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Edição 094 - MAR/2001 

Arquitetura

Do terremoto à era da informação

Profissionais em todo o mundo repensam a sua atividade

Carlos Pimentel Mendes (*)

As notícias dos últimos anos sobre a destruição de edificações – e até cidades inteiras –, por terremotos e outras manifestações da Natureza, além das guerras, têm levado arquitetos de inúmeros países a repensar não apenas a base física das estruturas que criam, em termos de elas serem mais adequadas à perenização, como também a base filosófica, no sentido de redefinir o papel da Arquitetura face às transformações que estão levando a sociedade à Era da Informação. Assim, depois do terremoto físico, prepare-se: estão surgindo as bases para um verdadeiro terremoto cultural neste setor.

Um estudo que por algum tempo esteve disponível na Internet, nas páginas da Puc-Campinas, serve como fio condutor desta análise. No texto “A caminho de um novo paradigma na Arquitetura”, a autora Ana Paula Baltazar dos Santos começa lembrando que o conceito de Arquitetura nos séculos XIX e XX procurava absorver as demandas impostas pela revolução industrial, com ênfase na estruturação urbana promovida pelo uso dos automóveis. Nos últimos anos, outro tipo de demanda começou a se impor: a relacionada com as comunicações e a Tecnologia da Informação.

Página da conferência em Greenwich citada por Ana Paula
Sem alarde – Citando esse estudo: “O deslocamento da importância social de transportar o corpo para transportar o pensamento permite que se perpetue a mesma estrutura física das cidades, porém surgem algumas tipologias novas de edifícios e, principalmente, altera-se o valor funcional do edifício antigo. Tanto o edifício novo quanto o antigo passam a integrar um novo sistema social, que se sobrepõe ao sistema anterior sem substituí-lo. A arquitetura vem se adequando a tais demandas sem muito alarde, visto que pouco se altera visivelmente na estrutura urbana.”

Ana Paula registra que o simpósio Greenwich 2000 – Digital Creativity: Architecture, Landscape, Design, ocorrido na Inglaterra em fins de 1999, permitiu uma significativa amostragem do debate em torno de diversas iniciativas atuais relacionando Arquitetura e Tecnologia da Informação.

Um dos projetos de Lebbeus é dedicado à reconstrução de Berlim
Lebbeus Woods – Um dos trabalhos mais interessantes colecionados pela pesquisadora é o realizado pelo norte-americano Lebbeus Woods, diretor do Instituto de Investigação para Arquitetura Experimental, uma organização não lucrativa fundada em 1988. Um grupo de alunos da Escola Técnica Superior de Arquitetura de Valência, na Espanha, preparou um bem-humorado site Web em espanhol que expõe com “impressionantes” ilustrações conceitos de Lebbeus Woods como Arquitetura/Anarquitetura, Heterarquia, Espaço Livre e Centricidade, através de projetos experimentais como as zonas livres de Berlim e Zagreb, a zona desmilitarizada entre as Coréias do Norte e do Sul, ou Paris Aérea.

Para Lebbeus, o papel da Arquitetura não alcançará sua plenitude enquanto os arquitetos não aceitarem que sua atividade vai além do controle das mudanças, chegando à própria invenção das mudanças: “A Arquitetura é a suprema, a maior e a mais nobre atividade do indivíduo e sua civilização. Pois reúne as Ciências e a Filosofia”. Entretanto, “a Arquitetura atual é lenta em aceitar o novo, especialmente quando é perigoso, e busca apoio na Arte, que nos protege e nos acomoda. Teme a Ciência, que elimina falsos consolos e comodidades proporcionados por ordens e formas clássicas. Para isso, estabelece um diálogo social, pessoal e político com a Tecnologia. Já a Arquitetura Experimental deve ser habitada de forma experimental. Habitar não é um ato simples e passivo, mas complexo e dinâmico, uma luta entre o indivíduo e as condições que o rodeiam.” Quanto à beleza, nos projetos de Lebbeus tem uma característica existencial e de busca contínua, sem a pretensão de ser eterna ou universal.

Ele propõe que a Arquitetura avalie a partir dos extremos os problemas centrais do ser humano, como cita Ana Paula: “Considerando condições extremas tais como guerra e terremoto, propõe uma mudança estrutural radical na Arquitetura, a fim de adequá-la as condições reais a que se expõe, tanto no caso da reconstrução,   onde acredita que a cicatriz é elemento essencial a ser considerado, quanto no caso da construção, onde propõe que a forma seja repensada contextualmente segundo as condições extremas a que o edifício será exposto. Tal proposta implica na concepção do edifício não apenas como corpo sólido com função de abrigo mas, principalmente, com função de comunicação, seja através da cicatriz enquanto memória, seja através da estrutura que antecipa o contexto”.

Destacam por sua vez os estudantes valencianos que “Lebbeus relaciona cultura e política, coisa que muitos arquitetos evitam, já que mantêm a estrutura de autoridade representada pelas instituições políticas e econômicas que os financiam. Estes arquitetos se consideram criadores, quando não são mais que executores de uma ordem física e social determinada por estas instituições, em que pese ser algo regressivo e opressivo arquitetônica e socialmente. Lebbeus sonha com o povo universal, visto como uma comunidade artística e artesã, unido entre si por avançados sistemas de comunicação, crendo na reconstrução do mundo, já que o mundo é instável”. 

