Vigilantes da língua Movimento
santista abre guerra contra estrangeirismos que invadem o idioma nacional
JOÃO PAULO SOARES
Após um rápido coffee-break, o presidente da holding startou o
computador para conferir e-mails e arquivos atachados. Fez um download do que lhe interessava e
printou tudo. Entre as mensagens, encontrou ofertas de um magazine, que, numa fantástica on sale, anunciava
preços até 50% off. Fez um saque no personal bank e correu para o shopping, pensando em almoçar num
self-service. Como estava com pressa, decidiu voltar para o executive center, onde fica a sede da sua empresa. No
fim, encomendou uma pizza pelo sistema delivery e a saboreou com os managers do escritório, os mesmos
que, à noite, assistiram com ele à primeira partida dos play-offs do Campeonato Paulista de futebol.
O texto acima, com 17 estrangeirismos num total de 112 palavras (ou seja, 15%), seria
incompreensível há menos de uma década. Mesmo hoje, certas expressões são de difícil entendimento. Com exceção de shopping,
self-service e magazine, o resto é novidade. Novidades que vêm se instalando rapidamente no dia-a-dia do idioma e já
começam a incomodar quem enxerga nessa invasão yankee um perigoso atalho para a perda da identidade nacional. "Daqui a pouco, não
conseguiremos mais pensar em português", reclama Suely Torres, de 40 anos, uma das coordenadoras do Movimento Nacional em
Defesa da Língua Portuguesa (MNDLP), criado em Santos no fim do ano passado.
O movimento é inspirado num projeto do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B/SP) que tem por
objetivo proibir o uso abusivo de estrangeirismos no comércio, na mídia e até em instituições oficiais. Se aprovado, quem
insistir em fazer business, em vez de negócios, poderá levar muita de até 13 mil Ufirs, o equivalente hoje a R$
13.833,30. "Sabemos que a língua é viva, está sempre em mutação. Nossa intenção não é paralisá-la. Mas também não podemos
deixar que seja assassinada", explica Suely, vice-presidente do PC do B santista, assinalando que, apesar da ligação
partidária, o MNDLP não reúne apenas comunistas de carteirinha. "Tem jornalistas, advogados, professores, sindicalistas e
gente de vários partidos, até mesmo daqueles considerados conservadores."
A militante recusa o rótulo de xenófoba e admite que não faz sentido traduzir palavras já
enraizadas na cultura brasileira, como lnternet, shopping e compact disc. "Não dá para acabar com a invasão. Mas
podemos minimizá-la." Dentre as expressões que o movimento condena estão quase todas citadas no primeiro parágrafo desta
reportagem, em sua maioria ligadas à informática e à economia. Um dos objetivos do grupo é reunir esses e outros termos em um
dicionário, com as respectivas traduções. "Não custa nada usar apagar em vez de deletar, ou liquidação no lugar de
on sale, essa coisa horrorosa que a gente já vê em algumas lojas."
O comércio, aliás, é um dos principais focos de atuação do movimento - que tem ramificações
em várias capitais. Em Santos, os vigilantes da língua fazem pesquisas nas ruas e pedem a comerciantes que alterem cartazes,
faixas e até o nome de seus estabelecimentos, quando estes são escritos em inglês. Já tiveram sucesso em dois casos. O
levantamento detectou estrangeirismos por toda a parte e muitos absurdos, mas nenhum deles supera a placa colocada na porta de
uma casa, que alerta: "Danger! Beware of dog". Um aviso inútil para quem não sabe inglês, que corre
o risco de levar muitas mordidas antes de descobrir que atrás do portão se encontra o mau e velho cão bravo. |