Luzes e ação há 71 anos na vida de Lolita Rodrigues
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria, na página A-1
CIDADÃ ILUSTRE
Uma santista em cartaz há 71 anos
Atriz, que comemora hoje o início de sua carreira, é um dos destaques da novela Viver a Vida
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
"Vai demorar?" A pergunta foi feita por Lolita Rodrigues, ao telefone, quando tentávamos marcar esta entrevista. Para ela,
não sabemos o quanto demorou. Mas, para nós, as quase duas horas em seu aconchegante apartamento no Jardim Paulista, em São Paulo, passaram como se fossem dez minutos.
O tempo, porém, não foi a única preocupação da atriz. "Vocês vão fazer fotos?", quis saber também, numa das várias conversas ao telefone.
De certa forma, as perguntas refletem duas marcas, uma que lhe foi imposta pelo destino, a outra da própria personalidade: os horários apertados e o espírito vaidoso. Dos horários,
pode-se dizer da época em que passava a semana viajando para figurar nos programas de emissoras regionais, da TV Tupi ou não, no início dos anos 60.
E da vaidade... ah, a vaidade! Lolita sabe que foi - e ainda é - uma mulher bonita. Mas a vaidade também tem um sentido prático: está de certa forma a serviço da imagem. Pois Lolita
também sabe o quanto uma boa dose de (boa) imagem pode alavancar o talento de um artista - quando se o tem, que fique claro.
Assim, recebeu-nos logo pela manhã com uma maquiagem suave, mas suficiente para realçar no ponto certo os já expressivos olhos verdes, transbordando vida e histórias. Também nos
recebeu portando uma bengala - acessório indispensável nos últimos tempos.
"Por causa da artrose, levei dois tombos na rua. Minha filha disse, 'mamãe, anda de bengala, não tem vergonha'. E você sabe que é uma grande proteção? Realmente, é a terceira perda
do homem".
A conversa transcorreu como uma das tantas novelas que ama, pelos seus 81 anos de vida, a serem completados em março. "Quando eu morrer, quero que Deus me coloque num lugar com
televisão, para eu assistir novelas", brincou, com certo ar de coisa séria.
Curiosamente, os primeiros capítulos dessa novela se passaram aqui, em Santos, onde a atriz nasceu. Na certidão, não constava Lolita, mas Sylvia Gonçalves Rodrigues Leite.
Apesar da idade avançada e da dificuldade para andar, Lolita se mantém na ativa, interpretando a personagem Noêmia, na novela das 21
horas
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria
"Cheira lavagem" - "Morava na Rua Carvalho de Mendonça e diziam que quem morava lá era 'cheira lavagem', porque as pessoas que tinham criação de porcos desciam o Morro da Nova
Cintra para pegar restos de comida. Eu era menina, mas ficava possessa".
O pai, Isaac, era estivador. A vida da família não era fácil. Guaraná, por exemplo, só tomavam no Natal. A mãe, dona Izolina, queria fazer da filha uma artista - e não media esforços
para isso.
Assim, com apenas 10 anos incompletos, estreou no Teatrinho de Brinquedo de Dindinha Sinhá, programa infantil de talentos, na Rádio Atlàntica, apresentada
pela soprano Alaíde Ferraz de Camargo. Alguns programas iam ao ar direto do Teatro Colseu.
"Minha estreia no programa foi no dia 10 de janeiro de 1939", recorda a data que considera o marco inicial de sua carreira. Portanto, exatamente hoje, Lolita completa 71 anos como a
artista com que sua mãe sonhara.
Dos tempos em Santos, ainda lembra da praia que adorava e de um momento especial, no fim da Segunda Guerra. "Silvio Fernandes Lopes, Arlete, que seria sua
esposa, e eu, saímos batendo panela na rua". Que rua tenha sido, não se lembra. Mas traz com carinho alguns nomes desse tempo, da Rádio Atlântica e do Grupo Escolar Braz Cubas, no canal 1, onde estudou.
"Quero que você coloque os nomes, para que vejam que eu não esqueci", pediu. Pois bem, Lolita, cá vão: Cinira Alves Justo, Milton de Souza, Lady Martinez, Oscar Pinheiro, Mafalda e
Deise Auriema e Jurema e Perereca do Pandeiro.
