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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Guarujá... em 1914-16

"...Uma confusa algazarra eleva-se desta festiva multidão..."

 

Publicada na edição de 17 de agosto de 1916 da revista quinzenal paulistana A Cigarra, páginas 41 e 42 da edição 48/Ano III (preservada no Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 25/10/2011), esta crônica permite sentir o clima de belle-èpoque de Guarujá em meio à Primeira Guerra Mundial, quando o lugar era uma vila edificada em madeira importada, num distrito de Santos, para descanso da elite paulista:


Imagem: página 41 de A Cigarra de agosto de 1916

De Guarujá

A praia está atulhada de uma alegre multidão de banhistas que formam grupos em torno às casinhas de banho, ou sob as barracas improvisadas às pressas. Alguns estacionam à orla do mar, entretidos a surpreender ao longe os contornos fugidios de embarcações que passam como que encostadas ao horizonte. Ouvem-se gritos agudos de mulheres, entrecortados de risadas, de alegres exclamações, vozes de homens, de mistura com o confuso clamor das crianças, a cada fluxo mais vigoroso da maré, que obrigue os despreocupados a recuarem de um salto.

Troles passam, carregados de gente, com uma leve trepidação em suas molas de madeira, ao passo cadenciado dos cavalos que caminham sem esforço sobre o terreno liso da praia, sacudindo alegremente as barbelas.

Carrinhos de um só assento deslizam silenciosamente pela areia úmida e firme, passeando casais de rostos risonhos, enquanto cavaleiros surgem a meio passo, outros a trote, alguns à desfilada, fazendo respigar a água da maré, sobre a qual os animais às vezes caminham. Bandos de crianças acocoradas no solo divertem-se, construindo montículos, figuras bizarras, com areia molhada que apanham aos punhados.

Uma confusa algazarra eleva-se desta festiva multidão, na qual sobressaem os trajes claros de linho, os calçados de pano branco, as boinas e as coifas de tecidos gritantes, destacando-se, às vezes, chapéus com plumas esvoaçantes, loucas desenfeitadas que encantam pela simplicidade, cabeças nuas que expõem com prazer à quentura do sol.

Por diante de nós vão passando pessoas conhecidas: - drs. Altino Arantes, Cardoso de Almeida, Eloy Chaves, Oscar Rodrigues Alves, presidente e secretários do governo do Estado; drs. Freitas Valle, José e João Rubião, Joaquim Chaes Ribeiro; famílias Alfredo Pujol, Villares, Puglisi, Crespi, Galiano, Gamba, Hime, Costa Ferreira, Almeida, Orr, Albert Lion, Hildebrand, Pinotti, Falchi, Monzini, cav. Pepe, Poyares, Hanaut, Pereira de Queiroz, Grumbach, Prado, conde de Queirollo, Assumpção, Souza Queiróz, Rubião Meira, Cerqueira Cesar, Attila Pereira, baronesa de Barros, João Emygdio Ribeiro etc.

O céu azul, ao alto, tem um brilho imenso de cetim que ofusca a vista: dos lados das matas a brisa nos tarz aromas penetrantes que se não definem bem: e tamanho é o encanto, o deleite que anda a pairar pelas areias que faíscam, pelo imenso lençol líquido que o sol polvilha de ouro, pelas verdes florestas escondidas nos socalcos dos morros, ou pelas pequenas planícies que florezinhas matizam, que se tem a vaga sensação de um longo beijo suspenso, esparso sobre todas as coisas.

Em cima, galgada uma pequena saliência arenosa, alonga-se o pavilhão do Petit Casino, com o seu largo terraço descendo para a praia, onde mesinhas redondas se alinham, rodeadas de cadeiras de palha. Numa dependência, quartos de banho abrindo para um longo e estreito corredor em que se veem toalhas dependuradas de cabides, roupas de banhistas, encharcadas, sobre bancos de pinho.

À esquerda, em canteiros orlados de relva, roseiras florescem entre palmeiras e samambaias, miosótis e violetas põem nódoas vivas entre o verde-gaio do musgo, plantas variadas desabrocham em botões cor de ouro, em campânulas jaldas, em corimbos vermelhos e brancos.

Alguns passos em frente, numa linha muito reta, ergue-se o Grande Hotel de La Plage, de formosa arquitetura, torrejado como uma catedral, com quatro andares servidos por elevadores elétricos e franqueados por imponentes escadarias de mármore; 120 quartos mobiliados com requinte apurado, fumoir, no qual amplas poltronas de couro solicitam com insistência os fumantes, salões de leitura, de palestra, com móveis raros, estatuetas de bronze sobre altos consoles, tamboretes, amparando almofadas de seda escarlate, paisagens pelas paredes deliciosamente pintadas a óleo, marfins e porcelanas sobre mesinhas de charão.

O Casino, ao lado, ocupando toda a ala esquerda do edifício, abre as suas claras portas de vidro para uma espaçosa varanda exterior de cujo teto abobadado pendem, entre os recortes da cornija, globos de porcelana fosca. O salão de dança, com o seu soalho liso como um tabuleiro de xadrez, onde mal se caminha sobre as tábuas escorregadias, oferece as suas quatro linhas de cadeiras, com frisos dourados, rente às paredes tingidas de azul, e, em cima, sobre um estrado, alegre pórtico, envernizado em branco, destinado à orquestra.

Sob o lustre, ao centro, debruçam-se flores de uma jardineira que um plinto sustenta. Salão de jogos, com grandes mesas de pano verde em que brilham fichas de madrepérola, outras menores, arredondadas, nas quais, entre dados e tentos de marfim, se entremostram baralhos de cartas; aparelhos para law-tanais, e pelas janelas em que se veem guarnições douradas, esvoaçantes cortinas de renda.

