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Colombo, absolutamente certo

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A idéia de que Colombo teria cometido erros de astronomia foi repetida por diversos historiadores. Com o auxílio de programas e computador, um astrônomo brasileiro estabeleceu, para o Caderno de Sábado, não ter havido engano do navegador nas previsões sobre os astros que o guiaram na viagem.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (*)

Em diversos momentos de suas viagens, Cristóvão Colombo faz referência às condições dos astros, no céu: ora se refere às conjunções de planetas entre si ou com a Lua, ora aos eclipses. Na realidade, o Diário de Bordo original perdeu-se, mas felizmente um dos escribas da corte espanhola, o padre dominicano Bartolomé de Las Casas (1474-1566), pôde refazê-lo, com base em uma cópia que pertenceu ao almirante. Las Casas refere-se a Colombo sempre na terceira pessoa. Parece que o original manuscrito de Colombo foi depositado nos arquivos dos reis católicos, de onde desapareceu assim como todos os outros diários de bordo do grande navegador.

Um dos mais controversos relatos de natureza astonômica no diário de bordo de Colombo, segundo a versão de Las Casas, refere-se à primeira viagem (1492/1493), quando o navegador estava a bordo da caravela Niña, ancorada na Baía de Samana, no litoral oriental da ilha Hispânica, em 13 de janeiro de 1493:

"Ele não deixou esse porto por ausência de vento de terra que permitisse sua partida. Desejava sair para ir a um outro porto melhor, pois esse era bastante desprotegido e ele queria observar os efeitos da conjunção da Lua com o Sol que esperava para o dia 17 desse mês, e a oposição da Lua com Júpiter, sua conjunção com Mercúrio e o Sol em oposição a Júpiter, o que ocasiona grandes ventos".

Sobre esse trecho do diário, Las Casas escreveu: "Por essa passagem parece que o almirante tinha algum conhecimento de astronomia" (alguns autores referem-se à astrologia, o que na realidade não constitui um erro, haja vista que até o século XVII era comum usar as duas denominações de modo indiferente), "ainda que as posições desses planetas não estejam bem indicadas, por uma falha do escriba que o copiou".

Mais tarde, na monumental obra História de Las Indias, compilada de 1520 a 1560, Las Casas, retomando o relato da primeira viagem de Colombo, sugere de novo que os fenômenos celestes de 1493 lhe parecem erroneamente descritos. Não existe por parte de Las Casas nenhuma indicação de qual teria sido o erro com relação às posições astronômicas.

Tais dúvidas foram reproduzidas até meados do nosso século [N.E.: século XX], como se pode verificar lendo uma das mais modernas biografias do descobridor das Américas. De fato, em Admiral of the Ocean Sea, a Life of Christophe Colomb (1942), o notável historiador inglês Samuel Eliot Morison, ao tentar corrigir o texto, afirma que Colombo, em janeiro de 1493, planejava e esperava "observar a conjunção de Marte com Mercúrio e uma oposição de Júpiter com o Sol" (pág. 313). Mais tarde, numa edição inglesa dos diários e outros documentos, intitulada Journals and Other Documents on the Life and Voyages of Christopher Columbus (1963), Morison afirma que o almanaque do século XV previa para 17 de janeiro de 1493: "Lua nova (em conjunção com o Sol), conjunção de Marte com Mercúrio, e oposição do Sol com Júpiter".

Esta idéia de que Colombo teria errado foi repetida por diversos autores. Ao estabelecermos os céus de janeiro de 1493, com auxílio de um dos diversos programas com um microcomputador, foi fácil verificarmos que Colombo estava certo. Entre os dia 17 e 18 de janeiro de 1493 ocorreram quatro eventos astronômicos: em 17 de janeiro, às 22 horas, T.U. [N.E.: sigla para Tempo Universal], oposição do Sol e Júpiter; em 18 de janeiro, às 2 horas, T.U., oposição da Lua e Júpiter e conjunção da Lua e Sol; às 8 horas, T. U., conjunção da Lua e Mercúrio. Na realidade, todos estes eventos ocorreram no dia astronômico de 17 de janeiro de 1493, pois, pela convenção usada no século XV, o dia se estendia do meio-dia, tempo civil, do dia 17, até o meio-dia, tempo civil, do dia 18.

