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Edição 094 - MAR/2001 

Aventura

Do Alaska à Terra do Fogo 

Foi nos tempos de faculdade, quando estudava Agronomia na Universidade de Taubaté que Hamilton Duarte descobriu o “cicloturismo”, ou seja, a viagem utilizando a bicicleta como meio de transporte. Ele já fazia trilha com moto em Minas, quando ia passar uns tempos nas terras do pai, em Lambari. E descobriu, no passeio de um dia, não só a liberdade de pedalar por lugares desafiadores e chegar a outros pouco acessíveis, como também o registro da experiência através das fotos.

“Conversando com os colegas soube das duas coisas ao mesmo tempo e vendo as fotos descobri que era aquilo que eu queria fazer, trabalhar numa coisa que me desse prazer. O engenheiro agrônomo tinha surgido porque precisava escolher um curso de terceiro grau, mas depois do primeiro passeio, levando uma velha Pentax que peguei em casa, senti que o caminho era esse”.

E Hamilton Duarte foi longe. Viajou durante dois anos do Alasca à Terra do Fogo, registrou os 30 mil quilômetros que pedalou e outros que andou a pé em 300 rolos com 36 fotos e mais 10 mil fotos digitalizadas. Transformou tudo num livro, com 140 páginas e 222 fotos.

O cicloturismo começou com pequenas viagens pela Serra da Mantiqueira, partindo de Campos do Jordão – “porque era de lá que meus amigos custavam sair” – rumando para o sul de Minas, ampliando as rotas. Primeiro, as de um dia, pedalando entre 60 e 140 km. Depois as de dois dias, com média de 200 km. 

As viagens foram aumentando e quando estava no Chile, na Carretera Austral, em 1995, cruzou com ciclistas de várias partes do mundo, inclusive um canadense que tinha vindo do seu país, utilizando a bicicleta. Foi quando a vontade de conhecer todos aqueles lugares que via nas reportagens de foto-paisagem ganhou corpo. “Se ele pode, eu também posso!”

Nessa altura, o encontro com uma velha amiga, jornalista, foi providencial. Débora von Jess, assessora de imprensa, o ajudou a formular o projeto que “nasceu primeiro na idéia. Fui vendo onde queria passar, o que queria ver de perto e registrar, pesquisando clima, condições etc. Inclusive programando para começar num verão, porque queria partir do Alasca e no inverno seria impossível, e chegar também no verão na Terra do Fogo, pela mesma razão.”

Débora ele reencontrou em 97 e com ela fez seu book de fotos e também todo o plano para tentar conseguir o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet. Durante seis meses ele enviou documentos e acompanhou a tramitação do processo.

“Nesse meio tempo comecei a buscar patrocínio, primeiro no Rio de Janeiro, depois em São Paulo, Santos e finalmente Cubatão. É impressionante o que muda quando você tem aprovação definitiva e o número da Lei Rouanet. Primeiro eles olham prá você assim. Depois, quando vêm que podem abater o dinheiro investido tudo muda.”

E foi em Cubatão que ele conseguiu o apoio que precisava, a Carbocloro e a Ultrafértil bancaram, financeiramente, todo o projeto. “Só que foi uma loucura, o dinheiro só saiu dois meses antes da partida. Eu tinha decidido que com apoio ou não ia fazer, vendendo tudo o que tinha, carro, etc., menos a bicicleta, é claro. Mas aí consegui também os apoiadores. A KHS me deu a bicicleta e o Cicle Club aparelhou, a MTD House me forneceu o laptop para que pudesse me comunicar e ver as fotos digitalizadas. Também tive apoio do Memorial Ecumênico, da Universidade Santa Cecília que me deu o site e a manutenção dele, através do qual me correspondia com muitas pessoas e recebia o apoio de outras tantas. E a Foto Café e Cia. ia recebendo e revelando os rolos de filmes, inclusive me orientando como estavam ficando, o que era bom, o que precisava ser melhorado. Sem ser as digitalizadas, nesses dois anos não vi um cromo.”