Às 10 horas da noite, digerido beatificamente o jantar, isso tudo encher-se-á de uma densa multidão palradora, na qual os curvos decotes deixando entrever a alvura veludosa dos seis túmidos, os colos lantejoulados de diamantes e pérolas, as luvas cor de nata fazendo realçar a brancura dos braços arredondados, os vestidos escorregadiços esboçando a plasticidade das formas impecáveis, as casacas superiormente talhadas, a finura dos gestos, a distinção galanteadora das maneiras fidalgas, constituirão um fino gozo espiritual para a nossa aguda sensibilidade de impenitentes sentimentalistas.

De quando em quando, a nota mais finamente aristocrática de uma festa de arte, como, recentemente, dois concertos, pelo doce pianista Bourguignon e deliciosa cantora Dumas, ou a elegância mais apurada de uma soirée ultra chic.

Além ou aquém do Grande Hotel de La Plage, chalés suíços, de madeira, pintados em vários tons, alinham-se entre canteiros e tufos de folhagem. Outros chalés arruam-se em fileiras verticais e, atrás, duas novas linhas dessas construções, enfrentando-se, fazem uma longa avenida, com engradamentos artísticos e jardins cuidadosamente lavrados.

São oitenta vivendas, pouco mais ou menos, pertencentes à Empreza do Guarujá, todas agora ocupadas em sua maioria por famílias de São Paulo.

De resto, o Grande Hotel tem estado repleto da melhor sociedade paulista.

Não há aqui talvez memória de estação de banhos tão intensamente movimentada como a deste ano.

Como estância balneária, Guarujá é, sem dúvida, a única praia no Brasil onde se vão adaptando costumes característicos, formas de vida apropriadas a esses meios hábitos encantadores que tornam a existência aqui, durante esses curtos meses de divertida vadiagem, uma festa contínua, e, o que é mais tentador, festa quase toda ao ar livre, em que não nos falta nunca, para animar-nos a alegria e equilibrar-nos os nevos, ao lado de seduções de salas em que fulguram elegâncias bizarras, a majestade acariciadora de uma natureza pródiga de incontáveis doçuras.

Como lugar de repouso e deleite, não conheço positivamente outro que melhor satisfaça à pesada lassidão de uns nervos esgotados, ou ao senso complexamente estético de um complicado bom-viveur.

Foi preciso, no entanto, que no Velho Mundo, pelas antigas cidades "atoladas em muitos séculos de civilização", andassem ruídos d'armas ou deixassem desesperados clamores de guerra, para que a nossa endinheirada elite se voltasse de súbito, num entusiasmo fumegante, para esta fresca ilha santista em cujos claros vergéis talvez outrora habitassem deuses e faunos, cujas vozes moduladas o mar agora ande a repetir…

Guarujá – Agosto- 1916
Carlos Riber


Imagem: página 42 de A Cigarra de agosto de 1916


"Instantâneos de distintas famílias e cavalheiros que atualmente gozam a deliciosa estação de banhos no Grande Hotel de La Plage. Fotografias especiais para A Cigarra"

Imagem: página 29 de A Cigarra de julho de 1914 (Ano 1/nº 7)

 


"Uma vista externa do Grande Hotel de La pLage, onde atualmente se encontram distintas famílias em estação de banhos" - "Pitoresco aspecto da praia do Guarujá, tirado especialmente para A Cigarra"

Imagem: página 30 de A Cigarra de julho de 1914 (Ano 1/nº 7)

 


"A Cigarra no Guarujá - Famílias e cavalheiros em passeio pela pitoresca praia, em uma linda manhã"

Imagem: página 21 de A Cigarra de 1º de agosto de 1914 (Ano 1/nº 8)

 


"A Cigarra no Guarujá - Instantâneo tirado especialmente para A Cigarra, em um dos pontos mais aprazíveis da pitoresca praia" - "Hóspedes do Grand Hotel de La Plage posando para A Cigarra"

Imagem: página 25 de A Cigarra de 1º de agosto de 1914 (Ano 1/nº 8)

 


"A Cigarra no Guarujá - Instantâneos tirados especialmente para A Cigarra, na bela praia de banhos"

Imagem: página 27 de A Cigarra de 1º de agosto de 1914 (Ano 1/nº 8)

 


"A Cigarra em Santos - Instantâneo da praia do Guarujá, à tarde, tirado especialmente para A Cigarra"

Imagem: página 10 de A Cigarra de 29 de agosto de 1914 (Ano 1/nº 9)

 


"Um grupo de alegres banhistas, na praia do Guarujá, em Santos, posando especialmente para A Cigarra"

Imagem: página 40 de A Cigarra de 29 de agosto de 1914 (Ano 1/nº 9)

 


"A Cigarra no Guarujá - Distintas senhoras paulistas em uma das dependências do Grande Hotel de La Plage"

Imagem: página 40 de A Cigarra de 29 de outubro de 1914 (Ano 1/nº 12)

 


"Sítios pitorescos - Vista da Praia do Guarujá, tirada pelo distinto amador dr. José de Oliveira Barros"

Imagem: página 9 de A Cigarra de 14 de setembro de 1915 (Ano 2/nº 26)

 


"Sítios pitorescos - Uma vista da Praia do Guarujá, tirada pelo distinto amador dr. José de Oliveira Barros"

Imagem: página 9 de A Cigarra de 16 de outubro de 1915 (Ano 2/nº 28)

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