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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - J. LUSO
João Luso (4)

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Nascido em Lousã, em Portugal, em 12 de junho de 1875, Armando Erse de Figueiredo atuou como jornalista e escritor em Santos e na capital paulista usando, entre outros, o pseudônimo literário de João Luso. Faleceu no Rio de Janeiro em 6 de janeiro de 1950, deixando grande número de obras publicadas. Membro estrangeiro da Academia Brasileira de Letras, suscitou polêmica ao obter a nacionalidade brasileira. O anúncio da concessão, baseado em telegrama da agência de notícias Havas ("H."), foi feito no jornal paulistano Folha da Manhã de domingo, 26 de fevereiro de 1939, página 3 (ortografia atualizada nesta transcrição - acesso: 6/6/2014):

Imagem: detalhe da página com o texto

 

João Luso naturalizou-se brasileiro

Estrangeiros que receberam a cidadania brasileira

RIO, 25 (H.) - O ministro da Justiça assinou diversas portarias na conformidade com o decreto 6.948, combinado com o decreto-lei 389, de 25 de abril de 1938, concedendo a declaração de cidadãos brasileiros a estrangeiros domiciliados no Brasil. E entre os contemplados encontra-se o nome do escritor Armando Erse de Figueiredo (João Luso).

As demais pessoas que obtiveram a declaração são as seguintes: [...]

Os efeitos da naturalização foram comentados em A Nota do Dia que o jornal paulistano Folha da Manhã publicou na terça-feira, 4 de abril de 1939, página 2 (ortografia atualizada nesta transcrição - acesso: 6/6/2014):

Imagem: detalhe da página com o texto

A NOTA DO DIA

A Academia atribulada - Dois casos difíceis, a um só tempo

RIO, 3 (DA NOSSA SUCURSAL - PELO TELEFONE) - A Academia Brasileira de Letras está passando por dias de agitação que, afinal, não ficam mal nem mesmo a um cenáculo de serenidade olímpica como aquele. Dois são os casos que ora preocupam os imortais e não puderam permanecer restritos aos debates da ilustre companhia.

O primeiro é um caso de poesia, ou melhor, de livro de versos. No concurso de obras poéticas, a comissão acadêmica, composta de três membros, encarregada de escolher, entre as obras apresentadas, a merecedora do prêmio, lav[r]ou seu parecer escolhendo uma delas sem, entretanto, ter lido sequer as demais. Diante do nome da escritora e poetiza Cecília Meirelles, a comissão curvou-se e recitou o seu Camões: "Cessa tudo quanto a antiga música canta"... (N. E.: correto é "antiga musa canta").

Mas, outros imortais acharam que esse processo era demasiado sumário e pediram vista do parecer. Pensam que os outros candidatos ao prêmio devem ter, pelo menos, seus livros examinados.

Agora, o segundo caso é, sobre certos aspectos, mais delicado ainda. A Academia possui duas ordens de membros: efetivos e correspondentes. Is efetivos só podem ser brasileiros. Os correspondentes, em número de vinte, só podem ser estrangeiros.

Ora, acontece que um dos membros correspondentes, o sr. João Luso, acaba de naturalizar-se brasileiro. Ele era membro da Academia na sua condição de escritor; antes de tudo, porém, igualmente, porque era um intelectual estrangeiro. E agora? Como se vai arrumar o caso?

A condição de membro da Academia é a perpetuidade. Todo o membro, efetivo ou correspondente, é perpétuo. Porém, membro correspondente só pode ser estrangeiro. E João Luso hoje, com muita honra para nós, é brasileiro.

Ninguém sabe como a Academia se sairá disso. Mas não seria difícil. O único caminho que vemos seria o seguinte: João Luso renuncia, porque já não é um intelectual estrangeiro, logo não pode ser membro correspondente. Mas, considerando que ninguém, pelos estatutos da Academia, que é acadêmico, pode deixar de sê-lo, os imortais na próxima vaga elegem João Luso para membro efetivo.

Intimando-o, naturalmente, a que passe a se assinar, de agora em diante, João Brasileiro...

Uma visita de João Luso a São Paulo foi assim noticiada na última edição noturna do jornal paulistano Folha da Noite de quarta-feira, 15 de maio de 1946, página 11 (ortografia atualizada nesta transcrição - acesso: 6/6/2014):

Imagens: detalhes da página 11 da Folha da Noite de 15/5/1946 (última edição)

Em São Paulo o escritor João Luso

Procedente do Rio de Janeiro e acompanhado de sua esposa, chegou hoje a São Paulo, viajando pelo Cruzeiro do Sul (N. E.: antigo trem expresso entre as duas capitais), o sr. João Luso, escritor português há muito radicado no Brasil.

O sr. João Luso foi recebido, em nome do interventor Macedo Soares, pelo tenente Costa Junior, da Casa Militar da Interventoria.

Inquirido pelo jornalista sobre se iria pronunciar alguma conferência, disse durante sua permanência entre nós, o escritor João Luso:

- "Não. Só costumo fazer conferências quando para esse fim sou convidado. Na minha idade, já não me é possível arriscar-me a falar onde não sou chamado. Não estou mais para essas aventuras".

Uma conferência de João Luso foi detalhada no jornal paulistano Folha da Manhã de domingo, 25 de novembro de 1945, página 6 (ortografia atualizada nesta transcrição - acesso: 6/6/2014):

Foto: O sr. João Luso quando pronunciava a sua conferência

Imagem: detalhe da página com o texto

"Em toda a obra de Eça de Queiroz, a poesia é constante, essencial e inalienável"

Conferência do escritor João Luso em comemoração ao centenário do romancista de Os Maias

Sob o patrocínio da "Casa de Portugal" e em comemoração ao centenário de Eça de Queiroz, realizou-se ontem no Teatro Municipal, com a presença de grande número de intelectuais, artistas e elementos de relevo na sociedade paulistana, uma sessão solene que constou de uma conferência pronunciada pelo escritor e jornalista João Luso e um complemento lítero-musical.

A sessão - Aberta a sessão pelo presidente da "Casa de Portugal", que explicou as finalidades da cerimônia, foi dada a palavra ao sr. João Luso, nome que se destaca na literatura luso-brasileira e no jornalismo de nossa terra, militando há anos no Jornal do Comércio e na Revista da Semana.

A conferência a seu cargo fora pronunciada na Academia Brasileira de Leras, abrindo ali, desse, modo, a série de palestras comemorativas do centenário do romancista dos Maias, e ele a subordinou ao seguinte tema: "A poesia em Eça de Queiroz".

A conferência - Iniciando a sua conferência, disse o sr. João Luso: "Se bem procurarmos a poesia nas obras de Eça de Queiroz, por toda a parte a encontraremos. A poesia está nele. Vive nele desde o princípio, como um bálsamo,uma bênção e um patrimônio. É essencial e inalienável. E até como exteriorização e realização, Eça de Queiroz começou poeta".

Desenvolvendo a seguir esse conceito crítico, o escritor se referiu à estreia literária de Eça em Lisboa, onde publicou versos, entre os quais aparece a célebre Serenata de Satã às Estrelas, uma das primeiras produções poéticas do romancista e que vem inserta nas Prosas Bárbaras.

- "Possivelmente, nessa fase - diz o conferencista -, Eça estivesse imbuído de Baudelaire, talvez entrasse pelo satanismo que viera da França, através de Gerardo de Nerval, de Verlaine e de outros poetas malditos. Mas - continua o sr. João Luso -, Eça fazia versos com o diabo como os fez depois com Tomaz de Alencar, dos Maias, e o tio Diogo, o inspirador de Gonçalo na Ilustre Casa de Ramires".

A poesia satírica - Depois, nas Farpas, disse o conferencista, encontramos a poesia satírica, a poesia cômica: "A poesia cômica, atacante, panfletária, de Juvenal Scarron, Nicolau Tolentino e Gregório de Matos".

Ressaltou a seguir o poder metamorfoseador do estilo de Eça, fazendo referência às rosas, como qualquer de nós as vê e como as viu Eça de Queiroz.

- "A poesia está em Eça de Queiroz não só para constantemente o animar e o dirigir, como para o recompensar da sua afeição pelos poetas". Essa afeição, conforme acentua o sr. João Luso, era manifesta. Eça prezava e admirava os poetas, não só na realidade, recebendo-os em sua casa em Neully -  Antônio Nobre, Alberto de Oliveira, Magalhães Azeredo -, como fazendo deles, nos seus livros, figuras realmente simpáticas: o poeta Koricosso, de Charing-Cross, em Londres. Sem contar o culto por Antero que ele ouviu a vida toda, com a mesma admiração que o fez sentar nas escadarias da Sé Nova, uma noite, em Coimbra.

A poesia e os personagens - Além disso, acentuou o conferencista, "é extraordinária a poesia que emana de alguns de seus personagens: o tio Cegonha, o João Eduardo. E outros tipos poéticos, de alta poesia, espalhados pela sua obra, onde se fala de Gonçalo Mendes Ramires, fidalgo de dez séculos, como o sr. Alcântara Machado era paulista há quatrocentos anos".

No epílogo da Ilustre Casa de Ramires, está o epílogo de Eça de Queiroz. E é também de extraordinária significação o fato de o português que Eça procurava por toda parte se encontrar nele próprio: Jacinto, português expatriado e Zé Fernandes, que não é senão Eça e que não via as belezas de Paris porque sua vida era uma ânsia de retorno a Portugal.

A poesia suprema - Citou depois a écloga de Tormes, na subida da serra, extasiados os dois personagens no encanto da paisagem e logo o arrebatamento poético de ambos, olhando o céu e sobre ele divagando, junto da velha casa e vendo embaixo as árvores debandando para o vale, sob a noite estrelada.

E afinal, concluiu o sr. João Luso, referindo-se ao fim da existência do romancista: "Eça de Queiroz atinge a suprema poesia, a poesia absoluta, que é Deus".

Este comentário do humorista satírico brasileiro que ficou conhecido como o Barão de Itararé foi publicado no jornal paulistano Folha da Manhã de quinta-feira, 28 de março de 1946, página 5 (ortografia atualizada nesta transcrição - acesso: 6/6/2014):

Imagem: detalhe da página com o texto

Escreve o BARÃO DE ITARARÉ

(Exclusividade da "Interamericana" para a "Folha da Manhã")

Casos perigosos

Consultório Médico.

Depois que iniciei a minha colaboração regular no grande arrotativo do sr. Barão de Itararé, comecei a receber cartas sobre casos clínicos, de pessoas que evidentemente desejam evitar o pagamento de honorários. Entre os "caronas", observei os nomes de distintos capitalistas de nossa praça, indivíduos que desejam ter, mesmo a peso de ouro, uma saúde de ferro.

Em várias cartas foram-me expostos casos curiosos que desejo comentar aqui, embora superficialmente, como faço também em meu consultório.

O primeiro caso é o de uma criança que, em meio de um almoço, quando brincava com um pão, engasgou-se e quase morre. Nada mais perigoso. Os pais não devem deixar as crianças brincarem com os pães de vinte centavos, de hoje dia. Esses pães são tão pequeninos que, por descuido, podem cair inteiros no goto de um petiz e causar terrível alvoroço em casa. Para tirar o pão no caso a que me refiro, fez-se necessário o socorro urgente, coisa que tem igualmente acontecido nas padarias cariocas nos últimos tempos.

Outro caso importante é o de um jovem que foi levado a cama por haver tomado um banho sumário com uma garrafa de água mineral gelada. Evidentemente, esse jovem cometeu uma leviandade. Como não há água nos banheiros do Rio, parte da população se mete a lavar-se com água mineral, numa lamentável demonstração de grã-finismo. A água mineral gelada não deveria nunca ser usada. Preferível a água fresca ou mesmo ardente. Ou a água fresca para uso externo e a água ardente para uso interno. As pessoas fracas, raquíticas, devem preferir, para tal uso, a água tônica.

Um caso de insolação é o terceiro. Num desses dias de calor intolerável, um rapaz imprevidente, envergando uma roupa de casimira das grossas, arriscou-se a ir ouvir uma conferência do sr. João Luso, na Academia Brasileira. O resultado foi este: teve que ser socorrido pela Assistência. Não é possível que a uma pessoa bem ajuizada ocorra a ideia de enfrentar o verão carioca com roupas pesadas e com conferências mais pesadas ainda. Aliás, a roupa ainda é menos perigosa que a conferência. Sei de vários casos de insolação (talvez intoxicação galopante) provocados pelo sr. João Luso.

O pior dos casos foi o daquele cavalheiro do Pará que, numa solenidade, ouviu um discurso fulminante do sr. Magalhães Barata e caiu para trás, em estado grave. Um médico, meu amigo já caracterizou essa entidade mórbida: baratite. Pode-se sofrer de baratite como se sofre de aortite, conjuntivite, apendicite etc. A oratória do sr. Barata é de alta tensão e pode provocar crises dessa natureza.

Jorge de Lima

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