessárias. O assunto
foi parar na Justiça, com o pedido de um vereador santista para
que o contrato fosse cancelado.
Mergulhão – A mais
recente novidade em termos de "integração" porto-cidade é
a briga entre a Prefeitura de Santos e a Codesp quanto à área
degradada do porto incluída na tal expansão inter-cemitérios.
A Prefeitura quer urbanizar o trecho, ao estilo do Puerto Madero da capital
argentina, e batizá-lo de Water Front (assim mesmo, ridiculamente
em inglês, acredite se quiser). Mas, a Codesp segue outras correntes
políticas e vem sabotando esse trabalho, com a alegação
vaga de que tem outros planos para o local.
Nesse mesmo trecho, reaparecem os
túneis e as pontes: para fazer a continuação da avenida
que percorre o perímetro portuário, chegou-se a pensar até
num pequeno túnel para que o tráfego leve da avenida não
se misturasse ao de caminhões em demanda do porto. Numa cidade em
que qualquer chuva mais forte alaga tudo, o nome desse túnel, "Mergulhão",
chega a representar um mau presságio...
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
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