Engenharia sanitária
Lixo regional
é solução
transformada
em problema
Carlos Pimentel Mendes (*)
Urubu liga o lixão
ao aeroporto e mostra as falhas na metropolização
Embora
modernas técnicas permitam que 100% do lixo doméstico seja
reciclado e reverta em ganhos econômicos e ambientais, a Baixada
Santista enfrenta o risco de aves atraídas por um novo aterro sanitário
no Sítio das Neves (área
continental de Santos) comprometerem o funcionamento do aeroporto regional,
e do chorume poluir as águas do Estuário, entre outros problemas
causados por falhas grosseiras na condução do processo de
integração metropolitana. Em Guarujá, o aterro sanitário
está sendo criticado porque seu chorume polui o Estuário,
e também a capacidade de recebimento de lixo já estaria esgotada.
Apesar do grave problema, tanto legisladores como autoridades do Executivo
cuidam apenas de varrer o problema para debaixo do tapete, literalmente:
enterrar o lixo e colocar aterro por cima.
Modelo de gestão ambiental
totalmente inadequado, quando se sabe que o vidro (13% do lixo recolhido)
não se degrada, mas pode ser totalmente reaproveitado; que os plásticos
mais usados (7% do lixo) demoram centenas de anos para se decompor, mas
havendo seleção por tipo podem ser também plenamente
reciclados; que entre os metais (10% do lixo) a média para a oxidação
é de dez anos, mas o alumínio - que não se desintegra
nunca - poderia ter expandida sua reciclagem; que o papel em geral (50%
do lixo) pode se manter intacto por décadas, mas tem pleno reaproveitamento
possível na indústria.
Restam as matérias orgânicas
e outros resíduos (20% do lixo recolhido - percentuais referentes
à cidade de São Paulo), que podem ser usadas na formação
de biogás (resultante de sua decomposição) - que a
Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) já se dispôs
a comprar, desde que as prefeituras se preocupem em criar condições
para que seja produzido.
O Brasil é campeão
mundial no reaproveitamento de latinhas de alumínio; os plásticos
dependem de separação manual por tipo; até o isopor
pode e deve ser reaproveitado, sendo necessária uma campanha lembrando
que sua queima libera clorofluorcarbonetos, prejudicando a atmosfera (e
que a incineração ao ar livre é um crime ambiental).
Ao mesmo tempo em que pensam de forma
simplista sobre o assunto, abordando apenas como empresas contratadas sem
licitação pública farão o enterro dos detritos,
e relegando a último plano as propostas para a reciclagem do lixo,
que eliminariam definitivamente o problema, executivos e legislativos regionais
esquecem do problema social representado pelos catadores de lixo - a comunidade
da Vila dos Criadores, formada junto ao lixão da Alemoa, e que tira
seu sustento do reaproveitamento do lixo, mesmo com técnicas primitivas.
Desativado esse lixão,
o pouco ainda feito em termos de reciclagem desaparecerá. Mesmo
porque o trabalho de coleta seletiva do lixo santista, iniciado na década
de 1990, sofreu forte retrocesso com sua interrupção por
quatro meses, em 2000. Menos de 1% do lixo santista é reciclado,
quando já existem cidades na Alemanha reciclando 75% do lixo produzido
e novas técnicas permitirem a reciclagem total dos resíduos.
Intercorrências - A má
gestão do problema ambiental já não é preocupação
apenas dos ecologistas, pois causa intercorrências em diversos setores
da vida metropolitana. Por exemplo, o consultor ambiental Edvaldo
Silva lembra que, pela resolução 04/95 do Conama, é
proibida a instalação de qualquer atividade que seja foco
de atração de pássaros em área até 13
km de perímetro de uma pista de aeroporto, pelo perigo das aves
serem sugadas pelas turbinas de aviões, provocando acidentes.
Ele nota que o Sítio das Neves
fica bem na trajetória da Base Aérea de Santos - que já
tem um aeroporto para fins militares e deve abrigar o aeroporto civil metropolitano
-, e a concentração de urubus na rota dos aviões colocaria
em risco as mais de 60 mil casas de Vicente de Carvalho (como já
foi alertado pela Base Aérea). No Recife, em situação
parecida, as autoridades simplesmente proibiram a instalação
do aterro.
