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A falta de trocos
(Copyright da Imprensa Brasileira Reunida Ltda. (I.B.R.) - Exclusividade no Estado de S. Paulo para a "Folha da Manhã")
Afonso Schmidt
(Autor de "Pirapora", "Curiango", "Os Impunes" e outros)
Não é de hoje que São Paulo se queixa da falta de moedas, notadamente de dinheiro miúdo para trocos. Durante um largo período colonial, o Brasil praticou a permuta das
mercadorias, por não ter uma moeda que facilitasse essas transações. Em muitas capitanias, segundo o nosso preclaro Rocha Pombo, ainda nos meados do século XVIII não se havia generalizado o uso da moeda metálica. Quando ela foi introduzida no
Maranhão, de 1724 em diante, causou tal desordem em todas as relações da economia interna que as Câmaras e os próprios governadores pediram socorro à Corte!
Atualmente nos queixamos, talvez infundadamente, de que a nossa moeda divisionária emigra para o estrangeiro, para ser fundida e utilizada no fabrico de armamentos. Ainda há pouco o diretor da Casa da Moeda, numa
entrevista à imprensa, declarou que essa crença não tem fundamento, pois o valor intrínseco dos nossos níqueis e ligas é absolutamente inferior ao valor que nelas encontramos inscrito.
Naquele tempo, o inimigo da moeda não era o contrabandista estrangeiro, mas o ourives nacional. Diz o historiador que a especulação do cerceio das moedas tornou-se um vício geral por parte dos ourives, sendo
necessário tomar contra estes as medidas mais opressivas e vexatórias. Quando não desfalcavam a moeda no peso, fundiam o metal para obras...
No entanto, a Bahia tinha muito ouro. Conta um viajante francês que "nunca vira um pais em que tão abundante seja a moeda como este lugar do Brasil". Só corria ouro e prata. As patacas foi na cidade do Salvador
que andavam aos pontapés e decerto surgiu a anedota da árvore das patacas, que ainda hoje se repete por aí.
Enquanto isso, a Casa da Câmara de São Paulo, nas suas atas, registrava a falta da moeda, de moeda divisionária e os inconvenientes que daí decorriam. Pediam mesmo os oficiais camaristas que os comerciantes
aportados em São Paulo com mercadorias, depois de vendê-las, gastassem aqui mesmo o produto do seu comércio, para que a terra não ficasse sem o seu dinheiro.
Tudo isso acabou em motins no dia 3 de agosto de 1692. Nesse dia, "ouvindo tocar o sino do povo, acudiram os juízes e os vereadores". Era um menino que o tangia e os juízes mandaram prendê-lo. Logo depois
comparecia a turba de amotinados, exigindo a reunião dos oficiais da Câmara, sendo impostas diversas medidas.
Acrescenta Capistrano de Abreu:
"Em 23 de janeiro de 1693, o povo foi adiante; à vista da confusão resultante da falta de moedas para trocos, levantou novamente o valor do dinheiro miúdo acima do que decidira havia três anos".
É que naquele temo - observará o leitor - não havia passes da "Light" para substituir a moeda divisionária e facilitar o pequeno comércio. Foi talvez pela falta de trocos, com sucessivos aumentos do valor do
dinheiro, que chegamos ao estado atual: a nossa moeda de menor valor é a de 100 réis...
Ainda há pouco, num jornal portenho, lemos o seguinte elogio a São Paulo: "Un café custa apenas docientos réis, mas perfuma el barrio entero".