Arquitetura
Do terremoto à era da informação
Profissionais em todo o mundo
repensam a sua atividade
Carlos Pimentel Mendes (*)
As notícias
dos últimos anos sobre a destruição de edificações
– e até cidades inteiras –, por terremotos e outras manifestações
da Natureza, além das guerras, têm levado arquitetos de inúmeros
países a repensar não apenas a base física das estruturas
que criam, em termos de elas serem mais adequadas à perenização,
como também a base filosófica, no sentido de redefinir o
papel da Arquitetura face às transformações que estão
levando a sociedade à Era da Informação. Assim, depois
do terremoto físico, prepare-se: estão surgindo as bases
para um verdadeiro terremoto cultural neste setor.
Um estudo que por algum tempo esteve
disponível na Internet, nas páginas da Puc-Campinas, serve
como fio condutor desta análise. No texto “A caminho de um novo
paradigma na Arquitetura”, a autora Ana Paula Baltazar dos Santos começa
lembrando que o conceito de Arquitetura nos séculos XIX e XX procurava
absorver as demandas impostas pela revolução industrial,
com ênfase na estruturação urbana promovida pelo uso
dos automóveis. Nos últimos anos, outro tipo de demanda começou
a se impor: a relacionada com as comunicações e a Tecnologia
da Informação.
Sem alarde – Citando esse estudo:
“O deslocamento da importância social de transportar o corpo para
transportar o pensamento permite que se perpetue a mesma estrutura física
das cidades, porém surgem algumas tipologias novas de edifícios
e, principalmente, altera-se o valor funcional do edifício antigo.
Tanto o edifício novo quanto o antigo passam a integrar um novo
sistema social, que se sobrepõe ao sistema anterior sem substituí-lo.
A arquitetura vem se adequando a tais demandas sem muito alarde, visto
que pouco se altera visivelmente na estrutura urbana.”
Ana Paula registra que o simpósio
Greenwich
2000 – Digital Creativity: Architecture, Landscape, Design, ocorrido
na Inglaterra em fins de 1999, permitiu uma significativa amostragem do
debate em torno de diversas iniciativas atuais relacionando Arquitetura
e Tecnologia da Informação.
Lebbeus Woods – Um dos trabalhos
mais interessantes colecionados pela pesquisadora é o realizado
pelo norte-americano Lebbeus Woods, diretor do Instituto de Investigação
para Arquitetura Experimental, uma organização não
lucrativa fundada em 1988. Um grupo de alunos da Escola Técnica
Superior de Arquitetura de Valência, na Espanha, preparou um bem-humorado
site
Web em espanhol que expõe com “impressionantes” ilustrações
conceitos de Lebbeus Woods como Arquitetura/Anarquitetura, Heterarquia,
Espaço Livre e Centricidade, através de projetos experimentais
como as zonas livres de Berlim e Zagreb, a zona desmilitarizada entre as
Coréias do Norte e do Sul, ou Paris Aérea.
Para Lebbeus, o papel da Arquitetura
não alcançará sua plenitude enquanto os arquitetos
não aceitarem que sua atividade vai além do controle das
mudanças, chegando à própria invenção
das mudanças: “A Arquitetura é a suprema, a maior e a mais
nobre atividade do indivíduo e sua civilização. Pois
reúne as Ciências e a Filosofia”. Entretanto, “a Arquitetura
atual é lenta em aceitar o novo, especialmente quando é perigoso,
e busca apoio na Arte, que nos protege e nos acomoda. Teme a Ciência,
que elimina falsos consolos e comodidades proporcionados por ordens e formas
clássicas. Para isso, estabelece um diálogo social, pessoal
e político com a Tecnologia. Já a Arquitetura Experimental
deve ser habitada de forma experimental. Habitar não é um
ato simples e passivo, mas complexo e dinâmico, uma luta entre o
indivíduo e as condições que o rodeiam.” Quanto à
beleza, nos projetos de Lebbeus tem uma característica existencial
e de busca contínua, sem a pretensão de ser eterna ou universal.
Ele propõe que a Arquitetura
avalie a partir dos extremos os problemas centrais do ser humano, como
cita Ana Paula: “Considerando condições extremas tais como
guerra e terremoto, propõe uma mudança estrutural radical
na Arquitetura, a fim de adequá-la as condições reais
a que se expõe, tanto no caso da reconstrução,
onde acredita que a cicatriz é elemento essencial a ser considerado,
quanto no caso da construção, onde propõe que a forma
seja repensada contextualmente segundo as condições extremas
a que o edifício será exposto. Tal proposta implica na concepção
do edifício não apenas como corpo sólido com função
de abrigo mas, principalmente, com função de comunicação,
seja através da cicatriz enquanto memória, seja através
da estrutura que antecipa o contexto”.
Destacam por sua vez os estudantes
valencianos que “Lebbeus relaciona cultura e política, coisa que
muitos arquitetos evitam, já que mantêm a estrutura de autoridade
representada pelas instituições políticas e econômicas
que os financiam. Estes arquitetos se consideram criadores, quando não
são mais que executores de uma ordem física e social determinada
por estas instituições, em que pese ser algo regressivo e
opressivo arquitetônica e socialmente. Lebbeus sonha com o povo universal,
visto como uma comunidade artística e artesã, unido entre
si por avançados sistemas de comunicação, crendo na
reconstrução do mundo, já que o mundo é instável”.
