Plínio Marcos
Foto: Arquivo, publicada no jornal santista A Tribuna em 15 de maio de 2004
GENTE QUE FEZ HISTÓRIA
Plínio Marcos
1935 - 1999
Nasceu em Santos, a 29 de setembro de 1935. Filho de família modesta, não
gostava de estudar e terminou apenas o curso primário. Foi funileiro, sonhou ser jogador de futebol, serviu na Aeronáutica e chegou a jogar na
Portuguesa Santista, mas foram as incursões ao mundo do circo, desde os 16 anos, que
definiram seus caminhos. Aos 19 anos, fazia o palhaço Frajola e pequenos papéis como ator em diversas companhias circenses e do teatro de
variedades. Também atuou em rádio e na televisão local, em Santos.
No circo aprendeu o tarô, a poesia dos contos populares e o jogo cenográfico da magia com a pobreza. O contato com
o teatro aconteceu por acaso, quando teve de substituir um ator doente na peça Pluft, Um Fantasminha, de Maria Clara Machado.
Em 1958, conhece a jornalista e escritora modernista Patrícia Galvão,
a Pagu. Ela e seu marido Geraldo Ferraz, também jornalista e escritor, abriram os horizontes intelectuais dos jovens atores do movimento
de teatro amador de Santos, inclusive Plínio, apresentando-lhes textos de dramaturgia moderna. Ao ler seu primeiro texto, Pagu o comparou a
Nelson Rodrigues, figura que Plínio sequer conhecia.
O jovem Plínio Marcos, já envolvido com o teatro
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Plínio estreou
como dramaturgo aos 22 anos, com a peça Barrela (1958), inspirada na história real de um garoto que era seu vizinho, em Santos. Estuprado na
cadeia, o menino matou, tempos depois, todos aqueles que o sodomizaram. A peça estreou no Centro Português com atores que ganhariam fama: Milton
Gonçalves, Joel Barcelos e Fábio Sabag. Foi apresentada no II Festival Nacional de Teatro de Estudantes, evento organizado por Paschoal Carlos
Magno. Barrela provocou polêmica e escândalo e foi vetada pela censura. E, por sua linguagem, permaneceria proibida durante 21 anos.
Em 1960, 25 anos, Plínio está em São Paulo, primeiro trabalhando como camelô, e logo depois no teatro, como ator,
administrador e faz-tudo em grupos como o Arena, a companhia de Cacilda Becker, e o teatro de Nídia Lycia. A partir de 1963, produz textos para a
TV de Vanguarda, programa da TV Tupi, na qual também atua como técnico. No ano do golpe militar, ele faz o roteiro do show Nossa gente, nossa
música. Em 1965, consegue encenar Reportagem de um Tempo Mau, colagem de textos de vários autores, que fica apenas um dia em cartaz.
A censura a Barrela foi apenas a primeira de uma série de proibições. Sob o signo da censura, Plínio vive
até os anos 80 sem fazer concessões, sendo intensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular. Quando a censura impedia a divulgação de
seu trabalho, ele ganhava a vida vendendo seus livros na rua. Mas as peças que eram censuradas no Brasil faziam sucesso em Nova York, Paris e Buenos
Aires.
Depois de Barrela vem uma seqüência de textos que se chocam com o
período obscuro dos anos 60: Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966), que tornaria o autor conhecido e respeitado nacionalmente, Navalha na
Carne (1967) e O Abajur Lilás (1969) são sistematicamente perseguidas. Plínio luta pela expressão com peças musicais como Balbina de
Iansã (1970) e Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores (1977). Também são dessa fase Quando as Máquinas Param (1971), Homens
de Papel e Jornada de Um Imbecil Até o Entendimento.
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Ele
escreve nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de S. Paulo e Folha da Tarde, na revista
Veja, e colabora em diversas publicações, como Opinião, Pasquim, Versus, Placa e outras. Publica suas peças em forma
de livro - Histórias das Quebradas do Mundaréu (1973) -, e o romance Querô, Uma Reportagem Maldita (1976), depois adaptado para o
teatro. O argumento original de seu A Rainha Diaba (1974) chega às telas do cinema.
Ele traz para o palco a linguagem crua e palpitante da marginalidade, da miséria, da prostituição, arrancando da
escória traços de humanidade, fundindo denúncia e utopia. Plínio nunca se adequou ao status quo e a sua conduta, aliada à visão crítica da
realidade, acabaram resultando no epíteto "marginal". Mas marginal ele nunca foi, ao contrário, esteve sempre mergulhado na realidade, mesmo
que ela não tivesse uma cara bonita.
