J. Muniz Jr. [*]
Colaborador
O mundo vibra de alegria com o fascinante Carnaval, um
misto de realidade e fantasia, período em que os foliões celebram o majestoso reinado de Momo à sua maneira nas ruas e nos
salões, com uma alegria espontânea e imprevista, pois de acordo com o parecer de Paulo Barreto: "O Carnaval é uma expressão
pessoal, uma demonstração destacada da religião, uma prova do sentimento artístico..."
Com vestígios de cerimônias pagãs de uma antigüidade esquecida, o Carnaval surgiu de forma
grotesca, brutal, de uma mistura ruidosa e colorida de crenças, costumes e tradições de fundo místico, envolvendo o antigo
Egito e outras vetustas civilizações como a Grécia, Roma, China e a lendária Índia. Oriundo de rituais pagãos como as festas
em honra a Baco, Pan, Saturno e outros deuses e semideuses, mergulha as raízes de sua fantasia em recordações que se perdem
nas brumas do passado, recuado nos tempos mais remotos.
E, como por encanto, épocas perdidas ressurgem cheias de vitalidade e numa inversão do
mundo, o homem parece ter conhecimento histórico empírico. Enfim, as dimensões de uma cidade ou de um povo revivem toda a
tradição de um teatro espontâneo perdido.
Foi na Idade Média que a folia se expandiu numa verdadeira orgia, num delírio total e
loucuras coletivas. Um pandemônio! Na Itália da Renascença era uma festa de arte; na França, uma festa mística, extravagante e
irônica, como a debochada festa dos loucos, diante da Catedral de Notre-Dame, em Paris. Enquanto isso, na Espanha eram
realizadas Batalhas de Flores.
Sofrendo transmutações ao longo do tempo, tornou-se mítico, conquistando o mundo inteiro e
acolhendo até o irreverente deus Momo, que havia sido expulso do Olimpo e que, uma vez na Terra, incorporou-se de carne e osso
na figura soberba do Monarca da Folia, tornando-se o símbolo eminente do Carnaval brasileiro.
Também o galante Arlequim, palhaço das antigas comédias italianas; a graciosa Colombina e o
sentimental Pierrô passaram a figurar no Carnaval, aparecendo ainda na simbologia carnavalesca o misterioso Dominó,
contribuindo, assim, para imortalizar a grandiosa festa pelo mundo afora. Pelo menos, os famosos personagens, Pierrô,
Colombina e Arlequim, foram eternizados através de canções carnavalescas.
No século XV, durante as festas do carnaval romano, o papa Paulo II gostava de apreciar as
carruagens alegóricas que passavam diante do seu palácio, e, no reinado de Luiz XIV, o carnaval atingiu o seu esplendor na
França. O magnífico soberano promovia festas carnavalescas em sua corte, onde chegou a se apresentar ostentando uma
maravilhosa fantasia representando o Sol, ganhando então a pomposa denominação de Rei-Sol.
Nos séculos XV e XVI surgiram as máscaras públicas na Itália e já em fins do século XIX a
Europa se orgulhava de possuir os mais belos carnavais do mundo, festejados em Roma, Veneza, Colômbia (SIC: certo seria a
cidade alemã Colônia), Nápoles, Florença, Moscou, Munique, Lisboa e em outras cidades do Velho Mundo. O Carnaval tinha um
caráter diferente entre os povos europeus, era uma miscelânea e o delírio da folia envolvia a todos: nobres e plebeus.
Contagiando pelo seu humor e ritmo, sonho, fantasia, realidade e irrealidade, o alegórico
reinado de Momo se fixou em vários países e, de acordo com a opinião dos cronistas da época, era "leviano e licencioso", na
França; "quase triste", na Inglaterra; "monótono e feio", na Rússia; "pesado e sensual", na Alemanha; "tumultuoso e alegre",
na Espanha e "insípido e porco", em Portugal, através do Entrudo.
Nos tempos dos doges, o carnaval de Veneza era romântico e lírico, com serenatas e bailes
mascarados. A festa veneziana tornou-se mundialmente famosa pela exclusiva comemoração nos canais, onde navegavam gôndolas
iluminadas, além de contar com alegres arlequins, polichinelos e outros personagens da Comédia d'ell arte, que se
concentravam na Praça de São Marcos.
Os primeiros desfiles alegóricos de Viareggio, na Região Toscana, remontam ao ano de 1873,
transformando-se, com o correr do tempo, no maior centro carnavalesco da Itália, atraindo uma multidão de turistas para ver os
desfiles de bonecos gigantescos. Em Portugal, a tradição carnavalesca foi mantida durante muito tempo nos arredores de Lisboa,
cenário de corsos, batalhas de flores e do Zé Pereira, merecendo realce o carnaval do Estoril, com seus corsos floridos e
desfiles alegóricos.
Na Alemanha, predomina o carnaval de Colônia, às margens do Reno, onde foi coroado o
primeiro rei da folia em 1832, cuja atração é um desfile de enormes carões e mascarados. Em Munique também reina grande
animação, onde, segundo a tradição da Bavária, a rainha do carnaval recebe uma coroa de salsichas, além da distribuição
de muita cerveja para os seus súditos.
