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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/04/01 22:33:44
Edição 101 - OUT/2001

Cidade

Planejar com cidadania

Renata Viana

Estatuto da Cidade institucionaliza o desenvolvimento urbano no País e obriga municípios a respeitarem regras de planejamento

Criado pela lei 10.257/01, o Estatuto da Cidade começou a vigorar em 10/10/2001 e exigirá uma ampla reforma nas políticas de desenvolvimento urbano nos municípios brasileiros. Preocupado com a aplicação da legislação, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) criou o Programa “Jornada do Estatuto da Cidade”, que reuniu em Santos autoridades e especialistas do setor habitacional, para esclarecer as dúvidas a respeito da nova norma e sua aplicação na Região Metropolitana da Baixada Santista.

O arquiteto Oscar Capelache Jr., os empresários Rogério Borges e Lourenço Lopes (da Real) e Fernando Miranda
Além de estudar casos como patrimônio histórico, qualidade de vida, meio-ambiente e áreas ociosas, o estatuto promete solucionar os problemas de áreas degradadas, como favelas, cortiços e alagados. “A lei ordenará o planejamento urbanístico no Brasil, atendendo às reclamações históricas de arquitetos, urbanistas e engenheiros”, informa Vítor Carvalho Pinto, gestor da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (Sedu). 

Depois de 11 anos de tramitação, a elaboração do estatuto representa um avanço na revisão do uso das propriedades urbanas. Para as cidades que abrigam mais de 22 mil habitantes, a lei torna obrigatória a elaboração do plano diretor, instrumento que espelha o planejamento territorial da cidade. O estatuto determina também que as atividades dos municípios sejam controladas pelo Poder Judiciário e Ministério Público. “Vamos acabar com os absurdos que vínhamos presenciando”, esclarece Vítor. Ele revela que boa parte das cidades brasileiras não possui arquitetos. “Esta é uma realidade insustentável a longo prazo”, opina.
Rodolfo Nicastro (diretor de Meio-Ambiente da Prefeitura de Guarujá), o promotor público Darcy de Paula Jr. e o arquiteto Ney Caldatto
A maioria dos municípios médios e grandes já tem plano diretor e deverá adaptá-lo às modificações. Já aqueles que não possuem nenhuma lei referente ao ordenamento urbano deverão elaborá-las, ou terão de congelar os investimentos. “A cidade não poderá realizar obras nem autorizar loteamentos se isso não estiver previsto no plano diretor”, explica ele, ressaltando que esta é uma exigência imediata. 

O Estatuto da Cidade traz alterações que ressaltam a importância do crescimento justo e organizado das cidades. Das mudanças estabelecidas pela lei, a mais polêmica é a participação ativa da comunidade na aprovação dos projetos por meio Carlos Eduardo Adegas, vereador, presidente da CEVde fóruns ou conselhos de política urbana, audiências públicas, debates e conferências.

As decisões serão negociadas entre os setores envolvidos e a sociedade poderá vetar as decisões que possam prejudicar a população. “Isto mostra a integração entre a comunidade e o poder público”, afirma Koyu Iha, presidente da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana. Para ele, a modificação é positiva porque estimulará a discussão com a sociedade. “É importante ouvirmos a população”, adverte Koyu. 

O estatuto prescreve o Usucapião Especial de Imóvel Urbano, que garante o direito à posse para o cidadão que ocupar uma área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados como moradia, por cinco anos consecutivos, sem que o proprietário a reclame. Além disso, ficou estabelecido o direito de preempção, onde o Poder Público tem preferência na compra de imóvel urbano a ser utilizado para fins sociais, como programas e projetos habitacionais, regularização fundiária, Clermont Silveira Castor, prefeito de Cubatãoordenamento da expansão urbana e proteção de áreas de interesse ambiental. 

