Há 41 anos, Santos é a morada de
Beatriz Rota-Rossi, que mora num aconchegante apartamento-ateliê, cercada por telas, tintas e livros
Foto: divulgação, publicada com a
matéria
Beatriz Rota-Rossi e suas histórias de vida, morte e amores impossíveis
Professora e pintora, ela lança o livro Noite de Reis,
resultado de anotações de suas peregrinações por Buenos Aires, Santos e Paraty
Ineide Souza di Renzo
Da Redação
Ela chegou por aqui há 41 anos,
junto com marido e filhas. Veio de Buenos Aires e ficou. Como já conhecia algumas cidades brasileiras, entre elas Santos, de viagens anteriores,
Beatriz Rota-Rossi aqui fincou seus alicerces de vida, fazendo seu nome como professora de Cultura Brasileira e História da Arte, na
Universidade Santa Cecília, e como artista plástica.
Com muitas histórias para contar, tanto de suas vivências em Buenos Aires quanto no Brasil, ela
agora lança um livro de contos. "Na verdade, não são contos. São anotações de observações do comportamento humano que guardei para pintar ou
escrever. Peguei essas anotações e dei corpo".
Contos ou anotações,não importa. O fato é que no próximo dia 7, às 19 horas, no Espaço Cultural
Santa Cecília, ela autografa Noite de Reis. "Nele estão dez histórias sobre as três cidades onde passei a maior parte da minha ida,
Buenos Aires, Santos e Paraty. Esses lugares contribuíram para me formar como ser humano e são o estribo e caldo do que está em meu livro".
Mulher de posições políticas definidas e engajada na luta pela democracia, muita gente
acreditou que sua vinda para o Brasil deveu-se a problemas com a repressão política na Argentina. "Que nada, foi apenas uma questão familiar,
por conta de um contrato de trabalho de meu marido. Poderíamos ter escolhido Fortaleza, Porto Alegre ou São Paulo, mas ficamos em Santos, que já
amávamos e ficava perto da Capital, onde meu marido trabalhava".
Em seu país, ela era filiada ao Partido Socialista. "Era quase uma obrigação, afinal eu
pertencia aos movimentos anárquicos. Aqui, encontrei um quadro político semelhante à Argentina e também me engajei. Tive a sorte de conhecer
gente que lutava pela democracia brasileira, como Plínio Marcos, Oscar Von Pfhul e sua mulher Gilberta Autran (irmã do ator Paulo Autran, já
falecido) e outros. Como estrangeira eu corri um grande perigo, mas nunca fui torturada. Na Argentina, tenho parentes desaparecidos".
Vida santista - Em Santos se estabeleceu como artista e professora. "Fiz adaptação de
meus estudos na Argentina, onde me formei em História da Arte, o que não me servia para nada aqui. Então fiz faculdade de História, para poder
dar aula. Mas o professor Milton Teixeira, do Santa Cecília, me aceitou sem o título completo e comecei a dar aula.
Apesar da vida longa no Brasil, o sotaque de sua terra ainda predomina. Mesmo assim, é fluente
em francês tendo dado aula do idioma. Também fala italiano. A pintura e a vida acadêmica são o seu ganha-pão, mas Beatriz já trabalhou como
manequim. "Bom meu marido estava muito bem, eu era uma dondoca. Trabalhei como modelo até minha filha nascer. Era uma forma de trabalho. Hoje,
tenho duas filhas, quatro netos e um bisneto de 2 anos".
Mas aqui, ela deu sequência ao trabalho artístico, pendor descoberto desde pequena, já que seu
pai também pintava. "Ele tinha uma grande fábrica, mas adorava pintar, e minha mãe, musicista, era regente de orquestra. O gosto para a arte já
estava em mim, nasci no meio de concertos e cheiro de tinta".
Sua arte foi lapidada quando entrou num curso livre de Belas Artes. "A primeira vez que expus
foi em São Paulo, no Clube dos Artistas dos Diários Associados. Depois abri um ateliê de gravura e desenho no CCBEU, em Santos".
Outro mundo |
"A vida no cais de Santos era impressionantemente rica, com artistas, boêmios,
malandros e prostitutas. Era uma atmosfera única" |
Beatriz Rota-Rossi, pintora e professora |
Cais de Santos, paixão sem fim
Santos deu mais ênfase ao seu fazer artístico. "Eu me apaixonei pelas bocas, pelo cais de
Santos, A vida do cais era impressionantemente rica, juntava intelectuais, boêmios, artistas, prostitutas, malandros. Eram histórias sem fim.
Formávamos um grupo, eu, Plínio Marcos, Luiz Hamen, Alex Vallauri e um monte de amigos. As prostitutas eram nossas modelos".
É aí que ela volta ao seu novo livro Noite de Reis. "Alguns contos desse trabalho são do
cais e de toda a atmosfera que guardei na memória. O cais tem essa riqueza. Hoje é mais estranho, mas ainda tem os bordéis e figuras
interessantes. Às vezes, vou ao ponto das catraias e peço para as pessoas posarem. É um outro mundo".
