Nunca se falou tanto em união nacional como nestes últimos dias. Acredito, porém, que nem todos lhe atribuem a mesma
significação. Daí as perguntas de pessoas que desejam esclarecimentos. Essa união será um partido político? Uma frente única de partidos? Como se
poderá chegar à união nacional?
Há poucos dias,uma correspondência publicada neste jornal contava que o sr. Roosevelt se mostrava satisfeito porque, na
conferência de Ialta, fora encontrado um denominador comum para a questão da Polônia. Não será preciso esclarecer que, com isso, o ilustre
presidente dos Estados Unidos quis dizer que ele e seus companheiros, depois de examinar prós e contras, conseguiram descobrir aquele ponto em que
todos os interessados num mesmo assunto se encontram de acordo. Segundo parece, essa é a doutrina que, no após guerra, orientará as relações entre
os homens.
Nada, porém, como um exemplo. Nos anos que antecederam a guerra, alguns países largamente politizados estavam divididos em
partidos mais ou menos contrários entre si. Havia a direita, constituída por conservadores de todos os naipes; o centro, por situacionistas de
vários matizes; e a esquerda, por progressistas sociais. Na luta pela direção do país, os grupos de direita e alguns do centro organizaram-se em
cartel, e os da esquerda, com os radicais do centro, em frente popular. Na França, quando a guerra se desencadeou, o governo se encontrava na mão da
frente popular.
A propaganda inimiga, cuja organização está sendo, pouco a pouco, revelada, conseguiu fazer crer à opinião conservadora que a
frente popular era o próprio comunismo, mas um comunismo a seu modo, esfarrapado, guedelhudo e com a faca atravessada nos dentes. A imprensa nazista
de Paris gritava tremendos slogans que eram logo difundidos pelos órgãos do Comité des Forges. Desses slogans lembro-me de um. "Todo
exército que invadir a França deverá ser recebido como exército libertador".
Graças a tal processo, deu-se o que os nazistas desejavam. O cartel, que era constituído pela gente conservadora, foi atingido
pela propaganda e, na melhor das hipóteses, amorteceu o ímpeto da produção, esperando que de Berlim lhe viesse a tão desejada salvação. Preferia
perder a guerra para a Alemanha, com a qual poderia mais tarde entender-se, a ganhá-la com a Rússia, de que a grande imprensa dizia cobras e
lagartos.
O resultado foi o que se viu. Só mais tarde, durante a ocupação, reunidos nos subterrâneos, nas florestas e nas reentrâncias
das montanhas, os franceses viram claro. Foi aí que surgiu a união nacional para a libertação, com os admiráveis resultados que hoje conhecemos.
Lembramos tudo isso apenas para mostrar que a frente popular, julgada até 1939 como etapa desejável, apresenta grave inconveniente: atira as
correntes nacionais conservadoras para o "controle" das forças secretas internacionais que, sempre vigilantes, não perdem a oportunidade de cindir,
separar, desagregar as nações, com o intuito de enfraquecê-las.
No Brasil, com relação à guerra, não se deu o fenômeno francês, a situação era outra. No entanto, as dissensões internas foram
rigorosamente aproveitadas pelo inimigo. Em 1937, éramos um país no qual o "Eixo", de uma forma que todos conhecem, havia introduzido a sua ponta de
lança. E do "Eixo" seríamos presa certa se a política lhe continuasse favorável, como nos anos anteriores.
Foi diante da nossa resistência em servir ao "Eixo" que se deram "putchs" e atentados tidos naquele tempo como inexplicáveis.
Deflagrada a guerra, o Brasil tomou logo posição na luta internacional. Fizemo-lo, patrioticamente, contra o "Eixo". E não foi por puro formalismo.
Nossos navios de guerra patrulharam os mares infestados de submarinos, nossos aeródromos serviram de trampolim para as forças aéreas aliadas que
deviam libertar a África; nossos aviadores defenderam a imensa costa brasileira; nossos patrícios foram para a Europa, onde se encontram lutando
bravamente contra as hordas de bárbaros.
Hoje, a FEB não é apenas um motivo de orgulho para todos nós: é, também, uma porta aberta para novos destinos. Nem todos países
que justamente se gloriam da sua democracia fizeram tanto pela vitória, apesar da infeliz campanha a que agora assistimos, levada a efeito por
brasileiros respeitáveis, mas que, na sua maioria, se encontram extraviados da linha justa.
