Galeria dos Pintores Santistas
A Pintura em Santos
O século passado (N.E.: século XIX) não teve, em Santos, na pintura, o mesmo
fastígio que teve na música. Não se conhece, mesmo, algum nome santista que se houvesse evidenciado durante esse tempo, na arte eterna e maravilhosa
de Rubens e Michelangelo.
À exceção do Emílio Ruéde, o enciclopédico jornalista do Rio, filho de francês, que em Santos residiu durante
muitos anos, lecionando pintura, português e quase todas as línguas do mundo, inclusive o chinês, e à exceção de
Calixto, natural de Itanhaém e residente em São Vicente, que em Santos militou sempre e lecionou pintura,
não conhecemos outro mestre e muito menos um santista, pintor, cuja obra e arte se houvessem revelado nesse século.
O que possuímos neste terreno, é de antes ou depois dele, como vamos demonstrar com as
três biografias que a seguir inserimos. Hoje, Santos já conta com alguns bons artistas de pintura e um regular número de estudantes pintores, que
prometem futuros artistas, devendo-se salientar entre os mestres a distinta e renomada pintora d. Guiomar Fagundes, cuja obra já repercutiu nos
grandes centros europeus e nos maiores centros culturais do Brasil.
Wladimir Alfaya (Mimi Alfaya) - Nasceu em Santos a 23 de
dezembro de 1879, do legítimo consórcio do ilustre santista comm. João Manoel Alfaya Rodrigues com d. Isa Deolinda de Assis Alfaya. Desde menino
revelou vocação especial para as artes, tendo-se dedicado à pintura e ao jornalismo.
Wladimir estudou as primeiras letras em Santos, cursando depois o Colégio "João de Deus", em São Paulo, passando,
mais tarde, para o "Liceu Literário Brasileiro" e depois ainda para o Mackenzie College, onde fez todo o curso secundário, aprendendo também o
inglês.
Parte integrante da formosa geração que produziu os espíritos brilhantes de Ângelo Sousa, Gastão Bousquet, Isidoro
Campos, Carlito Affonseca e outros, Wladimir foi uma das figuras obrigatórias das rodas refinadamente boêmias da cidade, e, com 18 a 20 anos, fazia
parte do Grêmio Dramático "Arthur Azevedo", com Pio Coelho, Quincas Mendes, Chico Vicente, João Phoca, Aprígio de Macedo e mais alguns, todos moços
das melhores famílias locais, que davam vida à sociedade do tempo, com suas primorosas e espirituosíssimas representações nos salões, nas festas de
benefício e no Teatro Guarany.
Colaborava para diversos jornais, como cronista, humorista e ilustrador. Cerca de 1903, era um dos principais
redatores da revista Santos Illustrado, com Anatolio e Cícero Valladares, revista de crítica e humorismo, no gênero da Revista Illustrada,
do Rio de Janeiro, do famoso Angelo Agostini, cujo alto espírito os exemplares hoje existentes revelam, com suas caricaturas, charges, perfis
e blagues literárias, anedotas originais e reportagens humorísticas de excelente efeito.
Em 1907, a expensas de seu pai, seguiu para a Europa, freqüentando em Paris a Academia de Belas Artes, estudando
aí com os melhores mestres de pintura da capital da França, ao tempo de Henri Martin, Jean-Paul Laurens, Julien Le Blant, Busson, Collins, Bonnat e
outros mestres do gênero, figura e paisagem, em cujo ambiente firmou parte da sua personalidade artística, mantendo seu estúdio naquela grande
cidade e freqüentando suas grandes galerias.
Dali viajou quase toda a Europa, em estudo de estilos. Esteve em Antuérpia, na famosa "Escola Flamenga", em
Berlim, em Londres, em Dresden, em Bruxelas, em Amsterdam, em Gênova e, finalmente, em Roma, onde fixou-se durante cerca de um ano, e onde o novo
ambiente de Rapetti, Mentessi, Bignami, Pogliali, Victorio Corcas, Francisco Cioli, Trentacorte e do grande Mancini, acabou de reunir elementos para
o grande pintor que, indubitavelmente, devia ser, se a morte o não ceifasse prematuramente.
Voltando a Santos, efetuou uma exposição de telas pintadas em Paris. Depois, realizou diversas, em Santos, São
Paulo, Campinas e outras cidades. Em 1911, foi nomeado professor da Escola de Comércio "José Bonifácio", sendo-o também do Liceu Feminino Santista.
Homem culto e de vasta inteligência, falava correntemente vários idiomas e alguns dialetos. Na última fase de sua vida trabalhou para o Diário de
Santos, colaborando também para a Revista Illustrada, do Rio de Janeiro.
