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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Endemia nacional: corrupção generalizada
"De tanto ver
triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto."
(Ruy Barbosa)
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Luiz Otávio de Oliveira Amaral (*)
Tal qual uma infecção generalizada que mata por falência do
organismo, a corrupção está matando nosso País. As partes ainda sãs de nosso organismo nacional não conseguem sequer enfrentar a
decomposição moral, rápida e paulatina, do Brasil. É bem este o quadro geral do doente chamado Brasil, e esconder a gravidade desta
doença só contribui para seu alastramento. A corrupção é a doença que mais ameaça o Brasil, mais que a Aids, que o infarto, que o
câncer, que os traumas violentos. A degradação moral já matou muitos Estados (cf. Grandeza e Decadência dos Romanos, de
Montesquieu).
Corrupção (do latim corruptio = alteração, movimento substancial para a destruição da
substância...). Para Aristóteles corrupção é mudança que vai de algo ao não ser desse algo, que vai da substância ao não ser da
substância, que vai na direção da especificação oposta; ou seja, mudança que nega a razão de ser de algo. É a destruição, a
dissolução, por oposição à força produtora e à criação (cf. Metafísica). O que corrompe, destrói, provoca o não-ser do ser
corrompido. Assim, a corrupção é o mal social maior porque destrói, anula a própria sociedade; daí sempre ter sido essencialmente um
crime em toda e qualquer civilização.
Corrupção não é apenas a infração ao dever funcional praticada pelo agente público (político
ou administrativo). Não é só o suborno, a taxa de urgência, o chocolate/a falsa simpatia nos balcões para obter pronto atendimento.
A corrupção exteriorizada (em ato) costuma proceder de corrupção bem mais ampla e no mais das vezes interna (antecede o ato/a
prática). Antes de ferir o patrimônio público ou particular, a corrupção degrada os valores íntimos de cada um, relativiza os
costumes e a cultura da virtude, anulando, pois, os pilares, os princípios (estrelas-guias da jornada humana) que mantêm a sociedade
elevada e digna de seu próprio orgulho. Tal degradação moral começa por pequenas concessões, pequenas inversões axiológicas em nosso
dia-a-dia e prossegue corroendo o homem e sua sociedade. É, precisamente, a tolerância de pequenos vícios, já na vida privada, que
prepara a aceitação das grandes corrupções na vida pública.
Com efeito, o estudo da república (res = coisa + publica = coisa pública),
coisa de todos) romana é bem ilustrativo: quando os interesses privados passaram a sobrepor os públicos, a decadência do Estado
romano (cidade-Estado = civita) teve início. Vale dizer, é porque perdeu-se o espírito cívico e ético que se pode assaltar os
cofres do Estado e subordiná-los a interesses menores.
Quadro - Um quadro célebre de Jacques-Louis David, o pintor da Revolução Francesa,
"Os Litores levam a Brutos os corpos de seus filhos" (1789) estampa bem a modelar república romana, vista pelos revolucionários
franceses. O cônsul Lúcio Bruto (não o confundamos com o matador de César) mandou executar seus filhos que conspiravam para
restaurar a monarquia; na tela, percebe-se o desespero das mulheres da casa e à frente, o rosto do cônsul demonstra todo seu
sofrimento. Sofre como pai que perde os filhos, mas sabe que a república romana exige e merece tal dor privada...
Costuma-se dizer que a corrupção material é o recebimento de qualquer vantagem para a
prática ou a omissão de ato de ofício e corrupção moral, a que precede à material, porque é óbvio que ao receber a vantagem já
ocorreu no corrompido a deterioração de qualquer princípio de moralidade pessoal ou funcional. Tanto uma como outra pode assumir
forma ativa e passiva, porque também quem oferece a vantagem indevida já não apresenta nenhum princípio moral. A corrupção moral
abrange também a corrupção de costumes, a falta de caráter particular ou nacional, o desleixo administrativo ou governamental, a
falta de solidariedade num grupo humano, a indiferença pela sorte alheia ou pelos interesses públicos, a tolerância condescendente
de superiores às falhas dos subalternos, filhos e tutelados.
Exemplos - Há corrupção na política, na polícia, na justiça, na administração
pública, na educação, nas diversões públicas, na família, na economia, no Direito (a rigor no anti-Direitro), nos medicamentos, nos
discursos/argumentos pseudo-científicos, nas igrejas, nas atividades empresariais...