É neste sentido que ele se
refere a Anarquitetura e Heterarquia: enquanto os profissionais convencionais
se baseiam nos conceitos de hierarquia (o melhor exemplo é a pirâmide,
em que o vértice sempre domina a base, a autoridade está
no vértice, que domina toda a estrutura, não importa seu
tamanho), Lebbeus busca uma arquitetura de rede, em que múltiplas
pirâmides possam coexistir num mesmo espaço, mudando continuamente,
a partir de indivíduos autônomos (“Cada habitante é
uma cúspide situada no final, um ponto de origem pessoal”) ligados
entre si pela rede de comunicações.
Em relação aos conceitos
de espaços e zonas livres, os estudantes espanhóis analisam
os conceitos de Lebbeus: “A auto-transformante Freezone urbana se opõe
à monumentalização de instituições culturais
que convertem as cidades em parques temáticos. Freespace encarna
uma nova concepção do espaço e de uma nova forma de
conhecimento através da experiência aberta a uma interpretação
individual”.
Novas tendências – Outros
pesquisadores são citados no trabalho de Ana Paula, como Bernard
Tschumi, que “desenvolve o conceito de arquitetura como evento, propondo
que a arquitetura seja definida dinamicamente através dos acontecimentos,
promovendo o evento e não a forma, ou seja, o que importa realmente
é o movimento do corpo no espaço, e isso está diretamente
relacionado à possibilidade de uso do espaço em tempo real.”.
Tschumi
projetou as instalações da Escola de Arquitetura Marne-La-Vallée
(próxima a Paris) e participou da criação das interfaces
de ligação da estação ferroviária de
Lausanne, na Suíça. Seus conceitos podem ser conhecidos na
página http://www.tschumi.com/.
Richard Coyne, que tem página
em http://www.caad.ed.ac.uk/~richard/,
debate - em seu novo livro “Technoromanticism: Digital Narrative, Holism
and the Romance of the Real” (Tecnoromanticismo: Narrativa Digital, Holismo
e o Romance do Real”) – o legado romântico em que se baseia o discurso
da tecnologia da informação, propondo um novo olhar a partir
dos pontos-de-vista surrealista, fenomenológico e psicanalítico,
buscando entender as implicações da tecnologia da informação
na arquitetura e no design. Outro autor destacado pela pesquisadora de
Campinas é William Mitchell que, no livro “E-Topia: Urban Life Jim
– But Not As We Know It”, avalia a base estrutural do espaço físico
e o impacto da tecnologia da informação, argumentando em
favor da extensão das definições de arquitetura e
urbanismo a fim de abranger tanto espaços físicos quanto
digitais.
Ana também cita Kas Oosterhuis
e Ole Bouman, que apresentaram o projeto transPORT 2001, “um pavilhão
virtual e centro de visitas interativo para o porto de Rotterdam, onde
todo o edifício existe em função da informação
e da relação do usuário com a informação.
Propõem a investigação da relação Arte,
Media e Arquitetura apontando para o que eles chamam de Moving-Behaviour,
um edifício dinâmico, cuja estrutura dilate e encolha de acordo
com o uso”. Sua página Web – que usa Macromedia Flash 5 - está
em http://www.oosterhuis.nl/.
Marcos Novak (página Web em
http://www.centrifuge.org/marcos/),
pioneiro da arquitetura do mundo virtual, é citado por Ana Paulo
porque “propõe a arquitetura líquida, transfísica
como espaço arquitetural autônomo, discutindo a possibilidade
da substituição do ponto de vista único, panopticista,
pelo pantopicismo (pan+topos), ou seja, permitindo diversos pontos-de-vista
simultâneos”.
Ela destaca enfim o artista Stelarc
(página Web australiana em http://www.stelarc.va.com.au/),
que apresentou em 2000 o projeto performático Movatar, no evento
Cyberculture in Cities: “através de diversos sensores conectados
em si mesmo respondendo ao movimento do avatar (representação
do corpo on-line) correspondente, disponibiliza o próprio
corpo para ser manipulado remotamente por diversos internautas, invertendo
a metáfora da arquitetura como corpo, considerando o corpo como
arquitetura, o lugar para abrigar diversas intervenções através
da tecnologia da informação. Considera a arquitetura uma
questão de interação e não de representação
ou controle”.
Stelarc explora e estende em seu
trabalho o conceito do corpo humano e seu relacionamento com a tecnologia
através de interfaces homem/máquina, incorporando a Internet
e a Web, som, música e vídeo e computadores.
Impacto – Concluindo o
estudo, Ana Paula observa: “Todas essas investigações têm
em comum a busca de uma nova maneira de ver e produzir Arquitetura. Fica
claro o potencial de impacto da Tecnologia da Informação
na Arquitetura e, principalmente, começa a despontar a possibilidade
de uma mudança de paradigma: a inclusão do tempo no processo
e no produto, a forma dando lugar ao evento, a interação
real entre edifício e usuário, a dinâmica substituindo
a estática, a Arquitetura abrangendo o real e o virtual.
“Enquanto a perspectiva, paradigma
da Arquitetura na era moderna, entende o objeto a partir de um ponto de
vista singular, projetando as três dimensões do espaço
bidimensionalmente, começam a surgir novas alternativas de entender
o espaço a partir de múltiplos e móveis pontos de
vista, considerando o espaço na sua interação com
o usuário, em cinco dimensões – as três dimensões
físicas mais as dimensões de tempo e comportamento”.
Termina ela: “A Tecnologia da Informação,
se encarada em seu potencial de virtualidade, tende a deslocar o conceito
de espaço na arquitetura, de objeto tridimensionalmente construído
para objeto-evento interativo. A possibilidade de um novo paradigma não
abandona o desenho, a perspectiva, mas tende a considerar novas possibilidades
além da representação bi e tridimensional, tanto no
processo quanto no produto”.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
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