Na conjunção dos planetas, ele procurava sinais que lhe pudessem permitir prever mudanças atmosféricas, chuvas, tempestades.

Almanaque - Como Colombo escreveu no dia 13 de janeiro, não há dúvida de que ele teve de ter usado um almanaque. Um dos mais célebres na época era a Ephemerides of Johannes Mueller (1436-1476), astrônomo alemão mais conhecido como Regiomontanus. A primeira edição dessas Ephemerides, impressa em Nuremberg em 1474, continha as posições dos astros para todos os dias de 1475 a 1506. Elas foram reeditadas em 1475, 1481, 1484 e 1488. As duas primeiras edições são muito raras. Para um historiador de ciência, o alemão Ernst Zinner (1886-1970), Colombo deve ter usado a edição de 1481 que continha as previsões de 1482 até 1506.

Nessa edição verifica-se que Regiomontanus previu os seguintes eventos astronômicos para 17 de janeiro de 1493: duas conjunções (Sol com a Lua, Lua com Mercúrio); duas oposições (Sol com Júpiter, Lua com Júpiter); dois trinos (Lua com Marte, Mercúrio com Marte) e um sextil (Saturno com Vênus). Apesar de cinco séculos dos comentários desabonadores dos historiadores, não existe dúvida de que Colombo estava absolutamente certo.

A controvérsia levantada por Morison, de uma conjunção de Marte com Mercúrio, deve-se a uma má interpretação do historiador que, ao consultar as Ephemerides de Regiomontanus, encontrando um triângulo junto aos símbolos de Marte e Mercúrio, não sabia que o triângulo é o símbolo de trino, aspecto em que os dois planetas se encontram separados de 120 graus entre si. Isto demonstra, como já fizemos anteriormente, que o conhecimento astrológico é fundamental para o historiador que deseja estudar essa época. Convém lembrar que, com base na pesquisa do historiador espanhol Martín Fernandez de Navarrete, Colección de los Viajes Y Descubrimientos que hiceron por lo mar los Españoles (Imprenta Real, Madrid, 1925), o historiador inglês Salvador de Madariaga, em Christopher Columbus (1949) mantém a versão original sem assinalar que o almirante tivesse errado.

Na quarta viagem, na Jamaica, Colombo enfrentou uma revolta de seus subordinados.
Gravura do ourives belga Theodor de Bry
Reprodução de Americae Praeterita Eventa, publicada em 1966 pela Universidade de São Paulo

Carta - Uma outra referência à conjunção entre planetas encontra-se na carta de Colombo sobre a quarta e última viagem - mais conhecida como Lettera rarissima, datada de 7 de julho de 1505 e dirigida aos reis católicos:

"Retornei uma nova vez ao porto, não ousando esperar a oposição de Saturno e Marte para me lançar sobre uma costa perigosa, pois ela traz com freqüência a tempestade e tempo carregado. Isto acontecerá no dia de Natividade, a hora da missa. Retornarei uma vez ao local onde teria vindo com tanta pena e, de novo, um ano passado, retorno à carga. Mas qualquer que tivesse sido o tempo favorável à minha viagem, meus navios não estavam em condições de navegar e a minha gente estava cansada e doente".

Pela Ephemerides de Regiomontanus, em 30 de dezembro de 1502, ocorreu uma oposição entre Saturno e Marte. Segundo nossos cálculos, tal conjunção ocorreu justamente às 8 horas, T.U., do dia 29 de dezembro de 1502. Mais uma vez Colombo está certo, apesar dos historiadores terem traduzido Marte como marés. De fato, assim o fez a historiadora espanhola Consuelo Varela, em Cristobal Colón - Textos 9 documentos completos (1989), na páginas 320.

Mais cuidadoso, o historiador francês Michel Lequenne, embora tenha usado a tradução de mar, em sua obra Cristophe Colombo - La Découverte de l'Amerique (1991), na página 194, teve o cuidado de assinalar a existência de "uma outra variante, segundo a qual a oposição de Saturno com Marte (martes no lugar de mares), (conduz a nau,) assim desarmada, para uma costa perigosa". Ao que ajuntou: "Na variante que nós adotamos, a oposição será aquela de Saturno com o Sol".