Já a Associação
Comercial do Guarujá receia o prejuízo ao turismo que um
depósito de lixo junto à entrada do município pela
rodovia SP-55 poderá causar. Até porque os projetos previam
que só em 2010 seria atingida a marca de 500 toneladas/dia de lixo,
e já agora o volume seria de 800 t/dia. E os vereadores santistas
notam não haver impedimento a que o Sítio das Neves receba
lixo de outras cidades - o que reduziria drasticamente sua vida útil.
Reciclagem – José
Antonio Gonçalves da Conceição, da organização
não governamental Ambiente Global (Amglo), afirma que as modernas
técnicas já permitem que todo o lixo seja reciclado de forma
economicamente viável. Para isso, é fundamental o entrosamento
entre as entidades públicas e a iniciativa privada, pois a viabilização
econômica passa pelo uso de verbas que, de outra forma, seriam destinadas
à correção dos problemas ambientais, manutenção
dos aterros sanitários, gastos com saúde pública etc.
José Antonio critica a formação
de monopólios como o da Terracom/Estre/Firpavi e a forma como é
organizado o programa Troca-Treco da Prefeitura santista. Entende que deveria
ser estimulada a ação de micro-empresas - como a pioneira
Copreffer, de Guarujá -, organizadas por bairros, como forma de
fazer do lixo domiciliar a fonte de renda - com geração de
empregos - para todo um novo setor da economia regional. As prefeituras
podem economizar na subvenção às entidades assistenciais,
se elas participarem dos programas de reciclagem e forem beneficiadas por
esse retorno financeiro. Poderia ser viável, até, que Santos
se torne receptora de lixo para reciclar, invertendo-se o processo que
faz com que São Vicente, por exemplo, envie seu lixo para ser depositado
em Mauá (SP).
Considerando apenas as técnicas
mais usuais de reciclagem no Brasil, as médias nacionais aplicadas
ao volume de lixo santista (sobre
dados disponíveis na Internet), e a renda por quilo de cada
tipo de material reciclado, é possível fazer algumas projeções.
No caso do papel, em Santos, pressupondo-se que pelo menos 350 t/dia sejam
recolhidas e 37% delas (130 t/dia) recicladas (a R$ 0,10/kg), Santos teria
uma renda extra de R$ 13 mil/dia. Vidro (27,6% de reaproveitamento, 91
t/dia, R$ 0,05/quilo), uns R$ 1 mil/dia. Plásticos (20% de reaproveitamento,
em Santos resultando em 10 t/dia), renda de uns R$ 2 mil/dia. Metais (média
de 61% sobre 70 t/dia, R$ 0,70/kg), renda de R$ 2 mil. Sem esquecer dos
ganhos com reciclagem de pneus, biogás, produção de
fertilizantes etc.
Tais números podem melhorar
muito com o aperfeiçoamento das técnicas e o aumento no volume
de material; os investimentos na infra-estrutura podem ser feitos com os
ganhos obtidos no manejo ambiental (menor despesa com lixões, menor
extração de matéria-prima) e na menor necessidade
de assistencialismo.
Em Portugal, há no Parque
das Nações até o projeto integrado Lixo Musical,
em que as crianças são primeiro incentivadas a criar instrumentos
musicais com resíduos e em seguida a extrair música desses
instrumentos.
Foco – Verificam-se portanto
sérias distorções no trato do problema do lixo.
A primeira delas é a notória
falta de um mínimo de entrosamento intra-metropolitano, apesar de
ser essa uma típica questão supra-municipal.
A segunda está no desleixo
das autoridades, que permitiram que o assunto chegasse ao nível
de emergência, evitando a licitação pública
e permitindo que soluções (necessariamente imediatistas)
possam ser adotadas por meio da costura de acordos políticos.
E a terceira está no próprio
foco: busca-se enterrar o lixo, acumulando problemas ambientais e outros
riscos (urubus versus aviões), quando existem formas de reciclá-lo
totalmente e assim desenvolver inúmeras atividades que impulsionariam
a economia regional.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
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Reciclagem
do lixo urbano
Reciclagem
de lixo - mensagem do deputado Emerson Kapaz
Lixo:
uma nota da Prefeitura |