Na política, fala-se de compra de apoio e de voto, e as leis daí decorrentes e impregnadas
de faz-de-conta? Na polícia, a principal corrupção é a perda da própria da razão de ser. Na Justiça, a CPI específica já
demonstrou casos pontuais, mas gravíssimos de corrupções explicitas (que ofendem a razão de ser e os Códigos legais): a corrupção
dos melhores é a pior corrupção! Na Administração Pública em geral, já é quase crônica (inclusive na mais desenvolvida cidade do
País) a prostituição dos que ganham para defender o interesse público; por outro lado, o nepotismo é descaradamente explicado,
jamais justificado.
Na educação, já é quase cultural a deturpação da aprovação garantida em troca da simpática
receptividade da galera; o mérito intelectual cedeu lugar a quase tudo, inclusive ao mérito do politicamente
correto (esperteza política ou mercantil na escola!); aqui retomo um conceito que usei há anos ao tratar da crise do
ensino jurídico, ou seja, o de “pacto da mediocridade”, que bem sintetiza esta corrupção consentida e que nos remete à
Nietzche: “A mais comum forma de estupidez humana é esquecer o que a gente está tentando fazer". Há corrupção nas diversões quando
baixa-se o nível cultural para se alcançar a maior audiência.... Há corrupção em certas estatísticas, nos discursos em geral, nas
promessas, nas propagandas (inclusive as governamentais), quando promessas vazias, quando lastreadas em reserva mental (sabe-se de
antemão da mentira anunciada/prometida).
Na família, o exemplo edificante tem sido o de que os meios justificam os fins, é
melhor ter do que ser; o honesto por princípio já tem forte concorrente: o honesto que convém aos ganhos. Na economia, a corrupção,
dentre outras, é por conta da imunidade (ou impunidade sonegatória) da fortuna, enquanto o salário paga (sequer tem a mesma chance
de sonegar) e não pouco ao Estado. No Direito, deturpa-se teorias e teleologias para agasalhar interesses inconfessáveis (vide a
falência da falência, do processo de execução, sempre menos favorável ao pobre que ao rico, tudo com ares de justiça e boa técnica
jurídica). Há, ainda, a corrupção argumentativa, por exemplo, sobre a globalização (globaliza-se o interesse do Primeiro Mundo em
detrimento da economia e do povo do resto do mundo). Corrompe-se até a fé: grandes milagres, só com grandes dízimos.
Há corrupção, quando grandes empresários usam a Justiça e o Direito para fugir aos seus
deveres sociais e às condenações judiciais (poucos pagam seus débitos judiciais sem tripudiar sobre a dignidade da Justiça). Há
corrupção, quando advogados se apequenam em subserviência geral aos que lhes devem prestar o serviço público por dever funcional.
Conseguimos ignorar a alastrada corrupção de nossa língua pátria, aceitando infantilmente o colonialismo anglo-americano (mais
americano que anglo) e o que é pior, esta violência ocorre menos pela forca da metrópole e mais por chique inversão (por
exemplo: finais por “play off ... ” ), tal nossa fraqueza cultural.
Pior - Nossa corrupção é mais grave que a dos demais povos porque em alta taxa e
porque já dominou partes do sistema defensivo, já corroeu os princípios, baluartes do sistema de defesa, já depauperou a crença nos
remédios e na esperança de dias melhores para quem não aderiu ao vale-tudo moral. O relativismo moral, a moralidade light (a
corrupçãozinha diária do deixar pra lá...) já é a corrupção primária, que já devia levantar a indignação social.
Por que será tão difícil a penalização exemplar de nossos corruptos assumidos e
identificados? Antes ao contrário, são eles colunáveis e até benquistos na comunidade doente. Os valores morais (impessoais e
supra ordenados) devem valer, contra todos, por si mesmos, independente da pragmáticas adotadas. Nenhum outro interesse pode afastar
o valor moral da ação humana, este é o ponto que dignifica e distingue o homem do animal.
Na dúvida acerca do valor moral a orientar a ação, cabe-nos indagar sobre os fins desta ação
e aí saberemos o que é mais eticamente relevante e o que menos nega a razão de ser desta própria ação. Sucede que, amiúde, a tão-só
explicação da ação não basta, ela há sobretudo de ser justificada, ou seja, eticamente consistente.
