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A história da República, contada em 1939 (2)

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Na sua edição especial de 15 de novembro de 1939, comemorativa do cinqüentenário da Proclamação da República - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda -, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Floriano Peixoto, o "Consolidador da República", substituiu Deodoro da Fonseca na presidência
Foto publicada com a matéria

Quinze de novembro de 1889

Embora haja nas diversas narrativas sobre os últimos dias do Império e a proclamação da República, a 15 de novembro, uma aparente falta de unidade, chega-se hoje a estabelecer, o mais aproximadamente possível, como foi desfechado o golpe contra a combalida resistência do Império.

Parece fora de toda a dúvida a preponderância que teve para a concretização do movimento a última questão militar. Dois outros fatores de caráter militar, dentro do descontentamento que lavrava na classe, foram decisivos. Um deles foi a adesão do marechal Manoel Deodoro da Fonseca aos imperativos republicanos. Outro foi a atitude de passividade com que, contando com elementos para conjurar a extensão dos objetivos da revolta, o general Floriano Peixoto manteve, até o último momento, a confiança do governo, no posto de ajudante-general.

A simpatia pelo imperador no seio do Exército era muito fraca. D. Pedro era um rei demasiadamente civil. Há poucos retratos seus ostentando a farda de chefe das forças armadas nacionais. Seus pendores intelectuais iam todos para as atividades do espírito. E, embora tudo isto, não soube resistir, como lhe cumpria, às imposições dos porta-vozes das forças armadas, toda a vez que havia um conflito entre estas e o poder civil.

A questão Caxias ficou encoberta pela situação em que se encontrava o país, em guerra com o Paraguai, mas a solução dada anulou completamente o governo civil, diante da insinuação do generalíssimo. Daí o terem se aproveitado os republicanos para chamar para a sua causa o exército, na questão militar em aberto, entre o exército e o ministério Ouro Preto.

Sem dúvida que um elemento de ligação houve aí que preponderou, de uma forma por assim dizer absoluta. Esse elemento foi Benjamin Constant. O ilustre soldado doutrinara durante longos anos os seus discípulos nas idéias da República. Assumira atitudes indisfarçáveis, e afinal conspirou. A ele se deve a adesão de Deodoro, adesão que, às vezes, chega a se desvanecer, mas que acaba por coroar o fato consumado com a revolta da manhã de 15 de novembro, na decretação da lei n. 1 do governo provisório, instituindo a República no Brasil, na noite do mesmo dia. Pelo estudo da evolução dos acontecimentos, se é Deodoro quem institui a República, Benjamin Constant foi, sem dúvida, o seu principal fundador.

Detalhemos agora como se produziram os acontecimentos que culminaram a 15 de novembro, com a proclamação da República, a magna data nacional cujo cinqüentenário passa hoje.

Como se iniciou a conspiração - A conspiração republicana, atuando nas indecisões de Deodoro, iniciou-se e desenvolveu-se sob dois rumos: primeiro, diretamente, do exército, por intermédio do capitão de cavalaria Menna Barreto, que a 12 de outubro procurou em sua residência o marechal Deodoro e concitou-o a por-se à frente do Exército para vingar toda a sorte de vexames e de ataques que as forças armadas estavam sofrendo por parte dos políticos do Império, ou que se lhes afigurava sofrer.

Ao lado do incidente Carolino, a imprensa trabalhava, nesse agitado mês de outubro, entrando pelo de novembro, os ânimos da classe militar, veiculando notícias nunca confirmadas sobre os propósitos do ministério Ouro Preto, a fim de "restituir a disciplina ao Exército". Essas notícias abrangiam tudo. Circulavam apoiadas em alguns atos do governo, como a arregimentação da Guarda Nacional, o aumento das polícias militares da Côrte e da Província do Rio de Janeiro, o afastamento de alguns batalhões da capital, e até nos boatos da redução do efetivo do Exército e da dissolução do mesmo, conforme plano de Ouro Preto...

Além do capitão Menna Barreto, outros elementos, como os sobrinhos de Deodoro, republicanos convictos, continuavam trabalhando a sua vontade, dominada por um temperamento impulsivo. Entre esses destacou-se Clodoaldo da Fonseca. Entretanto, quatro dias depois da sua primeira visita com o objetivo de convencer o marechal, voltou à sua casa o capitão Menna Barreto, que se fazia acompanhar pelo tenente Sebastião Bandeira. Deodoro manteve-se, contudo, indeciso. Doente, sob os cuidados do dr. Gross, exasperava-se Deodoro com a situação de vexames por que passava o Exército, e que lhe era narrada em cores vivas pelos visitantes.