Graças a um esforço gigantesco de que nós largamente participamos, eis-nos no limiar da paz. Sucessivas conferências,
antecipando a mesa-redonda, que terá função puramente técnica, realizam-se na Europa e na América. Dessas reuniões estão saindo as normas do mundo
de após guerra. Muitas delas já são conhecidas e bem recebidas por toda parte, não por milagre, mas porque representam aquilo o que o sr. Roosevelt
chamou de denominador comum.
Chegou, pois, o momento de - por força das circunstâncias - ajustar-se o Brasil às novas formas de relações entre os homens.
Essa obra será gigantesca. Não caberá nas possibilidades de um homem, de um grupo, de um partido ou mesmo da geração atual. Não se trata apenas de
mudança política, mas de profunda reforma estrutural.
Neste lugar é que entra a união nacional sobre bases democráticas, na qual todos os brasileiros - todos - estão indicados para
cooperar. Como se procederá a essa união nacional? Da mesma forma por que se está procedendo em outros países, isto é, procurando encontrar, de alto
a baixo, as linhas de perfeita junção entre nós e os aliados, e entre nós mesmos. Os aliados têm um denominador comum: a vitória. Nesse ponto,
graças ao esforço de guerra do Brasil, já estamos ajustados. A FEB é o nosso ponto de união com o mundo de amanhã.
Mas, à proporção que o panorama se restringe, crescem em número os denominadores comuns. Os de caráter interno, mais
focalizados neste momento, são estes: forma democrática de governo, mediante eleição por voto direto e indevassável, existência de partidos
representando todas as correntes, e liberdade de opinião. São conquistas que, com a vitória, interessam por igual aos brasileiros de todos os
credos, posses, correntes e, portanto, podem constituir a esperada reestruturação da coletividade.
Ao lado desses, de ordem moral, poderíamos indicar ouros, de interesse imediato: indústria progressista que, pela amplitude e
aparelhamento, possa produzir imensamente mais e por menor custo; lavoura mecanizada, para tirar da terra os tesouros que ela guarda, não se
contentando com as migalhas que, por processos primitivos, hoje lhe vamos pedir; instrução pública generalizada, sem os entraves que, há anos, foram
criados para afastar das escolas superiores os estudantes pobres. O mesmo com a elevação do nível de vida e o enriquecimento do mercado interno,
para compensar largamente a todos os esforços.
São conquistas a que aspiram todos brasileiros. Quem, pois, poderá ser contra elas? Tanto mais que a base dessa estruturação já
está lançada: é Volta Redonda, a fábrica de fábricas, que ficará na história de nossa economia como o Ipiranga ficou na história da nossa política.
Perguntará o leitor: - E o que não representar denominador comum para o país, o estado, a região? - A essa pergunta os
defensores da união nacional sobre bases democráticas poderão responder que aí, precisamente, começa a tarefa dos partidos. Aquilo que ainda hoje
não é uma aspiração unânime, amanhã poderá vir a sê-lo. Caberá ao agrupamento interessado fazer-lhe a defesa e a propaganda. E - acrescentarão eles
- por essa forma nos uniremos progressivamente dentro da nação, como nos estamos unindo aos países estrangeiros.
Para muitos estudiosos, esse mundo de reciprocidade e harmonia será o mundo de amanhã. Os indivíduos unidos aos indivíduos, os
estados aos estados, os países aos países, os continentes aos continentes, não por imposições exteriores, mas pelo mútuo acordo, pelo encontro das
aspirações unânimes. A consequência imediata, tudo leva a crer, será a pacificação da família brasileira, como está acontecendo em países libertados
pelas nações unidas.
Mas, infelizmente, ainda há brasileiros que fazem ouvidos moucos aos ensinamentos saídos das últimas conferências. São aqueles
em quem o saudosismo do poder deformou a faculdade de julgar. É pena. Esses mal avisados patrícios, que tão pouco compreensivos se mostram, bem
poderiam meditar sobre a sua atitude. Numa hora grave como esta em que a derrota abriu grandes jaulas e soltou pelo mundo enlouquecidas as feras do
fascismo, seria aconselhável que eles, ao invés de atenderem aos repelões dos complexos, impusessem silêncio aos nervos e procurassem seguir a linha
justa. Já não se trata de servir a um regime qualquer, ou de amparar a ideias ultrapassadas. Isto não é política, meus senhores! Isto é o
ajustamento do Brasil no quadro democrático do mundo!