Quando o serviço nas Docas ficou difícil, seo Isaac mudou-se para São Paulo com a família. E a carreira da pequena Lolita também subiu a serra: apresentou-se nas rádios
Cultura, Bandeirantes, Tupi.
Por essa época, para participar de um concurso de calouros, sua mãe bolou o nome artístico que a acompanharia por toda a vida, inspirado no nome de uma prima da Espanha. "Me
apresentava como Sylvia Gonçalves. Minha mãe achava que eu tinha de mudar de nome, pois se soubessem que eu cantava em Santos, não ganharia nada".
A mãe estava certíssima: já como Lolita Rodrigues, foi a vencedora da Peneira de Ouro Gordini, na Rádio Cultura, amealhando um prêmio de 500 mil réis. "Para você ter uma ideia, meu
pai ganhava 200 como carroceiro".
Depois de uma passagem pelo cinema, em 1949, no filme Quase no Céu, de Oduvaldo Vianna, Lolita se fez para a tevê. Ou melhor: a tevê se fez para Lolita.
PÉROLAS |
"Eu era garota-propaganda do Mappin, o comercial era ao vivo a gente passava cada uma. Todo dia tinha uma oferta. Copos inquebráveis. Largava o copo, 'pum', quebrava. E eu: 'este não era
do Mappin'
"Cada diretor tem os seus queridos. Gilberto Braga, por exemplo, não faz uma novela em que a Malu Mader e a Cláudia Abreu não estejam, porque ele gosta delas, conhece o trabalho delas" |
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O amor, a amizade - Em 18 de setembro de 1950, Lolita Rodrigues entrou para a história. Na data, a TV Tupi iniciou as transmissões, inaugurando a televisão no Brasil. E foi
ela quem cantou o Hino da Televisão, de Guilherme Almeida e Marcelo Tupinambá, especialmente composto para a ocasião.
"Era a Hebe (Camargo) que ia cantar. Então alegou que estava doente, mas era mentira: estava com o namorado", entregou. A amizade com Hebe, aliás, é uma das coisas que Lolita preza
bastante até hoje. "No Dia do Amigo, liguei para ela, que falou, 'mas você é amiga mesmo, não esquece. Eu sou uma porcaria de amiga'".
Mesmo assim, foi Hebe quem veio ao encontro de Lolita, num momento de aflição. Em 1993, quando o ex-marido Airton Rodrigues faleceu, na Beneficência Portuguesa
de Santos, o plano de saúde ainda estava na carência. Lolita teria que pagar a conta, mas não tinha dinheiro.
Então, entrou em contato com Hebe, para que a ajudasse a vender um quadro, joias e tapetes persas. "Mas quando ela viu que precisava de muito mais, falou: 'Lolita, não se preocupe, a
gente dá um jeito'".
Foi quando o próprio Sílvio Santos ficou sabendo do que se passava. E, num acordo com a operadora do plano, reverteu a dívida em comerciais, veiculados em seu próprio programa e no
de Hebe Camargo. "Isso eu devo a eles".
A outra grande amiga é Nair Bello, falecida em 2007. Tanto que tem uma foto dela na estante da sala. Recorda a amiga com carinho, telefonando "no mínimo umas 12 vezes por dia", só
para saber o que andava fazendo.
Mas o grande amor e parceiro foi o jornalista Airton Rodrigues. "Mas quando ele fez 60 anos, se apaixonou por uma menina de 16. Eu falei: 'vai embora, fica com ela'".
Juntos, apresentaram por quase 30 anos o lendário Almoço com as Estrelas - programa semanal, que atravessou as décadas e as emissoras - foi veiculado nas redes Tupi, Record e
SBT. "O Sílvio percebeu que não dava mais e nos chamou: 'olha, vou tirar vocês, a gente vê na cara de vocês, na televisão, que estão infelizes'".
