CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - J. LUSO
João Luso (1)
Nascido em Lousã, em Portugal, em 12 de junho de 1875, Armando
Erse de Figueiredo atuou como jornalista e escritor em Santos e na capital paulista usando, entre outros, o pseudônimo literário de João Luso. Faleceu no Rio de Janeiro em 6 de janeiro de 1950, deixando grande número de obras publicadas. Este texto foi publicado em 5 de maio de 2009 pelo jornalista João Alves das Neves no blogue Jornal
Eletrônico Brasil-Portugal (acesso: 6/6/2014):
Imagem: captura de tela do blogue Jornal Eletrônico Brasil Portugal (em 6/6/2014)
João Luso, o escritor que Portugal não conhece
João Alves das Neves [*]
Nascido na vila da Lousã em 12 de junho de 1874 (ou 1875?), emigrou para o Brasil
aos 17 anos, por não dispor de condições financeiras para prosseguir os estudos, após a conclusão do liceu, em Coimbra, e começou a trabalhar no comércio, na cidade de Santos. Era filho de Joaquim José Erse e D. Maria da Piedade de Figueiredo.
" – Empregado de escritório da casa Martins Costa & Cia. – que se tornou uma das importantes fundadas por portugueses no Brasil – enviei pelo correio ao Diário Popular, do velho José Maria Lisboa, o meu primeiro conto, escrito às
escondidas e já assinado pelo pseudônimo que nunca mais me havia de largar. Muitos camaradas têm estranhado o fato de eu haver abandonado o nome de Armando Erse, segundo eles bem mais belo e mais literário que o outro".
Nesta confissão à Revista da Semana (Rio de Janeiro, 1931), mais tarde retomada pelo Jornal da Lousã (11-X-1996), esclarece o então conhecido jornalista e escritor português do Brasil: "A minha situação comercial forçava-me a
cultivar em segredo as Letras. Ainda hoje os comerciantes embirram com empregados literatos e lá têm as suas razões. Os meus contos no Diário do terceiro em diante, eram-me pagos, por espontânea e então generosa proposta do seu diretor a
dez mil reis. / Um belo dia, Júlio de Mesquita, diretor do Estado de S. Paulo, ofereceu-me trinta mil reis , conversei com o excelente Lisboa que me declarou não levar a mal nem considerar ingrata a minha mudança, sem armas nem bagagens,
e passei a colaborar no Estado, periodicamente. Por essa altura, tirei num concurso da (revista) Semana, de Valentim Magalhães e D. Júlia Lopes de Almeida. Depois, a Casa Martins de Carvalho, talvez para não me mandar passear,
mandou-me viajar."
E assim Armando Erse de Figueiredo (ou "João Luso") começou a sua extraordinária carreira de jornalista - à qual se juntaria depois a de escritor, certamente à sombra da celebridade do jornalista nascido na Lousã, merecendo referência a
colaboração que garantiu a alguns dos mais importantes órgãos da Imprensa Brasileira, na época. Porém, julgamos oportuno assinalar que "o excelente Lisboa" (José Maria) foi um dos maiores jornalistas brasileiros do seu tempo: era
português e havia sido um dos fundadores de A Província de S. Paulo (que se passou a chamar-se O Estado após a implantação da República Brasileira), além de dirigir mais tarde o Diário Popular e outras publicações. Quanto a
D. Júlia Lopes de Almeida foi uma destacada escritora brasileira, casada com o jornalista e escritor português Filinto de Almeida. Sob certos aspectos, Armando Erse "estava em casa"...
Como jornalista, "andou por seca-e-meca a dos olivais de Santarém": em São Paulo, esteve presente nas colunas prestigiosas do Diário Popular, de O Estado de S. Paulo, do Correio Paulistano, Revista Literária,
Paulicéia e no Diário de Santos", antes de chegar ao Rio de Janeiro, através de A Imprensa (de Ruy Barbosa), Jornal do Comércio (onde manteve por muitos anos a coluna Dominicais),
A Noite, e Revista da Semana. Poucos sabiam da existência jornalística de Armando Erse de Figueiredo, mas sabiam muito bem quem era "João Luso" – embora raros conhecessem "Clara Lúcia" e "Leopoldo Maia",
pseudônimos que o lousanense também usou.
Quanto aos livros, publicou 22 (pelo menos), uns a partir dos artigos e crônicas da imprensa e outros de ficção, onde emergem não somente as recordações da Lousã, mas também personagens e ambientes brasileiros e luso-brasileiros (cf. quadro das
obras literárias) Por essas e por outras é que o elegeram correspondente da Academia Brasileira de Letras, da Associação Brasileira de Imprensa e das Associações de Autores e dos Críticos Teatrais.