Representou em Santos a Revista da Semana, do Rio, e mantinha, à Rua 15 de Novembro, a "Casa Rembrandt",
ótima oficina tipográfica, onde as conversas ouvidas atraíam mais do que os artigos vendidos, tal o elemento literário daqui e de fora que a
freqüentava.
Em 1913, preparava uma nova exposição de quadros, mas não teve tempo de realizá-la, falecendo, em Santos, a 11 de
agosto do referido ano de 1913, deixando, porém, obra seleta e numerosa, esparsa por todo o país.
Dos seus trabalhos, que conseguimos ver, existem ainda hoje, em Santos, os seguintes: Pedras do Guarujá,
grande tela, adquirida pela Prefeitura de Santos; Estudo de cabeça, Vício (alegoria), Natureza Morta, Pedra dos Ladrões,
Itararé, Praia das Tartarugas, Ponta da Praia, O marinheiro (figura), Ilha Urubuqueçaba, Canoa, Busto
de Mulher (cópia de obra célebre do Museu do Louvre).
Wladimir Alfaya
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Frei Jesuíno do Monte Carmello (Jesuíno Francisco de Paula
Gusmão) - Nasceu em Santos, a 25 de março de 1764, ignorando-se quem foram seus pais.
Dedicado desde seus mais tenros anos à pintura, depois de alguns estudos em Santos
transportou-se a Itu, em companhia de um carmelita, nomeado presidente do convento de Santos, e aí residiu, empregando-se na pintura da igreja,
trabalho que, na restauração que se fez na mesma igreja, na segunda fase do século passado, foi quase todo destruído.
Foi um grande artista nato e demonstrou, sobejamente, todo o gênio de que era dotado.
Seria longo descrever, diz Azevedo Marques, miudadamente, o plano de pintura que ideou e executou; bastando dizer que o interior do templo era tdo
forrado de madeira e foi todo pintado a óleo.
Entre engenhosos arabescos viam-se representados diversos santos em tamanho natural;
ao correr do entablamento, no teto, estavam os apóstolos e evangelistas e, no centro, uma série de medalhões com emblemas místicos ou instrumentos
da paixão. No corpo da capela-mor, viam-se diversos passos da Escritura Sagrada (lv. 3º e 4º dos Reis), que se referiam aos profetas Elias e Eliseu.
Frei Jesuíno foi uma genialidade como apareceram algumas em vários séculos e vários
países do mundo, e como entre nós o célebre Aleijadinho, de Ouro Preto.
Da referida destruição, na igreja de Itu, escaparam e estavam retocados, na época em
que Azevedo Marques recebeu do sr. Joaquim Leme de Oliveira César, residente em Itu, as notas biográficas de que fez uso, as pinturas dos santos
personagens que pertenceram à Ordem Carmelita; no teto, também retocado, existiam vários pontífices, cardeais e bispos, e no centro, entre numerosos
anjos, a Virgem do Carmelo.
Era notável a sua pintura, nos moldes clássicos, tinha a aparência de obra dos grandes
mestres da Renascença italiana. Em todo o tempo que trabalhou naquela grande decoração, não recebeu salário algum.
A bondade inata, a vida exemplar que observava, granjearam-lhe tais afeições e fama,
que uma família de Itu o solicitou para seu seio e o conseguiu, não sem alguma resistência, para esposo de d. Maria Francisca de Godoy, em 1784,
contando ele apenas 20 anos de idade. Viveu neste estado pouco mais de 9 anos, até enviuvar, aos 13 de abril de 1793.
Apenas viúvo, e não obstante ficar com cinco filhos, Jesuíno de Gusmão começou a usar
um hábito preto de algodão, cingido com uma tira de couro, e assim trabalhava em suas encomendas e comparecia a toda parte.
Concluídas as pinturas do Carmo e da matriz, em
Santos (matriz destruída em 1908), dirigiu-se à capital, a fim de estudar o latim e outras matérias necessárias à realização da idéia de ordenar-se.
Quatro anos e quatro meses depois de viúvo, a 13 de setembro de 1797, tomou ordens menores, a 19 de novembro, as de epístola, a 10 de dezembro, as
de Evangelho, e, a 23 do mesmo mês, as de missa. Desde as primeiras ordens passou a se assinar Jesuíno do Monte Carmello, celebrando a sua
primeira missa em São Paulo, no dia em que a Igreja soleniza a Senhora do Carmo, no ano de 1798.
Tencionava frei Jesuíno erigir um convento de freiras em Itu, e, comunicando essa
idéia, entre outras pessoas, ao padre Manoel Ferraz de Camargo, homem abastado, este lhe forneceu os meios, doando-lhe não só o engenho chamado do
Taque, com a respectiva escravatura, como o terreno em que estava situada a igreja do Patrocínio, com suas dependências.