O carnaval de Luanda, em Angola, já teve o seu esplendor através de cortejos lembrando as
cortes africanas, enquanto que o carnaval de Bâle, na Suíça, é muito divertido. O de Binche, na Bélgica, vem do século XVI,
tendo como atração um fantástico cortejo de homens emplumados, iluminado por fogos de artifícios. Porém, o mais famoso
carnaval da Europa é o de Nice, com uma monumental parada de carros alegóricos e gigantescas figuras movimentadas. A dinastia
do seu Rei Carnaval vem de 1893, sendo que, em 1984, a majestosa festa carnavalesca da Riviera Francesa comemorou 100
anos. Até hoje é admirada e aplaudida pelas suas dimensões artísticas.
As Américas do Norte, Central e do Sul também integram o universo maravilhoso do Carnaval.
Nos Estados Unidos, o Carnaval de Nova Orleans é animado por grupos tocando o puro jazz. E, além do espetáculo visual
dos carros alegóricos, conta com dois personagens reais, o King Rex (espécie de rei momo) dos brancos e o Rei Zulu,
simbolizando a população negra através de personalidades como Luiz Armstrong (Satchmo), que liderou o setor do
personagem preferido de todos em 1949.
Em Trinidad e Tobago, no mar do Caribe, o Carnaval é colorido e espetacular, conservando
acentuada influência africana e chinesa, ao som do calipso tocado por bandas que desfilam pelas ruas, principalmente, em
Port-of-Spain, com foliões ostentando vistosas fantasias, lembrando guerreiros, sacerdotes e deuses africanos, bem como
mandarins e dragões da velha China.
O Carnaval brasileiro, trazido pelos portugueses através do brutal Entrudo, é uma das
importantes manifestações de nossa cultura popular. É considerado o "maior do mundo", uma festa de cores, ritmo e sensualidade
decantada em prosa e verso, principalmente no Rio de Janeiro, desde os tempos da Monarquia, embora a figura soberana do Rei
Momo tenha surgido em pleno período republicano, quando foi aclamado pelos foliões cariocas com a mesma saudação das bacantes:
- Evoé! Evoé!
Na concepção do cronista carioca Luiz Edmundo, "o carnaval foi sempre, entre nós, uma festa
da plebe, e da rua. Com zabumbadas, pandeiradas. Gaitadas. Gritos, Berrarias. Evoée! Desabafo grosseiro da massa. Ventura
desalinhada de almas impetuosas e rudes. Alegria reloucada e pagã..."
Atravessando várias fases e épocas, o Carnaval carioca ganhou fama e popularidade através
dos cordões, grandes sociedades, blocos e ranchos carnavalescos. E predomina até a época atual, com o ritmo batucado
proporcionado pelas monumentais escolas de samba, que apresentam o maior espetáculo audiovisual da Terra num delírio sem
igual, fenômeno consagrado mundialmente.
Mas, não somente a Capital do Samba, como outras cidades carnavalescas como Recife,
Olinda, Salvador, São Paulo, Florianópolis, Santos e tantas outras, continuam envolvidas pela fascinante magia do eterno Momo,
símbolo imortal da folia, conforme enfatiza Machado de Assis numa crônica carnavalesca de 1884: "Quando li que este ano não
pôde haver carnaval de rua, fiquei mortalmente triste. É crença minha que, no dia em que Deus Momo for de todo exilado deste
mundo, o mundo acaba. Rir não é só le propre de l'omme, é ainda uma necessidade dele. E só há riso, o grande riso,
quando é público, universal, inextinguível, à maneira dos deuses...".
Bibliografia:
Barreto, Paulo,
"Anatomia do Carnaval", Ilustração Brasileira, fev. 1925;
"Carnaval, a festa de
cada povo", Jornal do Brasil, 27/2/1974, Rio de Janeiro;
"Carnaval do jeito que
o mundo brinca", Jornal do Brasil, 10/2/1972, R. Janeiro;
"Carnaval: Lisboa/Estoril",
Notícia, 18/2/1967, Portugal;
"Célebres Carnavais:
Nice/Viareggio", O Jornal, 1/2/1974, Rio de Janeiro;
Edmundo, Luiz, O Rio
de Janeiro no meu tempo, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1938;
Eneida, História do
Carnaval Carioca, Ed. Civilização Brasileira, 1958, R. Janeiro;
"Já é carnaval no
Caribe", Manchete, s.d., Rio de Janeiro;
Louzada, Wilson,
Antologia do Carnaval, Em. Gráf. O Cruzeiro, 1945, R. Janeiro;
Mônica, Rector, "Código
e Mensagem do Carnaval", Rev. Cultura, MEC, Gráf. Alvorada, out/dez-75, Brasília/DF;
"Os belgas botam prá
quebrar", Manchete, 27/2/1982, Rio de Janeiro;
Muniz Jr., J, "As
Máscaras dos rituais do Carnaval", Cidade de Santos, 22/2/1981;
Sidro, Annie, Vive
le Carnaval!, RDP de Nice, 1984, France;
"Simbologia do
Carnaval", Diário de São Paulo, 24/2/1974, São Paulo.
[*] J.
Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de História e ex-membro da antiga Associação dos Cronistas Carnavalescos de Santos. Artigo
publicado no jornal A Tribuna de Santos em 23 de fevereiro de 1996. |