É citado em O Teatro no Brasil (2 volumes) por J. Galante de Sousa, que informa: "Escreveu, entre outras obras, a peça Nó Cego, representada no Teatro Municipal, em 1911, e O Teatro e a Abolição, palestra publicada no
Jornal do Comercio, Rio, 20/maio/1938". E acrescenta: "Existem retratos seus no Almanack dos Theathros, pág. 166, e no Anuário da Academia Brasileira de Letras. 1946-1947, pág. 194."
O escritor cearense Raimundo de Menezes (com quem convivemos longamente em São Paulo) dedica quase uma página à obra de Armando Erse de Figueiredo, assinalando no Dicionário Literário Brasileiro que o autor português foi condecorado com
a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul (e em Portugal?). E transcreve a bibliografia (citando fontes autorizadas), que transcrevemos à margem.
Os críticos brasileiros sempre destacaram a ação jornalística e literária de João Luso, conforme observou a professora brasileira Maria Aparecida Ribeiro (da Universidade de Coimbra), em certo passo do estudo O Brasil no Jornalismo de João
Luso (divulgado pela revista Arouce, 1996/97): "Na visão de João Luso, o espaço urbano e o rural, o Brasil e Portugal, são vistos com o mesmo otimismo. O otimismo – melhor dizendo a alegria que informa os textos neo-românticos dos
primeiros anos deste século – anula a diferença entre o camponês e o viajante.
Mesmo já depois de alguns anos, morador no Brasil, ele continua cronista do jornal A Noite do Rio de Janeiro, a olhar a manga com o
mesmo deslumbramento com que a vira em Pernambuco (Erse, 1934), a encantar-se com as acácias e quaresmeiras, a observar o pitoresco das coisas. O olhar que Erse lança à sua terra não é o do camponês que lhe vê os problemas, mas o do marinheiro,
do luso, do idealista, do homem constantemente em viagem. Afinal, como ele próprio afirma: "Viajar é ver o mundo da melhor maneira (...) De passagem não se descobrem as misérias das coisas".
Na monografia A Lousã e o seu conselho, Álvaro V. Lemos esclarece que o Emigrante voltou algumas vezes à terra natal, tendo-a revisitado pela última vez em 1930, ocasião em que foi homenageado no grêmio recreativo da Lousã e em Lisboa, onde fez
uma conferência sobre O amor nas quadras populares portuguesas e brasileiras, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Para quem tão bem dignificou a Cultura de Portugal e do Brasil, seria oportuno (se alguém dispõe do texto dessa conferência)
publicá-la, porque o tema é com certeza um hino de amor às duas Pátrias amadas por João Luso!
Não concluiremos, porém, sem referir a emoção da releitura da crônica A volta a casa (que reproduzimos na edição lousanense de Arganilia): sem pseudônimos, ao reencontrar a Mãe, o autêntico Armando Erse de Figueiredo renasce nas
palavras finais da narrativa:
"- Onde está ela? Onde está ela?
Aparece-me então uma velhinha, de preto, com a cabeça toda branca, a soluçar. Tão velhinha, tão branquinha...
Mas não eram os seus cabelos brancos que a faziam chorar. Eram os meus!"
João Luso
Imagem: captura de tela do blogue Jornal Eletrônico Brasil Portugal (em 6/6/2014)
[*] João Alves das Neves (30/5/1927 -
12/1/2012) nasceu e foi sepultado na aldeia portuguesa de Pisão de Coja (Arganil). Jornalista, professor universitário e escritor, estudou no Porto, em Lisboa, Paris e São Paulo, onde exerceu as funções de
redator-editorialista do jornal O Estado de S. Paulo e ao mesmo tempo foi professor pesquisador da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.
Colaborou em alguns dos mais importantes jornais brasileiros e portugueses e fundou as revistas culturais Portugalia - 14 vol.;
Comunidades de Língua Portuguesa - 22 vol.; Arganila - 23 vol. Fundou e presidiu o Centro de Estudos Fernando Pessoa, através do qual organizou três encontros culturais sobre os países de língua portuguesa.
Foi ainda diretor de várias associações luso-brasileiras, no Brasil e em Portugal. Publicou cerca de 30 livros, sete dos quais sobre Fernando
Pessoa e outros sobre Machado de Assis, Graciliano Ramos, Camões e outros autores dos dois países. |
João Luso também foi enfocado no blogue Revista Lusofonia (acesso: 6/6/2014):
Imagem: captura de tela do blogue Revista Lusofonia (em 6/6/2014)
João Luso
(n. Lousã, 16 de janeiro de 1874 – f. Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 1950).
Depois dos estudos secundários em Coimbra, Armando Erse de Figueiredo – que se tornaria conhecido como jornalista e
escritor – emigrou aos 17 anos para São Paulo, empregando-se no comércio, até que decidiu enviar um primeiro artigo ao Diário Popular, que tinha como figura de proa o jornalista português José Maria Lisboa. O artigo saiu, Armando/João
insistiu e acabou destacando-se como jornalista, atuando no jornal de estreia e em O Estado de S. Paulo, no Correio Paulistano e na Revista Literária e Paulicéia.