Entrementes, estes organizaram uma visita coletiva, a 17 de outubro, reunindo oficiais do 1º e 3º regimentos de cavalaria. Foi essa, porém, uma visita apenas de caráter prestigiador, pois entre as pessoas que se achavam na casa de Deodoro figurava o tenente-coronel Costa Guimarães, oficial de gabinete do ministro da Guerra. Nos jornais, porém, foi noticiada com alarde a manifestação de carinho feita ao enfermo.

Ao mesmo tempo crescia no Exército a onda republicana, por um intenso trabalho de aliciamento, de que se encarregavam Menna Barreto, Sebastião Bandeira, Manoel Joaquim Godolphim, José Pedro de Oliveira Galvão, Joaquim Ignácio do Espírito Santo Cardoso e outros oficiais e inferiores.

Deodoro pareceu aceder aos propósitos revolucionários-republicanos, quando da visita que lhe fizeram, a 30 de outubro, vários oficiais, entre os quais se contava o alferes-aluno Tasso Fragoso.

A esse tempo, Benjamin Constant, republicano de profundas convicções, fora procurado pelos oficiais que não tinham conseguido o apoio de Deodoro, para que o Clube Militar protestasse junto ao governo, pelo incidente entre Ouro Preto e Carolino, o oficial comandante da guarda do Tesouro Nacional. Benjamin falara-lhes claramente, apoiando-os, denunciando os intuitos do governo Ouro Preto, cujos esforços visíveis se dirigiam para a defesa do Império e a liquidação da corrente republicana...

Dias depois, Benjamin falou perante os oficiais chilenos do Almirante Cochrane, em visita à Escola Militar. Abordou então os conflitos que se produziam entre o Exército e o poder civil, fez considerações "tendentes a demonstrar a falsidade das acusações de insubordinados, dirigidas ao Exército e à armada nacionais", censurando, "em frases enérgicas, embora respeitosas, essas corporações militares". Achava-se presente nessa ocasião o ministro da Guerra, Cândido Maria de Oliveira.

Três dias depois, Benjamin era alvo de estrondosa manifestação na Escola Superior de Guerra, pela defesa desassombrada que fizera do Exército. No mesmo dia, os alunos da Escola Militar lhe dirigiram uma mensagem, sagrando-o como chefe da mocidade militar, conforme o apelo que lhe faziam: "Mestre! Sede o nosso guia em busca da terra da promissão - o solo da liberdade".

Novembro de 1889 - A 9 de novembro reunia-se, em sessão, o Clube Militar, para tratar do caso Carolino. Preside-a Benjamin, e depois de calorosa discussão, cabe-lhe ficar incumbido da solução do caso. Na missão implicitamente se continha a sedição militar de 15 de novembro.

À mesma hora que se deliberava isto, realizava-se o faustoso baile da Ilha Fiscal, em homenagem à esquadra chilena, que, conforme o Diário Official de 11 de novembro, foi "a festa mais notável e aparatosa de quantas se tem efetuado nesta cidade". As figuras mais representativas da Côrte, inclusive o imperador e sua família, assistiam a essa festa, enquanto 116 sócios do Clube Militar deliberavam acompanhar Benjamin à revolução.

Em São Paulo, nesse mesmo dia 9, reuniam-se Rangel Pestana, Adolpho Gordo, Campos Salles, Luís Pereira Barreto, Bernardino de Campos e outros, conferenciando sobre a conspiração, a qual era também do conhecimento de Prudente de Moraes, então em Piracicaba.

Dando os últimos remates à conspiração, Benjamin procurou Deodoro, expondo-lhe que a reação militar não ficaria apenas na mudança do Ministério. Iria além, exigindo a queda do império. Ao fim de suas hesitações, Deodoro exclamou, conforme narrativa posterior de Benjamin: "Leve o diabo o trono; estou às suas ordens".

Aristides Lobo informava, naqueles dias, São Paulo, do andamento da conspiração. Um telegrama de Campos Salles a Francisco Glycerio, em Campinas, dizia laconicamente: "Venha já".

