Editorial
Lapsos de memória
Luiz Carlos Ferraz
O momento
da morte é, como não poderia deixar de ser para a maioria
dos mortais, alguma coisa indescritível. Palavra esta, aliás,
que não deve fazer parte do dicionário de qualquer jornalista,
já que a princípio nada, para este profissional, há
de ser indescritível. Pois que assim, somente para ser coerente
com esta breve articulação, deixa-a de sê-la, para
ser apresentada por meio da versão, seja daquele que assistiu casualmente
ao desenlace, ou do que participou ativamente lado a lado da vida do de
cujus, ou por quem tinha lá informações, públicas
ou íntimas, sobre a vida do falecido – ou, no mínimo, do
seu inimigo. De nenhuma fonte se haverá de cobrar a fidedignidade
dos fatos, pois será mera, ainda que o seja com todo respeito, versão.
Embaçada por sentimentos,
no mais das vezes positivos – mas que também podem ser ao contrário,
o que é quase sempre feito através do silêncio –, ou
fragmentada por lapsos de memória, como que temperada pelo perdão
dos que se curvam à morte. Risco, contudo, sempre haverá,
de a versão, ou a sua síntese, estar divorciada da realidade
(?), da verdade (?), e causar espanto. Para o cidadão prudente e
honesto, ainda que pouco humilde, restará a opção
de preparar o próprio obituário. O que culturalmente não
será o caso do brasileiro, desacostumado, por exemplo, a testar. |