As modificações estipuladas pelo Estatuto da Cidade têm sido vistas com otimismo pelas autoridades da Baixada Santista por estimular a criação de programas habitacionais. Clermont Castor, prefeito de Cubatão e presidente do Conselho de Desenvolvimento da Região da Baixada Santista (Condesb), afirma que a entidade dará continuidade ao plano diretor da metrópole. “É uma incoerência falarmos em tirar pessoas das favelas se não temos onde colocá-las”, explica ele, ressaltando que o planejamento é fundamental para a remoção da população das áreas de risco.

Conforme explica Carlos Eduardo Adegas, vereador e presidente da Comissão Especial de Vereadores (CEV) criada para discutir o Estatuto da Cidade, o município conta com uma área insular de 39 quilômetros quadrados e não há espaço para projetos habitacionais. Por outro lado, a área continental da cidade possui 240 quilômetros quadrados, totalmente preservados.Cibele Riva Rumel, presidente do Graprohab

O impacto das alterações impostas pela nova norma dependerão da escala de cada município. Nas cidades pequenas e médias que possuem muitas terras ociosas, o IPTU Progressivo no Tempo causará efeitos significativos, uma vez que aumenta, durante cinco anos consecutivos, a alíquota do Imposto sobre Propriedade Predial até o limite de 15%.

A medida serve também de apoio às autoridades na implementação de serviços e equipamentos básicos de áreas carentes, como água e saneamento básico. “O estatuto é uma iniciativa interessante para as prefeituras que têm como meta o resgate das camadas inferiores”, avalia Cibele Riva Rumel, presidente do Graprohab, o Grupo de Aprovação de Projetos Habitacionais da Secretaria da Habitação do Estado. Para ela, a nova lei resgata a responsabilidade social do governo e possibilita investimentos sociais.
 

Os instrumentos previstos na nova legislação:
O Estatuto da Cidade dedica grande parte de seu conteúdo às políticas urbanas na esfera municipal. Os instrumentos previstos guardam semelhança com alguns adotados internacionalmente para controle do solo urbano, mas sua utilização tem sido restrita em função de impedimentos políticos, culturais, históricos e jurídicos. Abaixo, a descrição de cada um dos instrumentos mencionados na lei, que são classificados, de acordo com sua natureza, em tributários, financeiros ou econômicos, jurídicos, administrativos e políticos.
Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
A lei fixa as condições e os prazos para implementação do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não-edificado, sub-utilizado ou não-utilizado nas áreas incluídas no plano diretor. 
Imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo
Pune com tributo de valor crescente os proprietários de terrenos cuja ociosidade ou mal aproveitamento acarrete prejuízo à população. Aplica-se aos proprietários que não atenderam à notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.
Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública
Decorridos cinco anos de cobranças do IPTU progressivo no tempo sem que o proprietário tenha cumprido sua obrigação, o poder público municipal desapropriará o imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Usucapião especial de imóvel urbano
O cidadão que ocupar área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados para sua moradia ou de sua família, por cinco anos consecutivos, sem que o proprietário a reclame terá direito à posse, desde que não possua imóveis em seu nome.
Direito de superfície
Possibilita que o proprietário de terreno urbano conceda a outro particular o direito de utilizar o solo, subsolo ou o espaço aéreo de seu terreno, em termos estabelecidos em contrato e mediante escritura pública.
Direito de preempção
Confere ao poder público municipal preferência na compra de imóvel urbano, respeitado seu valor no mercado imobiliário e antes que o imóvel de interesse do município seja comercializado entre particulares.
Outorga onerosa do direito de construir
O município deverá delimitar no plano diretor as áreas onde o planejamento municipal indicar a possibilidade de maior adensamento populacional, que pode ser atingido com o aumento da área construída.
Transferência do direito de construir
O proprietário de imóvel poderá exercer em outro local o direito de construir previsto nas formas urbanísticas em outro local e ainda não exercido. Esta regra permite a preservação de imóveis de interesse histórico, proteção ambiental ou operações urbanas.
Operações urbanas consorciadas
Conjunto de medidas coordenadas pelo poder público com a finalidade de preservação, recuperação ou transformação de áreas urbanas com da participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados.
Estudo de impacto de vizinhança
As atividades e empreendimentos públicos em área urbana dependerão da elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança para obter licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento.