Página 13 da revista Fundamentos de janeiro de 1954
Imagem: Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão
Afonso Schmidt, o obreiro intelectual
Helena Silveira
Certa feita, falando sobre a poesia de Afonso Schmidt,
declarei em crônica na Folha da Manhã que o ético, às vezes, é uma forma do estético, e viver em bondade extensamente, em coragem, em
dignidade, em valor humano, é fazer da própria vida uma obra de arte. No raro novelista de Saltimbancos temos, então, duas espécies de arte e
todas elas superiores: a vida e a obra.
É algo que me comove pensar na extensão das resmas de letra de forma que o jornalista
e o escritor alinhavou ao longo dos seus dias, em madrugadas de redação de jornal, ou no próprio lar, à hora em que o sono dos seus possibilitava a
fatura do romance. Se se juntassem todas essas letras sofridas de vida vivida, de esforço diuturno, far-se-ia por certo uma singular estrada. E uma
estrada com a missão de levar os companheiros a porto certo e firme.
Quantos de nós que, diariamente, labutamos na faina de imprensa, poderemos dizer com
singeleza e modéstia: - eu servi?
Afonso Schmidt, antes de qualquer outra láurea, antes de ser louvado por seus méritos
de romancista, pode reivindicar esta, aparentemente humilde, mas na verdade enorme: - a de servir. Servir aos homens da terra como o farol dentro da
tempestuosa noite serve aos homens do mar. Ele torna fortes os que o lêem porque ele é um forte. Apesar de seu aspecto de brandura, da sua fala
mansa de bom avô, sabemos que é um homem de convicções firmes, o antípoda dessa mocidade derivada daquela triste angústia existencial de Saint
Germain des Prés. Neste momento em que à nossa volta pulula certa espécie de ociosa inteligência, a de Afonso Schmidt, sem bizantinismos estéreis,
torna-se mais que nunca repousante e necessária.
Existe um belo poema de Paul Fort falando na cadeia que se poderia estabelecer ao
redor do mundo com todas as cabeleiras desatadas das mulheres mortas, com as mãos dadas de todas as crianças... Eu penso numa outra cadeia que, esta
sim, anularia as guerras, ordenaria o caos.
Seria feita de modestas resmas de papel que teriam o pensamento sincero dos escritores
conscientes. Sim, se todos os escritores do mundo seguissem o exemplo de Schmidt, o homem compreenderia o homem, o homem amaria seu semelhante.
Entretanto, nestas épocas avaras de segurança e prenhes de desenganos, a palavra de Afonso Schmidt ficará como a de um São Francisco a falar às
feras... |