Responsáveis por um arrastão poético em Santos entre o final dos anos 70 e o começo dos 80, os membros do Picaré relembram os 30 anos do
fim do grupo. Eles lutavam contra a elitização cultural produzindo boletins e fazendo a distribuição em faculdades, portas de teatro, bares e cinema - Depois de três décadas, a turma tem se reunido para relembrar os tempos de rebeldia cultural,
quando agitava a Cidade com novas ideias
Foto: Cláudio Vitor Vaz, publicada com a matéria, na página A-1 e na página E-4 e
divulgada por Raul Christiano Sanchez na rede Facebook (acesso: 25/8/2013)
GALERIA
Os marginais e heróis da poesia santista, 30 anos depois
Picaré fomentou a literatura independente
Carlota Cafiero
Da Redação
Eles promoveram um verdadeiro arrastão poético no marasmo cultural de Santos entre o final dos anos 70 e início dos 80:
lançaram manifestos, organizaram passeatas, rodaram livros e picharam muros na calada da noite. Eles foram marginais e heróis ainda no tempo da ditadura no Brasil. A ação não durou muito tempo, mas foi suficiente para movimentar muita gente e
continuar reverberando nos corações e mentes daqueles que integraram o Grupo Picaré, que está "comemorando" 30 anos de encerramento de seus trabalhos contraculturais, em 1983.
Na linguagem caiçara, picaré é a rede de arrasto – atualmente proibida por ser considerada um meio predatório de pescar. Apropriado pelos poetas que integraram o grupo literário, o termo serviu para
situar regionalmente a produção poética na Baixada Santista, isso numa época em que surgiam muitos grupos com a mesma finalidade na Capital e em outras cidades do Estado.
De cunho antiacademicista e a favor da vanguarda e de uma arte humanística, "voltada para o homem, sua vida e seu tempo", o Grupo Picaré tinha alvos bem definidos contra os quais lutar, como a elitização cultural e a estagnação de alguns
membros da Academia Santista de Letras daquele período – que, por exemplo, utilizavam a arte para se projetar socialmente e organizavam homenagens póstumas aos grandes poetas santistas em cerimônias fechadas.
Na foto para a contracapa da coletânea Picaré – uma Dúzia de Poetas (1982) aparecem 11 autores, pois Vieira Vivo não pôde
comparecer
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Embrião - A iniciativa para a criação do Grupo Picaré, em junho de 1979, partiu de Raul Christiano Sanchez – atual secretário de Cultura de Santos e membro da Academia Santista de Letras –
e Rafael Marques Ferreira, quando recém-admitidos na Facos (Faculdade de Comunicação de Santos).
Advindos da Academia Santista Juvenil de Letras – que era ligada ao movimento estudantil secundarista e durou de 1976 a 1977 – Raul e Rafael escreveram juntos, em uma mesa de bar, o primeiro manifesto do grupo, intitulado Neo-Vanguardismo,
seguido de um segundo manifesto, Picarismo, nos quais defendiam uma ação artística "direta, clara, sem o formalismo que impõe normas para a criação".
Com a distribuição de boletins poéticos em faculdades e portas de teatro, bares e cinema, outros jovens autores, com idades entre 19 e 26 anos, aderiram ao grupo, entre eles: Valdir Alvarenga, José Cândido, Luiz Antônio Canuto, Edilza de Souza,
Inês Bari, Sidney Sanctus, Denize Gomes Gonsalves, Alex Sakai, Sérgio Gonçalves Pinto, Fausto José, Vieira Vivo, Orleyd Faya e Osvaldo da Costa.
"Pertencíamos à literatura independente, ao nicho da poesia alternativa e marginal, que é aquela que não fica presa a editoras. Por isso, não passava pela ditadura", diz Vieira Vivo, que continua militando na literatura marginal por meio do
blog www.movimentoativista.blogspot.com.
A jornalista Denize Gomes Gonçalves lembra que o primeiro ponto de encontro do grupo foi a escadaria da Facos, onde se reunia aos sábados. "Depois, migramos para a biblioteca da faculdade, à revelia da direção".
"Os nossos primeiros boletins eram impressos em mimeógrafos. Mais tarde, começamos a ocupar a gráfica da faculdade, à meia-noite, para imprimir os primeiros livros, revela Raul.
Iniciativas do grupo ganharam espaço nas páginas de A Tribuna, no começo dos anos 80
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Reencontros - Denize foi a primeira repórter policial de Santos e estreou na literatura em 1982, com Vida e Corte, que traz os seguintes versos na contracapa: "O tempo escoa/a cada
minuto.../Em cada folha que cai/ Então escrevo.../ Para segurar o tempo/Para segurar um pouco do ser/ Que se esvai.../Com o tempo".
Com o desejo de relembrar aquele tempo bom, a poetisa motivou alguns reencontros recentes entre os antigos companheiros "picaristas". O primeiro foi em outubro de 2012, na estátua O Pescador, na
Ponta da Praia, seguido de outro, em janeiro deste ano, em um café no Canal 4.
O terceiro reencontro foi por um motivo diferente: a realização desta reportagem, na última quinta-feira, no Teatro Municipal Braz Cubas, reunindo dez dos 14 integrantes do grupo.
A escolha do local não poderia ser mais propícia, pois o Teatro Municipal foi palco de uma das ações mais importantes do Picaré: a Feira de Literatura Independente.
