São Paulo, 1º de junho de 1971.
Prezado Senhor
Redador-chefe da Folha de São Paulo
Saudações
Venho, por meio desta, lançar um protesto contra uma reportagem publicada na "Folha"
de hoje, sobre a filmagem de um romance de meu irmão o falecido escritor Affonso Schmidt. Essa reportagem, entre outras cousas, diz que a "Marcha" é
uma obra incompleta de Affonso Schmidt, o que não é verdade. A "Marcha", Sr. redator, é um romance histórico completo, sua obra preferida e que foi
premiada pela Academia Brasileira de Letras, em 1942, com o prêmio Machado de Assis.
A reportagem diz que o sr. Oswaldo Sampaio, diretor do filme, não seguirá o romance.
Precisará seguir, sim, pois de modo nenhum queremos e consentiremos que a obra de meu irmão seja deturpada e que sua idéia e pensamento sejam
desrespeitados por ninguém. Sei perfeitamente que precisa haver uma diferença entre o livro e o filme mas, tudo isso, dependendo da autorização dos
herdeiros do escritor. Até este momento, por incrível que pareça, os filhos de Affonso Schmidt não foram procurados pelo dito Sr. Oswaldo, por
ninguém por ele e nenhuma autorização lhes foi pedida para ser feito esse filme.
Ainda agora, quando o escritor Ferreira de Castro esteve no Brasil, contou à
"Manchete" que um seu livro ia ser filmado, já havia dado autorização para isso, mas, quando viu a porcaria que estavam fazendo, cancelou
imediatamente a licença.
O Sr. Oswaldo Sampaio não quis saber de nada: contratou atores, escolheu local, deu
entrevistas, só não se lembrou de perguntar a opinião dos filhos e família do escritor sobre isso. Foi uma triste surpresa para nós ao lermos a
"Folha" (justamente a "Folha"!) Sr. redator e depararmos com essa reportagem fajuta (desculpe). Peço-lhe desculpas por estar me dirigindo ao Sr.
mas, pode crer, ficamos aborrecidíssimos com tudo isso (pela milha letra o Sr. poderá avaliar), mas temos razão: quando é levantada a cortina de
silêncio colocada em torno do nome de Affonso Schmidt e de sua obra, já sabemos que vamos sofrer. Isso tudo é muito triste. Lançarem mão de uma obra
premiada e histórica, dizerem que ela é uma obra incompleta, apoderarem-se dela e agirem como se estivessem em plena terra de ninguém.
Estou protestando por ter ficado muito triste e revoltada com a reportagem da "Folha",
mas quero deixar bem claro que não nos compete para filmagens e nem o contrato sobre direitos autorais: isto é exclusivamente com os filhos do
escritor falecido.
Ao terminar, quero dizer de nossa satisfação ao vermos Pelé, o bem amado Pelé,
trabalhando nesse filme. Era a obra querida do autor e, se fosse vivo, isso lhe causaria muita alegria, grande amigo e admirador da raça negra, que
era.
Esperando a fineza de uma retificação, muito grata,
M. Clara Schmidt
R. Caramuru, 346, Vila Mariana - São Paulo |