Glycerio partiu sem tempo sequer de ir à sua casa buscar um pouco de roupa, o que pediu pelo telefone. Dentro de uma hora o trem partia. Chegando ao Rio, Glycerio, como representante dos republicanos paulistas, procurou Aristides Lobo. Preparava-se a reunião de 11 de novembro na casa de Deodoro da Fonseca, no campo de Sant'Anna.

Ruy Barbosa aderira ao movimento republicano, em conferência que tivera com Benjamin Constant e 9 de novembro. Fora ele o mais eficiente jornalista republicano, com a sua campanha pelo Diário de Notícias, depois reunida nos dois volumes da Queda do Império. Entretanto, era monarquista. A sua campanha fora toda movida por ter Ouro Preto recusado o seu plano federativo, motivo por que Ruy Barbosa não fizera parte do ministério.

A reunião de 11 de novembro é decisiva. Nela se dá a primeira aproximação de Deodoro com os chefes republicanos, e traça-se a diretriz política que a sedição deveria tomar.

Na noite de 11 de novembro - Encontraram-se na casa de Deodoro o chefe do Partido Republicano Quintino Bocayuva, Aristides Lobo, Francisco Glycerio, Ruy Barbosa, Benjamin Constant e o coronel Solon Ribeiro. Deodoro ainda hesitava, o que provocou um discurso inflamado de Benjamin Constant, exortando-o a que persistisse no compromisso que anteriormente assumira. Glycerio forneceu depois o seguinte extrato desse discurso.

"General, na situação em que as nossas coisas chegaram não é mais possível recuar: o exército fará a revolução; o exército, porém, não pode prestar o seu braço forte, talvez mesmo o seu sangue, para que se modifique a situação política do país, pela substituição parcial de um Ministério por outro, à feição de seus interesses, por mais respeitáveis que sejam.

"General, o exército brasileiro é perseguido em nossa Pátria sempre que ele se constitui o último reduto das liberdades civis e políticas; tem sido esta a sua modesta e gloriosa história no Brasil. O exército não pode intervir na política interna da nação senão em caso excepcionalmente extremo, quando ele é chamado a defender a liberdade ameaçada pelo poder público despótico, e quando o povo não encontra nos meios regulares da opinião os recursos de sua defesa política e social.

"Nós os brasileiros nos achamos num desses momentos em que o despotismo persegue o povo e a classe militar que com ele fraterniza. Está provado que a monarquia no Brasil é incompatível com um regime de liberdade política. Para que a intervenção do Exército se legitime aos olhos da nação e pelo julgamento de nossas próprias consciências, é necessário que a sua ação se dirija à destruição da monarquia e à proclamação da República, recolhendo-se em seguida aos quartéis e entregando o governo ao poder civil".

Conforme narra Tobias Monteiro, quando Benjamin se calou, "disse o marechal pausadamente: 'Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que está velho e a quem eu respeito muito'. Depois, acrescentou, passando e repassando o dorso de u'a mão contra a palma da outra: 'Ele assim o quer, façamos a República, Benjamin e eu cuidaremos da ação militar; o sr. Quintino e os seus amigos organizam o resto'".

Estas palavras decidiram tudo. Passou-se a tratar do novo governo. Deodoro só intervém para declarar: "Eu quero ser ministro da Guerra, seja Benjamin o chefe do governo". Benjamin foi então o primeiro a protestar, e em seguida todos os presentes. Achavam que o posto devia caber a Deodoro. Este insistia que não, sugerindo o nome de Quintino. Por fim, diante da unanimidade e da insistência, Deodoro aceitou o papel que lhe destinavam.

A esse ponto cogitaram os conspiradores da posição de Floriano Peixoto nos acontecimentos. Ele era o grande obstáculo, e pela sua posição e influência poderia opor séria resistência ao movimento. Deodoro então declarou:

"Não há dificuldade: nas questões militares, sempre que abordei Floriano, ele declarou-me que não se meteria em coisa alguma para derrubar ministérios. Uma vez, porém, pegando com dois dedos no botão da farda, acrescentou: 'Seu Manoel, a monarquia é inimiga disto; se for para derrubá-la estarei pronto'". E Deodoro concluiu: "Já vêem os senhores que quem falava assim há de acompanhar-nos". Ficou combinado, em seguida, que Benjamin procuraria Floriano e o faria entender-se com Deodoro.

