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Edição 113 - OUT/2002 

Engenharia sanitária

Lixo regional é solução 
transformada em problema

Carlos Pimentel Mendes (*)

Urubu liga o lixão ao aeroporto e mostra as falhas na metropolização

Embora modernas técnicas permitam que 100% do lixo doméstico seja reciclado e reverta em ganhos econômicos e ambientais, a Baixada Santista enfrenta o risco de aves atraídas por um novo aterro sanitário no Sítio das Neves (área continental de Santos) comprometerem o funcionamento do aeroporto regional, e do chorume poluir as águas do Estuário, entre outros problemas causados por falhas grosseiras na condução do processo de integração metropolitana. Em Guarujá, o aterro sanitário está sendo criticado porque seu chorume polui o Estuário, e também a capacidade de recebimento de lixo já estaria esgotada. Apesar do grave problema, tanto legisladores como autoridades do Executivo cuidam apenas de varrer o problema para debaixo do tapete, literalmente: enterrar o lixo e colocar aterro por cima. 

Modelo de gestão ambiental totalmente inadequado, quando se sabe que o vidro (13% do lixo recolhido) não se degrada, mas pode ser totalmente reaproveitado; que os plásticos mais usados (7% do lixo) demoram centenas de anos para se decompor, mas havendo seleção por tipo podem ser também plenamente reciclados; que entre os metais (10% do lixo) a média para a oxidação é de dez anos, mas o alumínio - que não se desintegra nunca - poderia ter expandida sua reciclagem; que o papel em geral (50% do lixo) pode se manter intacto por décadas, mas tem pleno reaproveitamento possível na indústria. 

Restam as matérias orgânicas e outros resíduos (20% do lixo recolhido - percentuais referentes à cidade de São Paulo), que podem ser usadas na formação de biogás (resultante de sua decomposição) - que a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) já se dispôs a comprar, desde que as prefeituras se preocupem em criar condições para que seja produzido.

O Brasil é campeão mundial no reaproveitamento de latinhas de alumínio; os plásticos dependem de separação manual por tipo; até o isopor pode e deve ser reaproveitado, sendo necessária uma campanha lembrando que sua queima libera clorofluorcarbonetos, prejudicando a atmosfera (e que a incineração ao ar livre é um crime ambiental).

Ao mesmo tempo em que pensam de forma simplista sobre o assunto, abordando apenas como empresas contratadas sem licitação pública farão o enterro dos detritos, e relegando a último plano as propostas para a reciclagem do lixo, que eliminariam definitivamente o problema, executivos e legislativos regionais esquecem do problema social representado pelos catadores de lixo - a comunidade da Vila dos Criadores, formada junto ao lixão da Alemoa, e que tira seu sustento do reaproveitamento do lixo, mesmo com técnicas primitivas. 

Desativado esse lixão, o pouco ainda feito em termos de reciclagem desaparecerá. Mesmo porque o trabalho de coleta seletiva do lixo santista, iniciado na década de 1990, sofreu forte retrocesso com sua interrupção por quatro meses, em 2000. Menos de 1% do lixo santista é reciclado, quando já existem cidades na Alemanha reciclando 75% do lixo produzido e novas técnicas permitirem a reciclagem total dos resíduos. 

Sítio das Neves, onde se pretende instalar o aterro sanitário (Foto: Reinaldo Ferrigno/Decom-PMS)
Intercorrências - A má gestão do problema ambiental já não é preocupação apenas dos ecologistas, pois causa intercorrências em diversos setores da vida metropolitana. Por exemplo, o consultor ambiental  Edvaldo Silva lembra que, pela resolução 04/95 do Conama, é proibida a instalação de qualquer atividade que seja foco de atração de pássaros em área até 13 km de perímetro de uma pista de aeroporto, pelo perigo das aves serem sugadas pelas turbinas de aviões, provocando acidentes. 

Ele nota que o Sítio das Neves fica bem na trajetória da Base Aérea de Santos - que já tem um aeroporto para fins militares e deve abrigar o aeroporto civil metropolitano -, e a concentração de urubus na rota dos aviões colocaria em risco as mais de 60 mil casas de Vicente de Carvalho (como já foi alertado pela Base Aérea). No Recife, em situação parecida, as autoridades simplesmente proibiram a instalação do aterro.

