Página 6 da revista Fundamentos de janeiro de 1954
Foto: Afonso Schmidt, em 1908, logo após seu regresso da Europa
Imagem: Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão
O poeta Afonso Schmidt
Jamil Almansur Haddad
Para mim Afonso Schmidt, antes de mais nada, é poeta. A
poesia transborda dos seus versos e vai nutrir seus romances, suas novelas, seus contos, suas crônicas. Transborda dos seus versos, em termos, pois
que o transbordamento é de sua própria personalidade, onde a poesia se instalou marcada do mais formoso dos seus atributos: a aventura. Pena, é que
os múltiplos gangsters da hora presente tenham desmoralizado o vocábulo. Mas o sentido aventuresco da vida marca-lhe a vida e inspira-lhe a
arte. Aventura: procura do caminho novo, mesmo que este caminho novo seja um ideal tão antigo nos sonhos do homem.
Tenho agora em mãos a edição de suas poesias. O itinerário do poeta começa em 1910,
com Janelas Abertas. O que poderia ser no Brasil um poeta de 1910? Tendo herdado a estética do parnasianismo e do simbolismo, deveria fazer
parte de uma geração híbrida de profissão de fé bilaqueana e de certo misticismo bebido em Alfonsus de Guimaraens. Ou isto ou coisa parecida.
Mas não é bem o que se vê em Afonso Schmidt. Continua fiel de certo modo á prática
tradicional, mas a contribuição nova que ele traz é que poesia não pode enclaustrar-se em torres de marfim inefáveis, não é apenas obra de
ourivesaria, destituída de sentimento, não é apenas trabalho em jade ou mármore. Poesia também é sangue e nervo. Poesia também é lágrima.
Por este lado é que Afonso Schmidt merece um lugar à parte na história da poesia
social brasileira. Sua posição a esta hora é equivalente à de Batista Cepelos que em seu livro Vaidades entoa o canto de desagravo e de
revolta. Como, de certo modo, a do próprio Martins Fontes que sabe entremear suas evanescências líricas com surtos de
poética anarquista.
Em Janelas Abertas vamos lendo Ode aos Russos, com o poeta fascinado ao
triunfo da Revolução: Caras Sujas que lhe sugere que
"Chora a injustiça da cidade
na cara suja dos garotos."
Firma a sua poética em Aos Poetas:
"Ergue no espaço, a lira em chamas, uma aurora
e lega, quando morto, à multidão sombria,
um grito de revolta e uma estrofe sonora."
E vem o drama dos pequenos varredores, dos vagabundos, dos ciganos, do camarada Jesus,
dos bairros pobres, uma poesia parnasiana mas que estabelece que o seu parnasianismo não é evasão pura, mas também forma de integração na vida, de
violenta participação.
Na obra de Afonso Schmidt, a parte de poesia não fará má figura. Muito pelo contrário.
E poesia e prosa assim entregues ao público corresponderão, fora de qualquer dúvida, o real serviço prestado à nossa cultura. |