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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - M.GRUBER
Mário Gruber (24)

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Em 1948, Mário Gruber expôs na capital paulista, junto com Aldemir Martins e Camerini. A exposição foi visitada pelo pintor Di Cavalcanti, que assim se manifestou em artigo publicado em 15 de agosto de 1948 no jornal paulistano O Estado de São Paulo, página 6 (Acervo Digital Estadão - acesso em 30/10/2012):

Imagem: recorte, divulgado no perfil Mário Gruber da rede social FaceBook (acesso: 30/10/2012)

Recado de um velho pintor a seus colegas mais novos

E. Di Cavalcanti

Quando vejo que surgem novos pintores, lembro-me de minha estrela. Depois de visitar a exposição dos três novos e talentosos Aldemir Martins, Camerini e Mario Gruber, que trazem a inquietude dos vinte anos ao cenário de exposições de São Paulo, sou obrigado a recordar-me dos tempos idos e vividos.

Os três rapazes da Galeria Domus aparecem comedidos no número de telas expostas e com personalidades já características nos seus trabalhos. Aldemir, denunciando predileções por uma técnica de desenhista gráfico nas composições, onde a cor pura resolve sumariamente os volumes. Aproxima-se das resoluções do Picasso atual, cujas fontes são o arcaico grego e o bizantino dos mosaicos.
 

Essa aproximação não faz mal a Aldemir. O necessário é que ele mantenha o equilíbrio da composição e procure sempre chegar a maior precisão no contraste entre uma cor e outra, interpondo meios-tons na mesma técnica das cores puras. É o que se encontra nas lindas tapeçarias de Lurçat e nos quadros dos franceses Walch e Desnoyer. O que se pode aconselhar ao jovem cearense é o trato da decoração mural e mesmo da tapeçaria, não devendo nunca se afastar da observação da humanidade popular brasileira.

Camerini é outro tipo de pintor: sendo italiano, já possui, denunciando seu parentesco com os modernos pintores da Itália, a paleta mate, rica de tons baixos que dão aos seus quadros uma melancolia crepuscular. Seu desenho, quando não quer procurar estilos e fica só diante da realidade, é mais forte, demonstrando quanto melhora o artista despindo-se de certos preconceitos modernistas. Se Aldemir necessita sempre da fantasia para resolver suas telas, Camerini, ao contrário, precisa da objetividade, que se casa com seu temperamento.

Entre Camerini e Aldemir, Gruber traz-nos um mundo de inquietudes bem diverso. Se por um lado está mais vacilante que seus colegas, por outro leva-nos a regiões mais profundas. Prevê-se, na sua obra futura, densidade de matéria e riqueza de colorido. Acredito que o caminho de um realismo nutrido de sensualidade, é o seu - esse realismo que se exacerba com eloquência, como o de Courbet, deve ser o clima do futuro Gruber...

E essa estrela dos três rapazes dá-me a grande felicidade de ver como melhorou a pintura brasileira de 1917 até nossos dias.

Eu, quando aqui apareci (justamente em 1917), era de uma insipiência terrível. Só mesmo a bondade de Mario de Andrade, de Menotti, de Guilherme de Almeida e de Oswald de Andrade fazia que eles me chamassem de genial artista. O Oswald chegou mesmo a me chamar, pelas colunas do Jornal do Comercio, de "menino-prodígio"...

Afirmo hoje a esses amigos e ao público que nunca fiz nada para ser chamado de gênio, que iniciei a minha carreira de pintor bem longe da meninice e que minha inquietude de modernista naquela época escondia uma precária técnica pictural, o que não é o caso dos três rapazes que expuseram na Galeria Domus.

E nem podem imaginar o Aldemir, o Gruber e o Camerini o que era o público paulistano de 1917!

Dominava o ambiente de então, no campo das artes plásticas, o gosto luso de um senhor chamado Jorge, que possuía uma galeria, e de outros mercadores italianos e espanhóis que aqui chegavam carregados de Salinas e Sevantinis e de tantos outros pândegos da baixa pintura europeia.

Havia também a glória de se possuir um Paul Chabas!

Os nacionais mais queridos eram os bons velhinhos Batista da Costa e Pedro Alexandrino, o primeiro grande distribuidor de capim verde a seus clientes, e o segundo obrigado a uma ininterrupta fabricação de panelas, frigideiras e caçarolas com legumes e frutas destinadas a aumentar a dispepsia de seus admiradores...

Diga-se a verdade, que este dileto público ainda perdura, mas formou-se paralelamente outro mais avisado, que cada vez mais se avoluma. Não se pode negar que os modernistas "históricos" muito trabalharam para criar o ambiente atual. Os fatos aí estão. Até um clube de artistas e amigos da arte já possuímos, herdeiro legítimo do Clube de Arte moderna, o velho CAM, que eu, Flavio de Carvalho, Gomide e Carlos Prado fundamos com a colaboração de Noemia, John Gras, Anita Malfatti e tantos outros.