Já a Associação Comercial do Guarujá receia o prejuízo ao turismo que um depósito de lixo junto à entrada do município pela rodovia SP-55 poderá causar. Até porque os projetos previam que só em 2010 seria atingida a marca de 500 toneladas/dia de lixo, e já agora o volume seria de 800 t/dia. E os vereadores santistas notam não haver impedimento a que o Sítio das Neves receba lixo de outras cidades - o que reduziria drasticamente sua vida útil.

Sítio das Neves, onde se pretende instalar o aterro sanitário (Foto: Reinaldo Ferrigno/Decom-PMS)
ReciclagemJosé Antonio Gonçalves da Conceição, da organização não governamental Ambiente Global (Amglo), afirma que as modernas técnicas já permitem que todo o lixo seja reciclado de forma economicamente viável. Para isso, é fundamental o entrosamento entre as entidades públicas e a iniciativa privada, pois a viabilização econômica passa pelo uso de verbas que, de outra forma, seriam destinadas à correção dos problemas ambientais, manutenção dos aterros sanitários, gastos com saúde pública etc.

José Antonio critica a formação de monopólios como o da Terracom/Estre/Firpavi e a forma como é organizado o programa Troca-Treco da Prefeitura santista. Entende que deveria ser estimulada a ação de micro-empresas - como a pioneira Copreffer, de Guarujá -, organizadas por bairros, como forma de fazer do lixo domiciliar a fonte de renda - com geração de empregos - para todo um novo setor da economia regional. As prefeituras podem economizar na subvenção às entidades assistenciais, se elas participarem dos programas de reciclagem e forem beneficiadas por esse retorno financeiro. Poderia ser viável, até, que Santos se torne receptora de lixo para reciclar, invertendo-se o processo que faz com que São Vicente, por exemplo, envie seu lixo para ser depositado em Mauá (SP).

Considerando apenas as técnicas mais usuais de reciclagem no Brasil, as médias nacionais aplicadas ao volume de lixo santista (sobre dados disponíveis na Internet), e a renda por quilo de cada tipo de material reciclado, é possível fazer algumas projeções. No caso do papel, em Santos, pressupondo-se que pelo menos 350 t/dia sejam recolhidas e 37% delas (130 t/dia) recicladas (a R$ 0,10/kg), Santos teria uma renda extra de R$ 13 mil/dia. Vidro (27,6% de reaproveitamento, 91 t/dia, R$ 0,05/quilo), uns R$ 1 mil/dia. Plásticos (20% de reaproveitamento, em Santos resultando em 10 t/dia), renda de uns R$ 2 mil/dia. Metais (média de 61% sobre 70 t/dia, R$ 0,70/kg), renda de R$ 2 mil. Sem esquecer dos ganhos com reciclagem de pneus, biogás, produção de fertilizantes etc. 

Tais números podem melhorar muito com o aperfeiçoamento das técnicas e o aumento no volume de material; os investimentos na infra-estrutura podem ser feitos com os ganhos obtidos no manejo ambiental (menor despesa com lixões, menor extração de matéria-prima) e na menor necessidade de assistencialismo. 

Em Portugal, há no Parque das Nações até o projeto integrado Lixo Musical, em que as crianças são primeiro incentivadas a criar instrumentos musicais com resíduos e em seguida a extrair música desses instrumentos.

Sítio das Neves, onde se pretende instalar o aterro sanitário (Foto: Reinaldo Ferrigno/Decom-PMS)
Foco – Verificam-se portanto sérias distorções no trato do problema do lixo. 

A primeira delas é a notória falta de um mínimo de entrosamento intra-metropolitano, apesar de ser essa uma típica questão supra-municipal. 

A segunda está no desleixo das autoridades, que permitiram que o assunto chegasse ao nível de emergência, evitando a licitação pública e permitindo que soluções (necessariamente imediatistas) possam ser adotadas por meio da costura de acordos políticos. 

E a terceira está no próprio foco: busca-se enterrar o lixo, acumulando problemas ambientais e outros riscos (urubus versus aviões), quando existem formas de reciclá-lo totalmente e assim desenvolver inúmeras atividades que impulsionariam a economia regional.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

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