Finalmente, cuidou-se da oportunidade do golpe. Transcrevemos de Tobias Monteiro: "A 20 devia abrir-se a assembléia geral no paço do Senado, onde se tinham de reunir a família imperial, o ministério e os representantes da nação. Planejou-se que nesse dia as tropas rebeladas cercariam o Senado, prendendo a família imperial e o ministério. Era o principal, o resto viria depois".

E o governo monárquico? - Enquanto a revolução se tornava iminente, que fazia o governo monárquico? O governo monárquico confiava em Floriano.

O visconde de Ouro Preto contará, mais tarde, que da conspiração só lhe chegavam aos ouvidos boatos, notícias de "ouvir dizer", todas imprecisas. Inquiria a propósito Floriano, e as respostas deste eram tranqüilizadoras. Ainda a 13 de novembro, algumas linhas do general Floriano a Ouro Preto rezavam o seguinte:

"Exmo. sr. conselheiro - A esta hora deve v. exa. ter conhecimento de que tramam 'algo por aí além'; não dê importância quanta seria precisa, confie na lealdade dos chefes, que já estão alerta".

Contra Benjamin Constant, mesmo contra a opinião do imperador que aconselhava chamar-se o ilustre militar e adverti-lo por que apenas com isso ele acabaria "voltando ao bom caminho", o visconde tencionava puni-lo pelas faltas cometidas, a partir do discurso perante os oficiais chilenos na Escola Militar.

Na manhã seguinte, dia 14, lendo no O País um artigo de Quintino Bocayuva, viu o presidente do Conselho que o governo deveria acreditar numa denúncia anônima que recebera pela manhã, e na qual vinha um aviso do que se tramava nos quartéis. Na frase de Floriano Peixoto, nesse dia o "governo estava sob um vulcão"... Entretanto, Ouro Preto ainda confiava no ajudante-general.

Floriano e a sedição - Como vimos, na reunião do dia 11, na casa de Deodoro, ficara combinado que Benjamin fa-lo-ia conversar com Deodoro. Isso efetivamente foi feito, ao que parece não por Benjamin, mas por Hermes da Fonseca, que convidou, na manhã de 13, o ajudante-general a ir à casa do marechal. "Vou já", foi a resposta de Floriano. E na casa do Campo de Sant'Anna, Deodoro e Floriano conversaram longamente.

Quando Floriano saiu, Hermes procurou colher informes de Deodoro. Segundo seu testemunho, Deodoro falara a Floriano sem reservas. Este lhe propôs uma conciliação, oferecendo-se para entender-se com Ouro Preto e obter um acordo.

"Deodoro retrucou que já não queria saber de palavras. O momento era de ação e ainda que só pudesse contar 'com quatro gatos pingados' por-se-ia à frente da revolta. Para mostrar que assim o faria, fosse como fosse, soltou as palavras com o gesto habitual de passar e repassar o dorso de u'a mão sobre a palma da outra. Então, Floriano decidiu: 'Enfim, se a coisa é contra os casacas, lá tenho ainda a minha espingarda velha'".

A 13 de novembro, portanto, a posição de Floriano se apresenta perante os acontecimentos inteiramente sob a dupla face de aliado de Deodoro e de chefe das forças do governo, do qual não cessou de receber, até a manhã de 15 de novembro, as maiores provas de confiança.

A sedição militar de 15 de novembro - Entre os conspiradores do Exército haviam sido firmados pactos de sangue, pelos quais, desde o dia 9 de novembro, eles se comprometiam a acompanhar Benjamin Constant, em qualquer emergência.

No meio dos boatos que a tensão do movimento naturalmente comportava, diante de medidas que o próprio visconde de Ouro Preto determinara tomar, para impedir uma tentativa de alteração da ordem, circulou o consta de que fora decretada a prisão de Deodoro, de Benjamin e do major Solon Ribeiro. Era no dia 14 de novembro à tarde. O major foi à cidade à paisana, transmitiu a notícia aos seus camaradas, encarregando-os de ir a S. Christovam transmiti-la nos quartéis. Ao mesmo tempo sabia-se, e isto não era boato, de que no dia 15 iriam aquartelar na Escola Militar o 9º Regimento de Cavalaria e o 2º de Artilharia. Estas notícias tiveram efeitos imediatos. Os quartéis se amotinaram ao anoitecer do dia 14, sob as ordens do capitão Menna Barreto, tenente Manoel Joaquim Machado e Sebastião Bandeira, e do alferes Joaquim Ignácio, auxiliados por alguns sargentos.