Ainda outro dia, lembrei com Flavio a noite em que resolvemos transformar um prédio dos engenheiros Villares em nossa taba sagrada. Derrubamos paredes, transformando o que tinha sido feito para pacatos escritórios em um refúgio sagrado de violentos apaixonados de uma arte viva, vivíssima, queimando-se nas mais estranhas volúpias da originalidade.

Nem mais existe a casa, nem mesmo a Rua Pedro Lessa, onde nasceu o CAM...

Mas a boa arte brasileira não morre e aí está o exemplo dos jovens Camerini, Gruber e Aldemir, a melhor colaboração atual abrindo novos caminhos no futuro. (E.S.I.).

Aldemir Martins, Enrico Camerini e Mário Gruber na inauguração da exposição que fizeram em conjunto em 1948, na Galeria Domus, em São Paulo

Foto divulgada no perfil Mário Gruber da rede social FaceBook (acesso em 30/10/2012)

 

"TRÊS PINTORES MODERNOS - Foi inaugurada anteontem, na Galeria Domus, à Rua vieira de carvalho, 11, uma exposição de trabalhos de autoria dos pintores Enrico Camerini, Mario Gruber Correia e Aldemir Martins. Ao ato compareceram numerosos artistas e figuras de destaque na sociedade. Na gravura vemos, da direita para a esquerda, a poetisa Amelia Martins, Di Cavalcanti, Aldemir Martins, Mario Gruber Correia, Aldo Bonadei e Enrico Camerini, fotografados no recinto daquela mostra de arte" - Jornal paulistano Folha da Manhã, domingo, 4 de julho de 1948, página 8 do 1º caderno (acesso em 30/10/2012)

Imagem divulgada no perfil Mário Gruber da rede social FaceBook (acesso em 30/10/2012)

 

Cartão de Di Cavalcanti recomendando Mário Gruber para que recebesse bolsa de estudos do governo francês:

"O portador deste cartão é o jovem pintor Gruber, rapaz de raro talento que se apresenta como candidato a uma bolsa de estudos das que são dadas pela França. Considero-o como um dos melhores dos novos pintores de São Paulo e muito recomendo-o acreditando que Paris iria ganhar mais um talento. Sem mais agradecido e afetuosamente, Di Cavalcanti - 8-12-48"

Imagem divulgada no perfil Mário Gruber da rede social FaceBook (acesso em 30/10/2012)

 

Convite para a exposição  de Aldemir Martins, Enrico Camerini e Mário Gruberna Galeria Domus

Foto divulgada no perfil Mário Gruber da rede social FaceBook (acesso em 30/10/2012)

Artigo de Sergio Milliet publicado pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, na página 8 da edição de 9 de julho de 1948 (Acervo Digital Estadão - acesso em 03/10/2012):

Mario Gruber Correia - Autorretrato

Imagem publicada com a matéria

A Semana Artística

Sergio Milliet

A semana marcou uma recrudescência impressionante no movimento pictórico em São Paulo. A nota curiosa é que os modernos vão aos poucos expulsando o mau academismo das galerias todas. Na "Itá", Gino Bruno; na "Itapetininga", Chareoux lara e Thire; na "Domus", Aldemir, Camerini e Gruber Correia; na "Itapoá", Tilde Canti. Bela afirmação, sem dúvida, e encorajante. Mas que tendências dentro do modernismo se apresentam vencedoras? E até onde vai a liberdade do nosso pintor?

Ninguém ignora, principalmente depois do artigo de André Lhote, nesta folha, que na Europa e nos Estados Unidos a batalha está travada entre as escolas figurativas e o abstracionismo. A velha guarda é figurativa, embora chegue até o cubismo. Somente Léger parece hesitar, escolhendo uma pintura decorativa brilhante, pessoal, dentro de sua linha antiga mas sem preocupação, mesmo longínqua, do objetivo. Ele serve de ponte entre os revolucionários de 1908-1920 e a jovem escola que tem por mestres Kandinsky, Mondrian e alguns surrealistas.

O perigo da nova escola, diria quase "da nova moda", está na margem enorme de "bluff" que permite. Para cada Mondrian, centenas de tapeadores. Para cada pesquisa paciente e sensível de ritmos e equilíbrios, centenas de acasos. Dirão que o mesmo se dá nas outras escolas. É verdade, mas os critérios da crítica selecionadora são menos objetivos e evitam mais facilmente a invasão dos medíocres e dos "carreiristas". Em S. Paulo não sei de nenhum pintor, nem mesmo de nenhum pintor de nome, que se tenha dedicado ao abstracionismo. Os que se interessam agora pela pintura da moda são pintores que malograram até hoje em suas tentativas expressionistas ou primitivistas. Malograrão sem dúvida igualmente no abstracionismo, mas iludirão por algum tempo ainda, graças à indecisão de certos críticos e à timidez de outros.