Com a abertura política, as mudanças trazem uma nova fisionomia para o teatro brasileiro. As peças de Plínio
também dão uma guinada, mas ele volta a impressionar com o romance Na Barra do Catimbó (1984), e a peça Madame Blavatsky (1985). O
tarô, que aprendera no circo, assume outro peso na vida de um Plínio que se volta para as questões místicas e religiosas. É a época de Jesus
Homem, Balada de Um Palhaço e A Mancha Roxa.
Paralelamente, atua como palestrante em várias cidades do país: ele chega a fazer 150 palestras-shows por
ano, vestido de negro e carregando um bastão encimado por uma cruz e a aura mística de leitor de tarô - espécie de nova "personagem de si mesmo",
como fora antes a imagem do palhaço. Ele também produz textos de teatro infantil e a noveleta e depois peça O Assassinato do Anão do Caralho
Grande (1995). Na prosa, mais um livro - Prisioneiro de Uma Canção.
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Plínio Marcos
dizia que escrevia quando estava incomodado com alguma coisa mas, na verdade, ele incomodou muita gente com seus textos. Ele soube traduzir com
sinceridade e beleza as falas dos que ficaram à margem da sociedade.
Traduzido, publicado e encenado nas línguas francesa, espanhola, inglesa e alemã, estudado em teses de
sociolingüística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia em universidades do Brasil e do exterior, Plínio Marcos recebeu os
principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou, seja no Teatro, Cinema, Televisão e Literatura, como ator, diretor, escritor e
dramaturgo.
Com sua morte, o teatro brasileiro contemporâneo perdeu um de seus nomes mais importantes e cresceram as
homenagens a sua pessoa e o interesse em torno de sua obra. Seus trabalhos vem ganhando novas montagens e filmagens e seus textos tem alcançado
parcerias musicais com alguns dos mais importantes nomes do samba paulista. Ao mesmo tempo, seu nome foi adotado para batizar prêmios e espaços
culturais pelo país afora - inclusive o Teatro Nacional Plínio Marcos, em Brasília.
Faleceu em São Paulo, aos 64 anos, no dia 19 de novembro de 1999, de falência múltipla dos órgãos. Deixou
inacabadas a peça infantil Seja Você Mesmo e O Bote da Loba.
Plínio mostra o chaveiro do Jabaquara Atlético Clube,
do qual era um dos mais fiéis torcedores
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TESTEMUNHOS
Plínio Marcos e a marca gloriosa do Macuco
Narciso de Andrade
Era muito moço quando o conheci no meio daquele povo meio alucinado do Bar Regina, que
ficava ali no Gonzaga, de onde partiam os bondes para qualquer ponto da cidade.
A turma era fogo, toda espécie de artista, pintor, músico, poeta, escritor, a gente
linda e espalhafatosa do teatro, esse pessoal desajustado que se reunia para curtir o grande lance da noite e da madrugada. Que a coisa ia até altas
horas, com o papo transitando entre os temas de arte e cultura com o molho ardido das teses políticas. Futebol ao de leve. Não parecia, mas era tudo
gente séria, compenetrada de seu dever com o instante e o futuro. Não imaginávamos que ia dar no que deu.
Foi nesse meio que ele surgiu, atrevido e desafiador, com sua voz circense em timbre
agudo exigindo a atenção da audiência. E logo se instalou na bancada destacada daquele cenáculo, com perdão da má palavra.
- Quem é ele? perguntava alguém.
- Um tal de Plínio Marcos.
- O que ele faz?
- Dizem que é palhaço de circo.
- Quem descobriu a fera?
- Patrícia Galvão.
A esta altura o Plínio já tomava conta do pedaço, grande contador de histórias que
sempre foi. Simpatizei com ele de cara, não se escondia, não era de contar vantagem, tinha gênio desafiador, mas não era arrogante e trazia de berço
a marca gloriosa do Macuco. Só isso já bastaria para nos aproximar.
Houve uma certa desconfiança da patota quanto ao verdadeiro valor do Plínio porque ele
próprio se proclamava analfabeto, coisa espantosa naquele ambiente todo intelectualizado. De minha parte, nunca duvidei de seu talento e ele sabe
disso. Topei muita discussão, até com meu poetirmão Roldão Mendes Rosa, grande nome da poesia santista, mas dotado
de um acentuado espírito crítico. Meu irmão pintor, Nelson Penteado de Andrade, vivia insistindo com o Plínio para ele se aperfeiçoar na língua
portuguesa se queria mesmo ser escritor.
Mas o destino daquele Plínio audaz e provocador já estava traçado: não seria apenas
mais um escritor provinciano, porém o grande dramaturgo a marcar com seu texto vibrante e indignado toda uma fase de nossa história teatral.