Fiéis ao governo, o tenente-coronel Silva Telles, comandante do 1º de Cavalaria, e o tenente-coronel Costa Guimarães intervieram para demover os amotinados. E nada conseguiram... As horas passavam, estendia-se a insurreição nos quartéis. Às 11 horas da noite, Solon Ribeiro anunciava ter participado o que ocorria a Deodoro e Benjamin. Até as três horas da madrugada de 15, nem Deodoro nem Benjamin haviam chegado. Os tenentes Adolpho Peña e Lauro Muller foram prevenidos de que toda a brigada estava em armas.

Benjamin Constant fez então avisar os republicanos civis, Quintino, Aristides Lobo e os conjurados da Marinha, Wandenkolk e Frederico Guilherme Lorena. Em companhia de Lauro Muller, o próprio Benjamin procurou Deodoro. O marechal estava mal acometido de uma das suas habituais crises de dispnéia. Prometeu, entretanto, que ao amanhecer estaria com os revolucionários.

Chegando em S. Christovam, Benjamin Constant fardou-se e se pôs em marcha, no meio da coluna a essa hora já sob o comando do tenente-coronel Silva Telles, que aderira ao movimento. Compunha-se a coluna revolucionária do 1º Regimento da Cavalaria, de dois pelotões da Escola Superior de Guerra, do 2º Regimento de Artilharia de Campanha, do 9º Regimento de Cavalaria. O major Solon comandava o 1º Regimento de Cavalaria.

Deodoro assume a direção da revolta - Na manhã de 15 de novembro, reunindo todas as suas energias, Deodoro arrancou-se de seu leito de doente, fez arrumar os arreios num saco, tomou um carro e foi encontrar as forças sublevadas na Rua Senador Eusébio. Aí o marechal montou a cavalo, apesar das recomendações que lhe fizeram, e assumiu o comando das forças, que por sua ordem foram distribuídas em posição estratégica contra o Quartel General. As forças revoltadas somavam 600 homens nesse momento. As forças do governo, contando com uma brigada mista, composta pela Polícia Militar, marinheiros e bombeiros, somavam 1.096 homens.

Logo o seu comandante, general José de Almeida Barreto, que se comprometera também, recebendo ordem de Deodoro, deslocou a sua brigada, unindo-a às forças sublevadas. Momentos depois chegava Quintino Bocayuva, também montado. Os populares estranharam a ausência de Silva Jardim. Este, que mantinha divergências com Quintino, não havia sido avisado. Logo depois, outras adesões da tropa se fizeram conhecidas. Dentro do Quartel General havia forças indecisas ainda...

Ouro Preto em ação - Às 3,30 da madrugada do dia 15 fora convocada uma reunião de todo o Ministério, para o Arsenal de Marinha, e o visconde Ouro Preto compareceu, desenvolver grande atividade para preparar a reação. Deu ordens para vir da Ilha Bom Jesus o batalhão 24, e da Fortaleza Santa Cruz o 1º de Artilharia, bem como os fuzileiros navais e os Imperiais Marinheiros para o Arsenal de Marinha. Convocou por intermédio do ministro da Justiça os comandantes de batalhões da Guarda Nacional, pondo de prontidão a Polícia e os Bombeiros.

Ao imperador, que se achava em Petrópolis, fora enviado o seguinte telegrama:

"Urgente. A S. M. o Imperador. Senhor, esta noite, os 1º e 9º regimentos de cavalaria e o 2º batalhão de artilharia, a pretexto de que iam ser atacados pela guarda negra e de ter sido preso o marechal Deodoro, armaram-se e mandaram prevenir o chefe do Quartel General que viriam desagravar aquele marechal. O governo toma as providências necessárias para conter os insubordinados e fazer respeitar a lei. Acho-me no Arsenal de Marinha com os meus colegas da Justiça e da Marinha".