SÓ DE LUPA! Além de ser "noveleira", como diz, outro de seus passatempos costumeiros são as palavras cruzadas. Mas, por conta de uma
uveite, que já lhe fez tomar cinco injeções na vista, só consegue enxergar as letras com uma lupa. "Esta aqui é muito boa, minha filha me trouxe de Miami", conta. Assim como a própria Lolita Rodrigues, sua filha também se chama Silvia
Gonçalves, mas não tem nem sequer um pé na carreira artística - é médica - e mora em João Pessoa (PB)
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria
Trabalhar na Globo: um sonho sonhado e mais que realizado!
Lolita permaneceu na TV Tupi até 1963. Depois, foi para a TV Excelsior, onde ficou até 1967, quando se transferiu para a Record. Lá, ficou até 1974, ano em que voltou para a Tupi,
até o encerramento, em 1980. Depois, foi para o SBT.
Desde 1986 está na Rede Globo. "Fiquei deslumbrada, imagina, a Globo! Vinham conversar comigo, eu ficava toda animada. O Toni Ramos me apadrinhou lá dentro: 'olha, essa mulher é
minha amiga'".
Embora não vá à igreja, porque "não gosto de sermão", como diz, considera-se devota - e tem várias imagens de santos espalhadas pela casa. Por intermédio de um deles, já na Globo,
recebeu um pequeno milagre.
"Comecei a ver Terra Nostra. Dizia: 'Deus, queria tanto entrar nessa novela'. Então fiz uma promessa a Santo Expedito. E me chamaram".
Em Terra Nostra, de 1999, interpretou Dolores. Atualmente, vive Noêmia, mãe do personagem de José Mayer em Viver a Vida - aquela que será sua última novela. "Eu quero
parar. Vou fazer 81 anos, estou de bengala, chego no aeroporto, ando tanto que quando entro no avião já estou com a língua de fora".
Ao contrário de outros atores e atrizes, Lolita tem contrato por trabalho. Portanto, se está fora da tela, não ganha. E não foi sempre que teve trabalho. "Digo que estou partindo
para o meu quinto milhão, pois os outros quatro ainda não ganhei...", sorri...
Mesmo assim, não se ressente. Nem se arrepende de nada do que fez. Apenas do que não fez. Mas o quê? "Não posso falar, né? Coisas que a gente sonha e não consegue. Me arrependo de
ter sido muito crédula. Sempre acreditei muito nas pessoas".
Porém, o tempo cobra seu preço e Lolita não esconde o desconforto com a velhice. "Vem dizer que a minha é a melhor idade? Pelo amor de Deus! Q melhor idade é a juventude. Você não
tem cansaço, preguiça. Sabedoria? Aprendo com os mais jovens".
Sim, Lolita confessa que trocaria a sapiência dos anos por um sopro de juventude, que a livrasse da artrite, da osteoporose, da fibromialgia... Isso sem contar o câncer no intestino,
extirpado há seis anos. Mesmo assim, se diz uma pessoa feliz. Mas por caminhos complicados.
"Já passei por tanta tristeza, tantas doenças, tantas biópsias. Você não acha que devo ser uma pessoa feliz?"
E por mais que o vale pareça sombrio, a vila fala mais alto: Lolita não tem medo de morrer. "Tenho pena. Porque gosto muito da vida".
MELHOR IDADE? - "Acho a velhice uma chatice, porque cai tudo. Você olha no espelho, opa! Nunca mais eu pus maiô na minha vida. Tinha
apartamento em Santos, vendi. As pessoas todas conhecem a gente aí: 'Olha a Lolita Rodrigues andando na praia... mas ela tá um bagaço...'"
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria
Alguns momentos...
O COMEÇO - Aos 10 anos, Lolita, vestida de espanhola, estreia no Teatro Coliseu, em um programa de rádio, exatamente há 71 anos
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FILHA DA TERRA - Esta era a casa de Lolita quando nasceu. Ela ficava no Marapé, em Santos. Nas janelas, sua mãe e irmãos
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FAMA - No programa Almoço com as Estrelas, da Tupi, entre o diretor Júlio Gouveia e a autora de livros infantis, Tatiana Belinky
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HUMORÍSTICO - No programa da Globo, Zorra Total, com os companheiros Nair Belo (uma de suas melhores amigas) e Elias Gleiser
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