A acidentada trajetória de Plínio todos conhecem. Sua luta inaudita durante os duros
anos da ditadura com a maioria dos textos censurados e proibidos, as dificuldades do dia-a-dia a vender os livros que escrevia à porta dos teatros
paulistanos, enfim uma vida a transcorrer sempre no exercício da mais profunda fidelidade, a si mesmo, aos amigos e a todos aqueles que sempre o
cercaram. Todos nós sabemos que por trás daqueles modos insólitos se ocultava o menino sensível do Macuco.
Estamos torcendo pela sua recuperação que, felizmente, já está se processando.
Torcedor do Jabaquara é assim mesmo: sempre sabe dar a volta por cima. Diz para a Vera que estou esperando o livro de contos que você me prometeu.
(texto escrito pouco antes do falecimento de Plínio Marcos.
Publicado na edição de 14/11/1999 do semanário santista Jornal da Orla)
Plínio Marcos
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Plínio Marcos
Renato Roschel
Autor maldito de assuntos malditos como homossexualismo, marginalidade, prostituição e
violência, Plínio Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos de São Paulo. É o João Antônio do teatro brasileiro. Nunca cedeu.
Impôs sempre sua verve sem hipocrisias. Direta, forte e sem arestas. Era, segundo ele mesmo afirmava, "figurinha difícil". Foi, entre as coisas que
dele se sabe, dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo, camelô de seus próprios livros, técnico da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço.
Nasceu em Santos (SP) a 29 de setembro de 1935 e morreu em São Paulo (SP) a 19 de
novembro de 1999. Depois de tentar tornar-se jogador de futebol e de trabalhar como palhaço de circo por cinco anos, escreveu, aos 22 anos, sua
primeira peça, Barrela, a qual chegou às mãos de Patrícia Galvão (Pagu), que ficou entusiasmada ao lê-la.
A partir daí, e com a ajuda de Pagu, Plínio integrou o elenco de companhias
amadoras de teatro. Depois, transferiu-se para São Paulo, no início da década de 60, onde participou da criação do Centro Popular de Cultura da UNE
(União Nacional dos Estudantes).
Na década de 60, Plínio participou, também, da novela Beto Rockfeller, na TV
Tupi, de 4 de novembro de 1968 a 30 de novembro de 1969, fazendo o papel de Vitório, melhor amigo de Beto Rockfeller (Luiz Gustavo) - personagem
principal da novela. Em entrevista concedida à Folha, em 1993, Plínio afirmou: "nunca gostei de trabalhar. Só fiz Beto Rockfeller para não
ficar órfão ("ficar órfão" significava cair nas garras dos militares). Quando me ofereceram o papel, pensei: se aceitá-lo, ganharei evidência. E,
enquanto estiver em evidência, os milicos não me pegarão."
Aliás, a ligação de Plínio com a TV brasileira nunca foi das melhores. Em 1994, ao
responder à pergunta "Qual foi o 1º programa que você viu na TV?", feita para uma enquete do caderno TV Folha, da Folha de São Paulo,
ele respondeu: "Nada. Nunca vi TV".
Na mesma época da novela Beto Rockfeller, Plínio era uma pedra no sapato dos
militares que governavam o país. Eles o viam como um "inimigo do sistema". Seu crime? As peças Dois Perdidos numa Noite Suja e Navalha na
Carne, escritas entre 1966 e 1967.
Para os milicos, peças que traziam um mundo sem meias palavras, direto e convincente, que
davam tratamento dramático à realidade de prostitutas, gigolôs e bandidos, poderiam servir à subversão. Sob o governo militar, Barrela também foi
proibida, e, em 1970, Abajur Lilás foi censurada (as duas obras só seriam liberadas em 1980).
Com todas as suas peças proibidas pelo regime militar, Plínio quase desistiu da
carreira de dramaturgo. Na década de 80, quando a ditadura terminou e suas peças foram liberadas, Plínio novamente surpreendeu. Escreveu as peças
Jesus Homem e Madame Blavatsky nas quais mostra um lado mais espiritualista. Em 1985, ganhou os prêmios Molière e Mambembe pela peça Madame
Blavatsky.
Entre suas melhores obras estão: Barrela (1958), Dois Perdidos Numa Noite
Suja (1966), Navalha na Carne (1967), Quando as Máquinas Param (1972), Madame Blavatsky (1985).
Segundo o crítico e historiador de teatro, Décio de Almeida Prado, "Plínio tinha uma
experiência humana ligada às classes pobres e levou esse mundo para o teatro, até então em grande medida desconhecido. O teatro dele não era
exatamente político, de pobres contra ricos, mas trazia uma experiência amarga dos pobres, e isso representou uma grande novidade. Navalha na
Carne é uma peça com muita força, com três excluídos que sofrem e nos fazem sofrer".
(11/07/2003)
Imagem: captura de tela, programa comemorativo dos 50 anos da televisão brasileira,
na Rede Globo de Televisão, 25/5/2003 às 16h17
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