Às 7 horas da manhã Ouro Preto chegou ao Quartel General, onde se encontravam Floriano Peixoto, o ministro da Guerra, os brigadeiros Rio Apa e Antonio José do Amaral. No Arsenal da Marinha ficara o barão de Ladário, ministro da Marinha. Cientificado de que os amotinados iam para o Quartel General, o visconde de Ouro Preto procurou organizar a resistência... E aí encontrou a maior passividade: ninguém se movia. Vendo o capitão Goldophim adiantar-se no Campo em reconhecimento, o visconde estranhou que ninguém o prendesse... 

Mas teria ainda mais do que se espantar quando Deodoro mandou um emissário ao ajudante general. Indignou-se e ordenou que se intimasse o marechal a retirar-se, ainda que fosse com o emprego da força. Contra a opinião do ministro da Guerra, que não considerava possível a resistência, o presidente do Conselho insinuou que a artilharia dos sublevados, colocada diante do Quartel, podia ser tomada até a baioneta. Explicaram-lhe que as peças estavam de tal maneira colocadas que varreriam quem tentasse investir contra os amotinados, saindo do Quartel. O visconde, então, obstinado, afirmou que não via essa impossibilidade; que no Paraguai os nossos soldados tinham se apoderado de artilharia inimiga em piores condições. Foi quando Floriano respondeu que isso era verdade, mas que no Paraguai "eram inimigos os que os soldados brasileiros combatiam, e ali, no momento, só havia brasileiros..."

A capitulação do ministério - Isto iluminou a situação para Ouro Preto. Só aí compreendeu que não podia contar com Floriano.

Reunido o ministério, ouvidos os generais Floriano e barão do Rio Apa, reconhecendo a inutilidade da resistência, o visconde deliberou passar este telegrama a D. Pedro:

"Senhor, o ministério, sitiado no Quartel General da Guerra, à exceção do sr. ministro da Marinha, que consta achar-se ferido em casa próxima, tendo por mais de uma vez, debalde, por órgão do presidente do Conselho e do ministro da Guerra, que se repelisse pela força a intimação armada do marechal Deodoro, para pedir sua exoneração, e diante das declarações feitas pelos generais visconde de Maracaju, Floriano Peixoto e barão do Rio Apa de que, por não contarem com a tropa reunida, não há possibilidade de resistir com eficácia, depõe nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido de demissão. A tropa acaba de fraternizar com o marechal Deodoro, abrindo as portas do Quartel".

O barão de Ladário, ministro da Marinha, fora ferido quando se aproximava do Quartel General, a fim de se reunir aos seus companheiros de governo. Desobedecendo a uma intimação do tenente Adolpho Pena, contra quem disparou o revólver, o ministro foi alvejado e ferido, recolhendo-se a uma casa próxima, onde o veio buscar, para os socorros, uma padiola da Marinha.

Deodoro e Ouro Preto enfrentam-se - Às 9,30 horas, Deodoro penetrava, efetivamente, no Quartel General, como dissera Ouro Preto em seu telegrama ao imperador. Alguns oficiais haviam proposto que o visconde se retirasse pelos fundos, o que Ouro Preto, em sua reconhecida altivez, considerou um insulto, um alvitre que o ia expor ao ridículo, ainda mais que as ruas dos fundos já estavam tomadas pelos sublevados. Dentro de alguns minutos encontravam-se frente a frente o visconde e o marechal.

Mesmo esta cena tem tido várias versões, o que não devia ocorrer, porque é o momento culminante da revolução.

Deodoro expôs os motivos de sua atitude, lembrou os seus sofrimentos no Chaco, declarou que desagravava o Exército. Afirmou que o ministério estava deposto...

Ouro Preto retrucou que não era só nos campos de batalha que se podia prestar serviços à pátria. (Anos mais tarde, evocando este acontecimento, ele diria que Deodoro lhe afiançara que ia procurar o imperador a fim de lhe submeter um novo ministério...

Saindo do Quartel General, Deodoro dirigiu-se com as tropas ao Arsenal de Marinha, desfilando em meio do entusiasmo popular as forças revolucionárias, acrescidas das tropas que haviam aderido, com a capitulação do ministério.

No Arsenal, as forças de terra e mar confraternizaram. As tropas voltavam aos quartéis, Deodoro recolhia-se à sua residência, levado pelos seus males cardíacos. Os republicanos sentiam a falta da proclamação da República, embora os vivas dados durante o desfile não deixassem dúvidas.