Raul Christiano em lançamento de livro de poemas de Denize Gomes Gonsalves
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Ações - A feira tomou o foyer do teatro por uma semana (entre 18 e 27 de dezembro), com mostras de livro, varais de poesia, recitais, mesas-redondas e a vinda de escritores de São
Paulo e até de outros estados, como Nicolas Behr, Alcides Buss, Antonio Carlos Lucena (Touchê), Ulisses Tavares, Glauco Mattoso e Ricardo Soares.
A irreverência do grupo era tamanha que o evento foi encerrado por uma passeata poética pela Avenida Ana Costa rumo à Praça da Independência, com cerca de 50 poetas e
simpatizantes portando faixas e cartazes com dizeres como "Cutuca Meu Bem, Cutuca", "Anistia para o Prazer", "Arte na Rua" e "Oswald, Pagu e Seus Capangas, Salve 22".
Durante a passeata, os manifestantes entregavam panfletos em bares, comércio e carros. "Lembro-me de quando fui entregar um poema para uma motorista e ela subiu o vidro dizendo 'odeio poesia'", diverte-se Valdir Alvarenga, que edita, há 30
anos, a revista trimestral Mirante.
Poetas em passeata poética pela Avenida Ana Costa, em 1981
Foto: reprodução, publicada com a matéria e
divulgada por Raul Christiano Sanchez na rede Facebook (acesso: 25/8/2013)
Nova antologia - Os reencontros entre os poetas – que também se comunicam pela fanpage Picaré Arte & Poesia no Facebook, criada pela "vítima cultural" do Picaré, Gil Menin –
despertaram neles o desejo de publicar, em 2014, uma antologia poética com os poemas mais recentes e os desdobramentos daquele que foi um dos últimos movimentos culturais da Cidade.
Grupo guarda exemplares de livros lançados em cerca de quatro anos
Foto: reprodução, publicada com a matéria
TÍTULOS |
Entre os títulos lançados pela Coleção Picaré, na década de 80, constam:
Vitória e Enxoval para Bebe(r), de Raul Christiano Sanchez;
Ame e Dê Vexame, de José Cândido;
Caosurbanocromia, de Alex Sakai;
Meiu Fiu, de Renato Rovai;
Homem Urbano, de Rafael Marques Ferreira;
Poster Poético, de Fausto José;
Chocolate com Pipoca, de Sidney Sanctus;
Fruto Futuro, de Luiz Antônio Canuto;
Sol da Noite, de Inês Bari;
Vida e Corte, de Denize Gomes Gonsalves;
Plenilúnio, de Valdir Alvarenga;
Mel e Fel, de Edilza de Souza Fernandes;
Um Pouco, de Gastão Picaré – uma Dúzia de Poetas, coletânea;
A Produção Independente na Literatura, catálogo
Picaré – Espaço Alternativo, revista de Osvaldo da Costa |
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Fotografia histórica de Wilson Melo, em 1982, retratando poetas do Grupo Picaré, no prédio da Facos - Faculdade de Comunicação da
Unisantos
Foto e legenda
divulgadas por Raul Christiano Sanchez na rede Facebook (acesso: 24/8/2013)
1978, no Colégio Primo Ferreira, em Santos, preparando a Academia Santista Juvenil de Letras
Foto e legenda
divulgadas por Raul Christiano Sanchez na rede Facebook (acesso: 24/8/2013)
Em1978, durante reunião da Academia Santista Juvenil de Letras, com Lucia Sanchez, Liliam Fernandes e tantos outros
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divulgadas por Raul Christiano Sanchez na rede Facebook (acesso: 24/8/2013)
Em 1980, recebendo Nicolas Behr, em Santos
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Em 1980, recitando com Grupo Poetasia
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Em 1981, apresentando proposta da Feira de Literatura Independente, ao então prefeito
Paulo Gomes Barbosa, pai de Paulo Barbosa
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Em 1981, com o poeta Almir Rosa e o artista plástico Milton Poitena, que ilustrou
Enxoval para beb(r) e fez muitas capas de livros do Picaré
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Em 1981, com a poeta Thereza Rocque da Motta
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Em 1981, com a jornalista Mariângela
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Em 1981, lançando livro em São Paulo, com Thereza Rocque da Motta e Damião de Souza, do
Grupo Poetasia
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Em 1981, na Feira de Literatura Independente, em Santos
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Em 1981, na Feira de Literatura Independente, em Santos
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Em 1981, na Feira de Literatura Independente, em Santos
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Em 1982, com Elias José, em Mococa
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Em 1981, com Milton Poitena, autografando em Itanhaém
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Em 1981, com Milton Poitena, autografando em Itanhaém
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Em 1981, amigos de Itanhaém, comemorando Enxoval para bebe(r) - Otavio Mosca Diz, Silvana Cuculo Diz, Sonia Lamping, Iraê Saraiva,
Yara Saraiva, João Silva, Xixa, Caíto, Sérgio Gonçalves Pinto, Silki..
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Em 1981, Passeata Poética em Santos
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Em 1982, na redação da Faculdade de Comunicação da Unisantos (Facos)
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Em 1982, com parceiro de invenção do Picaré
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Em 1982, registrando pose para a posteridade com o poeta e ambientalista Ernesto Zwarg
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Em 1982, censurados na Concha Acústica de Santos, com Fausto José Barbosa Barbosa,
Valdir Alvarenga, Conchita, Orleyd Faya e Sérgio Gonçalves Pinto — com Conchita Esteves (de mãos no queixo)
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Em 1982, Raul Christiano, por Wilson Melo
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