O livro também traz memórias de Paraty, onde ela foi acampar com a família logo que chegou ao
Brasil. "Eu me apaixonei pela cidade e logo comprei um terreno. Tempos depois construí uma casa de barro naquela área. Era uma casa-ateliê. Aí
vi um mundo diferente, maravilhoso, mágico, onde você acredita em tudo. Acredita no que vê, porque vê muita coisa, no que não vê e no que te
contam. isso é ótimo para contos e tudo lá canalizou para a escrita".
Os contos sobre Buenos Aires e Santos têm mais relação com vida e morte. São mais duros,
brutais, segundo ela. "Paraty é o sonho, o amor impossível e as coisas incríveis. Alguém pode virar mula sem cabeça, desaparecer diante de seus
olhos em uma cachoeira. Entretanto, para mim, as três cidades têm um clima todo especial".
O livro lhe traz o orgulho de contar com comentário do maestro Roberto Martins e do professor
Julio Katinsky, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "É uma honra tê-los apresentando o livro. Além disso, a noite de autógrafos vai
contar com uma instalação de Mauriomar Cid, a partir de alguns quadros referentes aos contos do livro".
Arte e literatura - Pintar e escrever são atividades que para ela estão intimamente
unidas. "Eu deixo o computador e vou para a mesa de pintura e mancho o computador com tinta. São ideias diferentes. Não sei se uma inspira a
outra. Aliás, não gosto da palavra inspiração, que me parece muito superior, elevada. Acho que o que fazemos é um trabalho que amamos e só um
trabalho que amamos e que tentamos realizar o melhor possível. Inspiração é um dom divino, algo que não é teu, o teu é o trabalho".
Noite de Reis, publicado pela Editora Unisanta, não é o primeiro livro de Beatriz, que
também é autora de Da Gravura ao Grafite - A Biografia de Alex Vallauri. Já falecido, ele trouxe esta arte para o Brasil e era primo de
Beatriz.
Ela lançou ainda Traços e Tramas da Arte Santista e Varal com contos de fantasmas de
Paraty. "Eu gosto muito desse imaginário popular. Tanto que escrevi um livro sobre os fantasmas dos teatros para a Prefeitura de Santos".
Imagem publicada com a matéria
Lançamento
Noite de Reis terá sessão de autógrafos no próximo dia 7, às 19 horas, no Espaço
Cultural Santa Cecília (Rua Oswaldo Cruz, 277, Térreo do Bloco M, Santos). Publicado pela Editora Unisanta, traz dez contos que brincam com a
imaginação do leitor. Entre as histórias, Beatriz Rota-Rossi destaca o conto que dá nome ao livro e que foi inspirado em notícia de Gilberto
Dimenstein publicada no jornal Folha de S. Paulo, sobre um Papai Noel que atira numa jovem. Também chama a atenção para o conto passado na
estrada Rio-Santos. O livro logo estará nas livrarias e custará R$ 23,00. |
Lançamento do livro Noite de Reis,
em 7 de outubro de 2011, no Espaço Cultural Santa Cecília, da Unisanta, em Santos
Imagem
publicada no
seu perfil na rede social FaceBook (acesso em 23/3/2013)
Capa do livro
Noite de Reis, de Beatriz Rota-Rossi
Imagem publicada no site
Culturalmente Santista (acesso em 23/3/2013)
"Noite de Reis (título de um
dos contos) é um livro de contos dividido em três momentos correspondentes as três cidades onde passei a maior parte de minha vida. As três
cidades que contribuíram para me formar como ser humano; estribo e caldo de cultivo das histórias – Buenos Aires, Santos e Paraty
Colocando em ordem meus arquivos, percebi que eu tinha o corpo principal de mais 30 contos escritos no decorrer dos últimos 10 anos. Há dois
anos, comecei a reconstrução dos mesmos. Havia, aqui e ali, lembranças autobiográficas, notas sobre comportamento humano, linguajar, cacos de
sonhos, angustia e felicidade de personagens que saiam da ficção para tomar vida própria. Escolhi dez contos dentre os trinta para serem
publicados.
Vida e morte, fim e recomeço, são temas presentes nos três momentos – nos dois primeiros, Buenos Aires (a vida vista através dos olhos de uma
criança) e Santos, esses binômios se apresentam de forma mais concreta, mais realista. No terceiro momento, Paraty, começo e fim se vêm
confundidos como ondas interdependentes, com o improvável, com a magia da micro paisagem dessa cidade, algo difícil de acontecer na densidade
urbana.
Beatriz Rota-Rossi,
em
seu blogue ArteVaral1, em 22/9/2011 (acesso em 23/3/2013)
Cartaz de lançamento do livro
Noite de Reis, de Beatriz Rota-Rossi
Imagem publicada no
blogue ArteVaral1, em 22/9/2011 (acesso em 23/3/2013) |