A viagem começou em 1º de julho de 1998, em Anchorage, no Alasca, e terminou no dia 21 de fevereiro de 2000, em Ushuaia, na Argentina. Todos os acontecimentos foram registrados no diário de bordo. “Os detalhes fundamentais eu anotava todos os dias, e as descrições juntava dois ou três dias, quando tivesse mais tempo ou mais conforto.” Para Hamilton, nada foi difícil, a não ser a passagem pela América Central, onde o risco, a vulnerabilidade, eram maiores. “Vi ciclistas que tinham perdido tudo, uma perua parou ao lado deles, os obrigou a parar também, pegou a bicicleta, colocou dentro e foi embora deixando o sujeito a nada. Esse o único medo, afinal não era apenas a bicicleta, mas todo o equipamento que carregava, de computador a máquina fotográfica.”

Por vezes ele fez caminhadas a pé, deixou o meio de transporte numa pensão e foi fotografar o que queria ver, como no Peru, a pé. Dormia na barraca, por vezes em pensões.

“As pessoas sempre te acolhem bem, principalmente se você está com bicicleta, parece que eles sentem de cara as suas intenções. Encontrei pessoas com as quais pedalei durante algum tempo, tanto do continente americano como do europeu, aliás estes são muitos. A maioria homens, mulheres só quando estão acompanhadas por homens, acredito que por segurança”, finalizou.

Imagens da viagem foram reunidas num livro com 140 páginas e 222 fotos
“Paisagens alucinantes e surreais” - De Anchorage, no Alasca, rumou para o Canadá, no estado de Yukon, com pouca civilização, muita vida selvagem, 20 horas diárias de luz, estrada excelente, passando por parques nacionais, reservas indígenas, lagos coloridos e glaciares. Até Salt Lake City Hamilton teve a companhia de Débora, que a falta de prática desistiu, e ele continuou pelas Montanhas Rochosas, Grand Canyon e costa do Pacífico. 

Dos Estados Unidos foi para o México e sentiu a lationamericanidade, o calor humano, mas em compensação seu pedido de visto por um mês foi negado e ele teve de desviar das barreiras alfandegárias em sua trajetória. “Mas é um país maravilhoso, povo bom e hospitaleiro, belezas naturais incríveis e, de quebra, sítios arqueológicos e marcas da cultura hispânica.”

Do México foi para Belize, o trecho mais assustador pela miséria e a convulsão social. Todo o trecho central ele trafegou com um ciclista norte-americano. Costa Rica foi um oásis nessas tensões, mas a Colômbia, na entrada do continente, voltou a trazer a intranqüilidade que Rondônia, sua porta de entrada no Brasil, trouxe inclusive a tranqüilidade de voltar a falar português, depois de mais de um ano de viagem.

Atravessou as reservas indígenas sem parar, para evitar o risco da “onça pintada” sobre a qual as histórias eram assustadoras. De Manaus rumou para Cuiabá, deixando a floresta tropical definitivamente, rumou para o Pantanal, saindo do Brasil depois de Corumbá, rumo à Bolívia, Santa Cruz de La Sierra, uma rota de 600 quilômetros com muita areia e pedras, calor escaldante e poucos povoados. O Peru não estava na rota inicial, mas Hamilton estava adiantado e cansado do ultimo percurso, então só com mochila e máquina fotográfica, foi para o altiplano andino, passando pelo Lago Titicaca, Cuzco e Machu Pichu. 

A rota continuou pelo Chile, Paraguai, o deserto mais seco do mundo, Atacama, que o obrigou a carregar inclusive água, elevando o peso da bicicleta para 80 kg, “foi o lugar mais difícil de pedalar, em compensação as paisagens mais alucinantes e surreais que jamais vi.” Foi à Ilha de Páscoa, passou pela estrada Pan Americana, chegou até Perto Monta, depois a passagem pela Patagônia, a Rota 40 que chega a ter ventos de 120 km horários, e finalmente Ushuaia.