Quando da exposição de Flexor em S. Paulo, disse, a propósito da parte abstrata de sua obra, que ele caminhava para a pintura musical, nesse sentido de uma procura de melodias lineares sobre a orquestração dos volumes e cores. Melodias, ritmos, pela conjugação das melodias, e orquestração, eis em suma o abstracionismo. Evidentemente, o critério para o julgamento das obras dessa escola será em extremo elástico. Dependerá principalmente da sensibilidade do crítico, o que pode permitir não somente todos os erros de valorização ou desvalorização da obra, mas ainda a mais deslavada insinceridade, o mais desbragado oportunismo e a mais cínica literatura.

Elsa Triolet, em artigo publicado na revista Europe, acerca da naturalidade da expressão artística, conta o caso de uma grã-fina que se inquietava porque "estava começando a gostar do figurativo". A frase é característica e assinala o esnobismo do público abstracionista em geral. Imaginem só! Se eu começasse a preferir a saia curta! Que horror! Mas amanhã, a moda será diferente, será da pintura social, por exemplo, e esse mesmo público terá vergonha de gostar de Randinisky, tão "passado" já!

Observe-se que não sou "contra" a arte abstrata, acho mesmo que pode levar-nos a soluções admiráveis e que corresponde a uma necessidade do espírito, de uma época, que exprime bem certa urgência de evasão peculiar a um momento de transição e de lutas políticas exclusivas. Mas não sou tampouco "a favor" do abstracionismo como solução a ser adotada sectariamente. Haverá pintores notáveis que terão sua melhor expressão na pintura abstrata, mas haverá igualmente outros, não menores, que só conseguirão atingir a obra de arte através do figurativo.

O "serviço militar" do cubismo, por que todos passam agora, mesmo nas escolas oficiais de belas artes, pode impelir o pintor para ambas as soluções: a do abstracionismo e a do realismo mais ou menos livre nas suas formas. O que importa para o julgamento dessa produção não é a margem maior ou menor de realidade, porém a maior ou menor realização dos princípios eternos que se deparam na base das obras-primas de todas as épocas, de todas as culturas, de todas as escolas: composição, sensibilidade, imaginação, representatividade ou, se preferirem, significação. Isso tanto se encontra numa tela de Randinsky quanto numa de Braque, num apreço de Giotto, numa paragem chinesa ou num ídolo negro. Se os amadores de abstracionismo assim entendessem a arte pictórica, não haveria nenhum perigo de "grilo". Mas, para assim entendê-la, são necessários estudos, meditações e sensibilidade que a boa maioria do público não possui.

Saí fora do assunto com esta longa digressão que pretendo desenvolver em outra oportunidade, quando tivermos em S. Paulo a exposição internacional de arte abstrata que se está organizando sob o patrocínio do Museu de Arte Moderna e graças à boa vontade e à dedicação excepcional de Francisco Matarazzo Sobrinho. Por ora, o que visava era apenas mostrar que o modernismo brasileiro continua apegado a certas soluções expressivas e cubistas e que dentro desses limites vem produzindo obras realmente curiosas, como se pode ver das exposições atuais.

Na "Domus", três novíssimos apresentam suas telas e já revelam alguma personalidade própria nos resultados obtidos. Camerini mais sólido do que nas precedentes exibições, com um sentido da cor e da composição muito firme. A velha influência de Bonadei é ainda perceptível em suas paisagens e naturezas mortas, mas nos retratos ele se descobre melhor e se exprime com segurança. Um retrato de menina ali exposto parece-me excelente e suscetível de marcar data na evolução de seu estilo.

Mario Gruber Correia é inquieto, mostra muita habilidade no desenho, mas peca pela composição simplista e hesita na dosagem dos valores. Por outro lado, vale-se amiúde de soluções ocasionais de matéria que ao problema da pintura. Seus últimos quadros, francamente expressionistas, de linhas e colorido, impressionam Deus.

Aldemir compõe com elegância e desenha com espírito. Sua pintura é sobretudo inteligente, ousada nos acordes de cores cruas, algo decorativa, mas seu apego a uma lição cubista rudimentar prejudica-lhe bom número de telas. Tenho a impressão de que Aldemir passará muito brevemente, de armas e bagagens, para o abstracionismo. Talvez lhe falte ainda, para dar o passo final, um pouco de requinte na orquestração, que ainda está no período da melodia e do ritmo.

Na Itapetininga, Lara é uma revelação de temperamento e de gosto. Há na sua pintura uma densidade de matéria, uma harmonia, em verdade algo sombria de colorido, que convencem totalmente. Muito menos seguro me pareceu seu companheiro de exposição, o já conhecido Charoux. Suas tentativas abstratas carecem de uma melhor compreensão do assunto. Suas fusões e superposições de linhas e cores não têm unidade.

Na mesma galeria, Thiré expõe desenhos deliciosos, impressões rápidas, cheias de espírito e de elegância.

Na Itá, Gino Bruno continua a brilhar.  brilhar excessivamente, talvez em virtude de um temperamento apaixonado que o impele a acentuar as notas vibrantes com alguma retórica. Duas ou três paisagens e outras tantas naturezas mortas me satisfazem amplamente pela largueza e a liberdade da execução e também pela solução colorística, não raro muito gostosa.

Uma palavra ainda de incentivo ao esforço de purificação de Tilde Conti.

Aldemir Martins - Retrato

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