É neste sentido que ele se refere a Anarquitetura e Heterarquia: enquanto os profissionais convencionais se baseiam nos conceitos de hierarquia (o melhor exemplo é a pirâmide, em que o vértice sempre domina a base, a autoridade está no vértice, que domina toda a estrutura, não importa seu tamanho), Lebbeus busca uma arquitetura de rede, em que múltiplas pirâmides possam coexistir num mesmo espaço, mudando continuamente, a partir de indivíduos autônomos (“Cada habitante é uma cúspide situada no final, um ponto de origem pessoal”) ligados entre si pela rede de comunicações.

Em relação aos conceitos de espaços e zonas livres, os estudantes espanhóis analisam os conceitos de Lebbeus: “A auto-transformante Freezone urbana se opõe à monumentalização de instituições culturais que convertem as cidades em parques temáticos. Freespace encarna uma nova concepção do espaço e de uma nova forma de conhecimento através da experiência aberta a uma interpretação individual”.

Novas tendências – Outros pesquisadores são citados no trabalho de Ana Paula, como Bernard Tschumi, que “desenvolve o conceito de arquitetura como evento, Imagens passam o conceito da teoria de Lebbeus, na página dos estudantes espanhóispropondo que a arquitetura seja definida dinamicamente através dos acontecimentos, promovendo o evento e não a forma, ou seja, o que importa realmente é o movimento do corpo no espaço, e isso está diretamente relacionado à possibilidade de uso do espaço em tempo real.”. Tschumi projetou as instalações da Escola de Arquitetura Marne-La-Vallée (próxima a Paris) e participou da criação das interfaces de ligação da estação ferroviária de Lausanne, na Suíça. Seus conceitos podem ser conhecidos na página http://www.tschumi.com/.

Richard Coyne, que tem página em http://www.caad.ed.ac.uk/~richard/, debate - em seu novo livro “Technoromanticism: Digital Narrative, Holism and the Romance of the Real” (Tecnoromanticismo: Narrativa Digital, Holismo e o Romance do Real”) – o legado romântico em que se baseia o discurso da tecnologia da informação, propondo um novo olhar a partir dos pontos-de-vista surrealista, fenomenológico e psicanalítico, buscando entender as implicações da tecnologia da informação na arquitetura e no design. Outro autor destacado pela pesquisadora de Campinas é William Mitchell que, no livro “E-Topia: Urban Life Jim – But Not As We Know It”, avalia a base estrutural do espaço físico e o impacto da tecnologia da informação, argumentando em favor da extensão das definições de arquitetura e urbanismo a fim de abranger tanto espaços físicos quanto digitais.

Ana também cita Kas Oosterhuis e Ole Bouman, que apresentaram o projeto transPORT 2001, “um pavilhão virtual e centro de visitas interativo para o porto de Rotterdam, onde todo o edifício existe em função da informação e da relação do usuário com a informação. Propõem a investigação da relação Arte, Media e Arquitetura apontando para o que eles chamam de Moving-Behaviour, um edifício dinâmico, cuja estrutura dilate e encolha de acordo com o uso”. Sua página Web – que usa Macromedia Flash 5 - está em http://www.oosterhuis.nl/.

Marcos Novak (página Web em http://www.centrifuge.org/marcos/), pioneiro da arquitetura do mundo virtual, é citado por Ana Paulo porque “propõe a arquitetura líquida, transfísica como espaço arquitetural autônomo, discutindo a possibilidade da substituição do ponto de vista único, panopticista, pelo pantopicismo (pan+topos), ou seja, permitindo diversos pontos-de-vista simultâneos”.

Ela destaca enfim o artista Stelarc (página Web australiana em http://www.stelarc.va.com.au/), que apresentou em 2000 o projeto performático Movatar, no evento Cyberculture in Cities: “através de diversos sensores conectados em si mesmo respondendo ao movimento do avatar (representação do corpo on-line) correspondente, disponibiliza o próprio corpo para ser manipulado remotamente por diversos internautas, invertendo a metáfora da arquitetura como corpo, considerando o corpo como arquitetura, o lugar para abrigar diversas intervenções através da tecnologia da informação. Considera a arquitetura uma questão de interação e não de representação ou controle”. 

Stelarc explora e estende em seu trabalho o conceito do corpo humano e seu relacionamento com a tecnologia através de interfaces homem/máquina, incorporando a Internet e a Web, som, música e vídeo e computadores.

Stelarc trabalha a arquitetura em seu próprio corpo
Impacto –  Concluindo o estudo, Ana Paula observa: “Todas essas investigações têm em comum a busca de uma nova maneira de ver e produzir Arquitetura. Fica claro o potencial de impacto da Tecnologia da Informação na Arquitetura e, principalmente, começa a despontar a possibilidade de uma mudança de paradigma: a inclusão do tempo no processo e no produto, a forma dando lugar  ao evento, a interação real entre edifício e usuário, a dinâmica substituindo a estática, a Arquitetura abrangendo o real e o virtual. 

“Enquanto a perspectiva, paradigma da Arquitetura na era moderna, entende o objeto a partir de um ponto de vista singular, projetando as três dimensões do espaço bidimensionalmente, começam a surgir novas alternativas de entender o espaço a partir de múltiplos e móveis pontos de vista, considerando o espaço na sua interação com o usuário, em cinco dimensões – as três dimensões físicas mais as dimensões de tempo e comportamento”. 

Termina ela: “A Tecnologia da Informação, se encarada em seu potencial de virtualidade, tende a deslocar o conceito de espaço na arquitetura, de objeto tridimensionalmente construído para objeto-evento interativo. A possibilidade de um novo paradigma não abandona o desenho, a perspectiva, mas tende a considerar novas possibilidades além da representação bi e tridimensional, tanto no processo quanto no produto”.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.