Publicou o seu primeiro livro em 1896 (Contos da Minha Terra) e foi também secretário da redação do Diário de Santos. Mais tarde, mudou para o Rio de Janeiro, secretariando a redação do jornal Imprensa, dirigido pelo grande
tribuno Ruy Barbosa, além de colaborar no Jornal do Commercio, na Revista da Semana e no jornal A Noite, sendo considerado um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro.
Teve igual êxito no teatro, quando escreveu a peça Nó Cego, além de ter traduzido mais de duas dezenas de textos teatrais, ao mesmo tempo em que foi publicando livros. Eleito sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras (a mais
alta expressão literária do País), o Governo de Portugal condecorou-o com o Oficialato da Ordem de Santiago da Espada e o do Brasil atribuiu-lhe a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Famoso, "João Luso" usou também os pseudônimos de "Clara Luzia", "Leopoldo Maia" e outros, mas foi o primeiro que lhe deu maior glória. E não só o nome ("Luso"), mas também o sentimento mantiveram-no sempre ligado à Pátria-Mãe, conforme
testemunham os inúmeros artigos que consagrou a Portugal, alguns dos quais foram reunidos no volume Assim falou Polidoro.
Temos notícia de que revisitou Portugal em 1930: "Acaba de regressar à Lousã, sua terra natal, após largos anos de ausência, o sr. Armando Erse de Figueiredo, vigoroso jornalista que
sob o pseudónimo de ‘João Luso’ colabora no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, onde conquistou uma situação de destaque. /Hoje realiza-se no Grémio Recreativo de Lousã um jantar de homenagem a João Luso, ao qual assistirão muitos
lousanenses e admiradores do homenageado. /O serviço é fornecido por um dos principais restaurantes de Coimbra" (in A Comarca de Arganil). Bons tempos!
Sonho ou realidade? Lembro que pode ser conto ou crônica, assinalando que no volume Textos Dispersos, publicado em 2001 na Lousã, há outros trabalhos que continuam a digressão lousanense: seguem-se à "Volta a casa", os contos meio
ficção, meio de evocação, "O Castelo e a Capela", "Um pastor", "Nossa Senhora da Nazaré" e "A bruxa", indicando-se que terão sido publicados em 1909 no Rio de Janeiro. É há outros de 1932, 1935 e 1941, assim como diversos
não datados, entre os quais o intitulado "Lousã no Coração (fotografias de Francisco Ferreira)". E foram reproduzidos outros dois com o mesmo título, "Dez de Junho" (um de 1932 e o outro de 1942).
Todas estas considerações de "João Luso" devem salientar-se entre os documentos irrefutáveis que acompanham os emigrantes nos chamados "países de acolhimento". Era assim no tempo dele – e ainda hoje é assim!
Enumeramos, por fim, alguns dos principais livros (com várias edições) de "João Luso" – o lousanense Armando Erse Figueiredo: Contos da Minha Terra (1896), Prosa (1904), Histórias da vida (1907), O Amor, a Tragédia e a
Farsa (1907), Ao Sol e à Neve (1909), Elogios (1916), As entrevistas de Expedito Faro (1917), Comédia Urbana (1920), Reflexos do Rio (1923), O Despenhadeiro (1925), Os Menezes de Haddock Lobo
(1925), Alegria e Ternura (1925), Contos de Natal (1930), Viajar (1932), Terras do Brasil (1932), Ares da Cidade (1935), Os animais vossos irmãos (1937), Vocês Criminosos (1938), Assim falou
Polidoro (1941), Orações e Palestras (1941), Fruta do Tempo (1945), Louvores (1946), Quatro Conferências (1949). *
* Reproduzido do volume Textos Dispersos (2001), editado na Lousã. |
Imagem: foto de João Luso para Felix Pacheco, com dedicatória e autógrafo, em janeiro de 1922, medindo 23x17cm, leiloada em 6/4/2013 por
Levy Leiloeiro (acesso: 6/6/2014) |
Imagem: dois cartões postais com imagens do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e de Paris, assinados pelo escritor João Luso e circulados,
com destino ao acadêmico Felix Pacheco, no Jornal do Commercio (enviado de Paris, em 27/11/1910) e a "Mademoiselle Dona Vianna Rodrigues" (enviado em 10/11/1908, do próprio Rio de Janeiro), leiloados em 12/3/2014 por Harpya Colecionáveis
& Antiguidades (acesso: 6/6/2014) |
Imagem: capa da 1ª edição do livro O Amor, Tragedia e Farça, editado por Armando Erse (João Luso) em Lisboa em 1907 pela Livraria
Classica Editora: A. M. Teixeira & C., com 256 páginas |
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