Na realidade, um desconhecimento astronômico fez mais uma vez que se atribuísse a Colombo uma falha que na verdade provém do desconhecimento astronômico e astrológico. Com efeito, tais enganos são muito comuns entre os historiadores, que, desconhecendo ou deixando de estudar a astronomia e/ou astrologia do século das descobertas, procuram interpretar esses relatos.

Com a previsão de um eclipse, ele sobrepôs-se à astrolatria dos indígenas. Disse-lhes que seu deus faria desaparecer a Lua.

Previsão do tempo - Por que teria Colombo tanto interesse em conhecer as configurações planetárias, se elas de nada auxiliariam em sua navegação? A razão é muito simples. Ela encontra-se na própria obra de Regiomontanus. No adendo ao prefácio da edição de 1481, aquela que segundo Zinner teria sido usada por Colombo, foi acrescentada uma seção sobre previsão do tempo, das condições atmosféricas, escrita por Bartholomeus Mariensuess. A previsão de que "Júpiter e o Sol provocam ventos fortes tanto no aspecto de quartil (90 graus de separação) quanto nas oposições (180 graus de separação)" explicaria o registro de 17 de janeiro de 1493.

A afirmativa de que "a oposição de Saturno com Marte é um sinal úmido que causa mudanças e tempestade com chuvas e, com mais freqüência, relâmpagos com tempestades", permite compreender as preocupações de Colombo às vésperas da passagem do ano entre 1502/1503. Além dessas observações de natureza mais astrológica do que astronômica, nas quais tenta utilizar dos eventos astronômicos para fazer previsões de natureza meteorológica, Colombo ocupou-se também em seus relatos de fenômenos astronômicos - os eclipses -, com os quais procurava não só determinar suas posições, tendo em vista o conhecimento de sua observação em determinadas regiões, mas como um meio de poder, de conhecimentos, sobre a astrolatria dos indígenas.

O eclipse, como milagre - Quando se encontrava na ilha de Saona, que se situa na extremidade oriental da ilha Hispaniola, ocorreu, em 14 de setembro de 1494, um eclipse da Lua. Por seu intermédio, Colombo determinou a diferença de 5 horas e meia entre a posição de sua caravela e o cabo de São Vicente em Portugal.

Na quinta-feira, dia 29 de fevereiro de 1504, quando encontrava-se na ilha da Jamaica, no porto de Santa Glória, quase no meio da ilha, na sua parte setentrional, ocorreu um eclipse da Lua. Como o início ocorreu antes do pôr-do-sol, ele só pôde anotar o fim logo que a Lua retomou seu brilho, como diz, "isto ocorreu às duas horas e meia da noite, cinco ampulhetas bem cheias". De onde concluiu: "a diferença do meio da ilha da Jamaica às Índias, à ilha de Cad; na Espanha, é de sete horas e quinze minutos. De tal modo que, em Cadix, o pôr-do-sol ocorre em relação ao de Jamaica, com diferença de sete horas e quinze minutos". Assim procedendo, Colombo estimou a distância das Antilhas à Espanha.

Durante a quarta viagem, iniciada com a saída de Cadix, em 11 de maio de 1502, acompanhado de Bartolomé de Las Casas e o seu filho Fernando, Colombo teve que enfrentar uma verdadeira odisséia. Em Jamaica, uma parte da tripulação se revoltou enquanto os indígenas recusavam reabastecê-los. Diante dessa dificuldade, Colombo não hesitou em correr a um pseudo-milagre. Num golpe de mestre, reuniu os indígenas e comunicou que dentro de três dias, com auxílio do seu Deus que habitava o céu, iria fazer desaparecer a Lua. Alguns aceitaram a idéia e permaneceram temerosos, outros não acreditaram.

Na noite do eclipse, logo que a Lua começou nascer, à medida que ela subia, o eclipse aumentava e a lua desaparecia. Os indígenas, que prestavam grande atenção, logo começaram a reabastecer as caravelas, com grande algazarra, durante a qual solicitavam que os protegessem da cólera de Deus. O Almirante prometeu que o faria. Iria devolver-lhes a Lua. Ao fazê-lo, ao fim do eclipse, Colombo revestiu-se de uma autoridade tão poderosa junto aos indígenas que nada mais lhe recusaram.

(*) Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo e escritor, publicou este artigo (junto com os de Roberto Benavides), no Caderno de Sábado do Jornal da Tarde/O Estado de São Paulo, em 10 de outubro de 1992.

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