Frei Jesuíno vendeu o engenho a Antonio Leite de Sampaio e, com o produto, deu começo
à obra de fundação dessa igreja e o convento. Alguns opulentos ituanos auxiliaram-no ainda para a conclusão das obras de que ele mesmo foi o
arquiteto, e, quando próxima estava a satisfação de seus mais caros desejos, quando já ideava a festa da inauguração do seu templo, com suas
pinturas murais e decorações, que ainda no século passado perpetuavam-lhe o nome, a morte o colheu, no dia 2 de julho de 1819.
Em novembro de 1820, teve lugar com grande pompa a solenidade de inauguração da igreja
da SS. Virgem do Patrocínio, a que concorreu numeroso auditório. Dois anos depois, o padre Diogo Antônio Feijó, por ocasião das trasladação dos
restos mortais do venerável santista para a igreja que ele mesmo edificara, dizia no discurso necrológico:
"A invenção e a piedade daquele sacerdote chamou mil
vezes ao nosso país os novos circunvizinhos; vistos anualmente com prazer, vossas casas pejadas de hóspedes desconhecidos, mas tornados vossos
amigos pelos laços da gratidão".
Esse elogio do célebre Feijó vale por uma consagração à sua arte e à sua virtude.
Graças ao incansável zelo de frei Jesuíno, quando o venerando bispo d. Antonio Joaquim
de Mello resolveu criar um colégio de meninas dirigido por irmãs de São José, que a esforços seus foram mandadas para Itu; encontrou a igreja e a
casa do Patrocínio, que se prestaram à realização do plano, que tanto favorecia à vida.
Em toda a antiga província falava-se nas grandes virtudes do frade santista, e a sua
morte foi um golpe para a Igreja, que nele perdeu um dos mais vivos e legítimos padrões.
Gentil Garcez
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Gentil Garcez - Nasceu em Santos, a 7 de junho de 1903, como filho legítimo de Rodrigo Garcez e de d.
Laudelina Garcez. Seus primeiros estudos foram feitos, modestamente, no grupo escolar "Dr. Cesário Bastos", e já aí, nesse estabelecimento,
manifestaram-se as suas tendências artísticas.
Antes de terminar seus estudos primários, Garcez, que se iniciara na pintura sob os cuidados de sua própria mãe,
que era hábil desenhista; já ia bem adiantado na arte suprema de Raphael e Velasquez.
Mais tarde, passou ele a estudar com uma conhecida pintora local, cujos cuidados deixava pouco depois, levado pelo
seu temperamento de liberdade artística e pelas suas manifestações naturais apuradas, que exigiam um mestre superior, de mais amplos recursos e que
melhor compreendesse a sua natureza, abrindo campo à sua ânsia febril de avançar, através de uma interpretação própria e de seu modo particular de
sentir. Foi então que ele começou a freqüentar o atelier de Benedicto Calixto, o veterano mestre, de cujos ensinamentos resultaram os seus
conhecimentos atuais, em grande parte, frutos também da persistência e de sua grande vocação.
Sua primeira exposição realizou-a Garcez ainda com a idade de 16 anos, expondo então cerca de quarenta telas, onde
já revelava o seu grande temperamento e a sua qualidade de artista nato, sendo bem recebido pelo público e pela imprensa. Cumprido o primeiro
contato com o meio social, dois anos depois, em 1921, realizava o pintor santista uma segunda exposição, no hall do antigo Politeama Rio
Branco. Eram outras 33 telas de valor, que vinham integrar o jovem artista na galeria dos bons pintores que a cidade teve ocasião de apreciar. Os
críticos julgavam-no uma legítima precocidade e gabavam-lhe os traços principais do talento.
Ângelo Guide, o excelente artista, escritor, inimigo de críticas de pintura, visitando-lhe a exposição (segunda
que fazia e com 18 anos apenas), não resistiu à vontade de demonstrar o seu entusiasmo por aquela revelação bem santista, e, assim, vêmo-lo, numa
coluna inteira da A Tribuna, de 30/6/1921, expressar-se desta forma:
"Gentil Garcez é mais uma alma que acorda para os tormentos da arte e do sonho. Para mim, a
última exposição desse moço cheio de esperanças e dotado de belo talento, foi uma revelação. Não julgava que num meio tão ingrato para a arte como
Santos, se pudesse em tão pouco tempo progredir tanto. Venho seguindo há dois anos os progressos artísticos de Gentil Garcez e cada vez mais me
convenço de que esse jovem artista é uma grande promessa para a Arte no Brasil.
"Escrevo a respeito de Gentil Garcez, porque se trata de um moço despretensioso que se
está desenvolvendo com esforços inauditos, e que, acima de tudo, é sincero, porque ama mais a sua arte do que toda a glória fútil, tão fácil de se
conquistar aqui no Brasil, quando não se tem talento, mas dispõe-se de amigos na imprensa ou de uma boa garganta. Gentil Garcez é tímido, incapaz de
mendigar um pouco de glória, eis por que o admiro.