UTI - O doente “Brasil” precisa e com urgência de UTI, de um programa de tratamento
asséptico, do tipo tolerância zero, contra a infecciosa corrupção, não importando de que tamanho ou de que potencial maligno. Toda
corrupção, todo desvio moral será alvo da mais firme e suasória reprimenda, já nos meios de comunicação social (depuração ética na
programação diária), já na ação política (macroética) e até na responsabilidade sócio-política dos pais de família (microética);
enfim tudo e todos devem ser convocados para salvar da morte, por traumatismo moral, o Brasil.
Quanto mais cedo começarmos, mais depressa debelaremos o mal. Não podemos continuar sendo
uma grande pizza da qual cada um tira um ou mais pedaços. Um novo projeto de educação, de civilidade, uma nova escola (a paideia e a arete dos gregos clássicos são conceitos que merecem ser revisitados).
Não podemos mais continuar impassíveis diante do triunfar de tanta e de tão variada gama de
corrupção (negação da razão de ser), nossa identidade enquanto nação exige que revertamos o quadro atual que faz muitos terem
vergonha da honestidade, estimula a devassidão e a falta de virtude por princípio. Ruy Barbosa, já no inicio do século, advertia o
Brasil para este mal nacional.
Ou o Brasil acaba com a corrupção (em todo o seu espectro), ou a corrupção acaba com o
Brasil...
Por outro lado, a eticidade por princípio, que há anos defendemos, deve passar longe do
risco do moralismo farisaico, do cinismo do discurso ético (utilitarismo ético) sem a respectiva prática diária. Todavia, por
recearmos a corrupção desta prática da ética, não podemos admitir a corrupção inversa da ética alguma (por temor ao nacionalismo,
caímos no desprezo absoluto pelo sentimento de nacionalidade, salvo em época de Copa do Mundo).
Já estamos nos dissolvendo enquanto nação. Já vendemos e perdemos muito de nós. Conseguimos
dissolver o nosso sadio orgulho patriótico, o sentimento de brasilidade (hoje há até vergonha/desdém de ser patriota, há uma
inabilidade sentimental com os nossos símbolos nacionais). Por ora, já estamos nos desfazendo do nosso patrimônio empresarial.
Dizia-se sobre Roma decadente: “Em Roma tudo está à venda” (Salustio, 86/35 aC).
Manter o Brasil e tê-lo para os brasileiros (manter, manu+tener = ter nas
mãos) vai ficando cada vez mais longe de nós. Só falta mesmo a cessão, em comodato, do povo brasileiro por algumas gerações, como
mão-de-obra barata. Depois disto, o Brasil será mero objeto da história: uma terra que, em se plantando, tudo daria; um país
abençoado por Deus, ... Há, por fim, corrupção no caráter, na personalidade de quem nada faz contra tal doença letal ao País.
Brecht tinha razão: o analfabeto político é o pior de todos, pois não sabe que de sua
ignorância ou omissão nascem o corrupto e o mal de sua vida privada. Disse, certa vez, Abraham Lincoln acerca da essencial
moralidade do advogado (mas extensível a todos): "Se no seu próprio sentir, não puder ser advogado honesto, decida ser honesto sem
ser advogado. Exerça outra ocupação, melhor do que aquela, em cuja escolha, de antemão, consente ser um velhaco". Ainda há tempo:
não sejamos velhacos!!
Brasileiros, uni-vos contra a dissolução do Brasil! Eis o pacto que precisamos, todos,
empreender.
(*) Luiz Otávio de Oliveira Amaral é advogado militante,
ex-professor de Direito na UnB e UDF, ex-diretor de Faculdade de Direito em Brasília. Atualmente leciona e é coordenador pedagógico
da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB). Foi assessor de ministros da Justiça e da Desburocratizarão/Presidência
da República. Autor de “Relações de Consumo” (4 volumes); “O Cidadão e Consumidor” (co-autor); “Comentários ao
Código Defesa do Consumidor", coord. Prof. Cretela Júnior (Ed.Forense) e “Legislação do Advogado”, MJ, 1985. Possui outras
obras e vários artigos publicados sobre Direito, Educação e Ética. |