Bissilábica como o próprio nome do país, a bola foi, por muitos anos, o instrumento não
musical motivador de um dos mais lindos balés silenciosos da face da Terra, o futebol brasileiro. Jogar, aliás, na
maioria das línguas ocidentais, quer dizer também tocar (um instrumento): spielen em alemão, play em inglês
ou jouer em francês. Mas, spielen, play ou jouer quer dizer
também brincar nessas línguas. E se o futebol nasce no Brasil como brincadeira de gente humilde em praias e várzeas com
bola de meia, ele não perde esse espírito também quando se joga "p'ra valer". Manipular com os pés a bola tentando ludibriar o
outro, fingir que se passa p'ra lá mas joga p'ra cá, insinuar que vai chutar mas a segura, enganar com o olhar e com um toque de
calcanhar desviar a bola desnorteando a todos, é ou não uma forma de brincadeira?
Mas, com o tempo, essa brincadeira vira outra forma de expressão da alma humana. Vira paixão.
Nas relações humanas a paixão quase sempre se transforma em outros sentimentos - em amor, amizade, convivência pacífica e, às
vezes, até em ódio. No futebol não. A relação passional do torcedor com o seu time não só permanece inalterada, como, ao
contrário, quando ele perde, e ele sofre, ela cresce.
Essa relação deixa de ser, portanto, a daquele que participa de uma brincadeira e sim de uma
relação afetiva. E não há maior demonstração de afetividade brejeira que a forma como os grandes jogadores da história eram
chamados.
Se na Europa os ídolos da bola são tratados pelos sobrenomes - Beckenbauer, Rossi, Zidani
(parecem nomes de empresas!) - nosso carinho por esses artistas os apelidava, como o próprio nome do país ou o seu instrumento
de encantamento, a bola, bissilabicamente: Zico, Dida, Dodô, Edu, Mané, Didi, Nonô, Dadá, edu, Pepe, Tide, Zinho, Vavá, Fiu,
Zezé ou, como o rei-dos-reis: Pelé.
Mas os tempos mudaram. O Brasil, o país pobre mais metido a besta do mundo, começou a achar
que p'ra ser "globalizado", "civilizado" ou "primeiro-mundista", tem que importar cacoetes verbais de grandes nações.
No seu supermercado, por exemplo, não tem mais a seção "Reclamações" e sim "Ombudsman". O
locutor esportivo, que ouvi ontem, não falava "melhor de três" e sim em play-off. No botequim da favela Paraizópolis aqui
perto de casa - onde mais da metade do pessoal mal sabe redigir o próprio nome - não tem mais "serviço de entregas" e sim
delivery.
Voltando ao nosso balé da bola, presenciamos agora as afetuosas expressões bissilábicas que
identificavam gênios, artistas do palco verde, malabaristas que faziam o mundo morrer de inveja, também serem substituídas,
depois que a cartolagem dele se apossou, industrializando-o e até gerando Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) mutretadas.
Hoje, na era dos "atletas", não tem mais Zico, Dadá ou Pelé e sim Ewerthon (com "w" e "th"),
Whashington, Robert, Emerson, Wagner, Cris, Kleber, Müller, Waderley, Anderson, Alex, Roger etc.
Só que, apesar dos nomes "shakespearianos" que ganharam, esqueceram como se joga. Perderam e
vão continuar perdendo para os países com o pior futebol do mundo em tristes "peladas" que a gente fica torcendo p'ra acabar
logo.
Ah!... Com apenas duas sílabas, a gente era feliz e não sabia... |