"Gentil Garcez vive nos seus quadros; transmite às suas telas alguma coisa que ele viu
e sentiu, uma parte de sua alma sensível à beleza, a essa beleza que nem sempre é possível transmitir como é sentida, etc. ...".
De 1921 em diante, mais e mais se aprimorou Garcez em sua arte, desvendando todos os segredos da sua capacidade.
Em 1922, tomou parte na 1ª Exposição Geral de Belas Artes, em São Paulo, com três ou quatro telas. Tinha, então, 19 anos. Em 1923 realizou nova
exposição em Santos, a terceira de sua brilhante trajetória artística, com trinta e poucas telas. Com intervalo de dois anos, realizou ainda mais
duas exposições de vários gêneros.
Em 1934, participava do 1º Salão Paulista de Belas Artes, com as telas Meditação, Fugitivo e Para
a pesca. No ano seguinte, 1935, figurava também no 2º Salão Paulista de Belas Artes, agora com as telas Barqueiro, Longe da pátria,
Volta ao trabalho e Manhã de abril, merecendo destaque entre os concorrentes e ótimas referências de toda a imprensa paulistana, que o
qualificou entre os grandes pintores de São Paulo.
Em setembro de 1936, realizou sua sexta exposição em Santos, exibindo 40 telas primorosas, entre as quais:
Mendigo, A onda, Luz e sombra, Últimos raios, O quinhão (adquirido pelo sr. Jayme L. Vianna), O fugitivo (São
Sebastião), Longe da pátria, Dia de sol (adquirido pelo sr. Benjamim Mendonça), O velho, Volta do campo (adquirido pelo
dr. Edgard Boturão), Vendedora de frutas (adquirido pelo sr. Jayme L. Vianna), Sol na estrada (adquirido pelo sr. Walter Waenny),
Brumas da Manhã, Carícias de sol (adquirido pelo sr. Rocha e Silva), Mimosa (adquirido pelo dr. Oscar Cox), Troncos
(adquirido pelo sr. Francisco Boturão), Na feira (adquirido pelo dr. Oscar Cox), Volta do trabalho (adquirido pelo sr. Ulysses Lobo
Vianna), Manhã de sol (adquirido pelo dr. Oscar Cox), No pasto (adquirido pelo Centro de Cultura "Paulo Gonçalves"), Praiano,
Sol e sombra (adquirido pelo sr. Francisco Boturão, Cachimbando (trabalho de espátula), Reflexos, Mãe pobre, Amigos
(adquirido pelo sr. Jayme Lucovich - encomenda do mesmo), Meditação (adquirido por d. Ruth V. Barros), Para a pesca (adquirido por d.
Ruth V. Barros), Retirando o barco (grande tela, adquirida pelo colecionador paranaense dr. De Placido e Silva, pela importância de
2:500$000), por condescendência do artista, que o reputara em muito maior valor).
Conhecemos ainda, de sua autoria, as seguintes telas: Tarde de Santos, Rancho de pescadores,
Crepúsculo (Itararé), Frutas, Paisagem, Após a pesca, Manhã brumosa, Efeitos de luar, Pé de vento,
Poente, Nocturno, Verdi, O anoitecer, Manhã, Canto de praia (Guarujá), Rochas (Ilha Porchat),
Framboião da fonte (São Sebastião), Tarde chuvosa, Vista da cidade (São Sebastião), Choupana de pescadores (São Sebastião),
Ao longe (São Sebastião), Velho tamarindeiro (São Sebastião), Paisagem (São Sebastião), Velho muro (São Sebastião),
Canto de praia (São Sebastião), Ruínas (Vila Bellla), Pôr de sol (São Sebastião), Noite de luar (São Sebastião), Ruínas
(São Sebastião), Últimos raios (São Sebastião), Estudo, José Menino (Santos), Retrado de Francisco Dalmonte (feito por
encomenda de Figueiredo Lima e Cia.) e Carneiros, adquirido pelo sr. Décio F. Vasconcellos.
É de Gentil Garcez o estupendo retrato do pintor Benedicto Calixto, adquirido pelo Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, e instalado em seu salão de conferências.
Pela grande procura e aquisição dos quadros de Garcez, pode-se calcular bem o artista que ele indiscutivelmente é,
apesar de ser um pintor essencialmente santista, que aqui nasceu e aqui se fez, e que com todo o direito faz parte da galeria dos filhos de que se
orgulha a cidade.
Contam-se já por várias centenas de quadros a obra desse artista original, que leciona pintura e desenho em
Santos, modestamente, a domicílio, ou em seu atelier, e disso vive, numa época materialista como a que atravessamos. |