Um grupo liderado por Aníbal Falcão, José do Patrocínio e Pardal Mallet convidou o povo para acompanhá-los à Câmara Municipal, onde seria proclamada a República. O grupo, que se transformou numa grande corrente popular, levando à frente o pavilhão do Clube Lopes Trovão, proclamou, efetiva e solenemente, a República, no edifício da Câmara, no Campo da Aclamação.

Milhares de pessoas desfilaram pelas ruas cantando a Marselhesa. Às 7 horas, o povo fez uma grande manifestação diante da casa de Deodoro.

Respondendo a José do Patrocínio, que falou em nome dos manifestantes, Benjamin Constant declarou que até aquele momento fora composto o governo provisório, o qual convocaria a Constituinte para deliberar. A essas palavras, que pareceu ecoarem mal, replicou Patrocínio, acompanhado por Magalhães Castro, que a forma de governo já estava escolhida, e era a da República Federal.

Tarde da noite, foram assinados os primeiros decretos. O n. 1, que instituía a República no Brasil, é publicado em outro lugar desta edição. Uma proclamação ao povo declarava a deposição da monarquia, a abolição do Senado Vitalício e do Conselho de Estado, e a dissolução da Câmara dos Deputados.

No dia seguinte, era banido do Brasil o imperador d. Pedro II.


Prudente de Moraes, o primeiro presidente eleito, sucedeu ao marechal Floriano Peixoto
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O presidente Campos Salles foi eleito para suceder a Prudente de Morais
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Após o período de Campos Salles, ocupou a presidência da República o sr. Rodrigues Alves
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Affonso Penna, que sucedeu ao conselheiro Rodrigues Alves, faleceu durante o mandato
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O marechal Hermes da Fonseca foi eleito após uma agitada campanha eleitoral
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Wenceslau Braz exerceu o mandato seguinte, durante o qual ocorreu a Grande Guerra
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Tendo falecido o conselheiro Rodrigues Alves, reeleito, foi escolhido o sr. Epitácio Pessoa
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Após o período do sr. Epitácio Pessoa, foi eleito presidente o sr. Arthur Bernardes
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O sr. Washington Luís foi o último eleito conforme a Constituição de 1891
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Instituindo o Regime Republicano no Brasil

Decreto n. 1, de 15 de Novembro de 1889

É o seguinte o texto do decreto com o qual foi instituída a República no Brasil:

"O governo provisório dos Estados Unidos do Brasil decreta:

Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira - a República Federativa.

Art. 2º - As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados-Unidos do Brasil.

Art. 3º - Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua Constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais.

Art. 4º - Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do congresso constituinte do Brasil e bem assim à eleição das legislaturas de cada um dos Estados, será regida a nação brasileira pelo governo provisório da República; e os Estados pelos governos que hajam proclamado, ou na falta destes, por governadores delegados do governo provisório.

Art. 5º - Os governos dos Estados federados adotarão com urgência todas as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos, quer nacionais, quer estrangeiros.

Art. 6º - Em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade públicas, efetuará o governo provisório a intervenção necessária para, com o apoio da força pública, assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.

Art. 7º - Sendo a República Federativa Brasileira a forma de governo proclamada, o governo provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário à forma republicana, aguardando, como lhe compete, o pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular.

Art. 8º - A força pública regular, representada pelas três armas do Exército e pela armada nacional, de que existam guarnições ou contingentes nas diversas províncias, continuará subordinada e exclusivamente dependente do governo provisório da República, podendo os governos locais, pelos meios ao seu alcance, decretar a organização de uma guarda cívica, destinada ao policiamento do território de cada um dos novos Estados.

Art. 9º - Ficam igualmente subordinadas ao governo provisório da República todas as repartições civis e militares até aqui subordinadas ao governo atual da nação brasileira.

Art. 10º - O território do município neutro fica provisoriamente sob a administração imediata do governo provisório da República e a cidade do Rio de Janeiro, constituída também provisoriamente sede do poder federal.

Art. 11º - Ficam encarregados da execução deste decreto, na parte que a cada um pertença, os secretários de Estado das diversas repartições ou ministérios do atual governo provisório.

Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1889.

Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório; S. Lobo, Ruy Barbosa, Q. Bocayuva, Benjamin Constant, Wandenkolk".