Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult031p4.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/04/13 20:35:26
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - POETA DO MAR
Vicente de Carvalho (13-D)

Leva para a página anterior
Vicente de Carvalho foi assíduo colaborador da revista paulistana A Cigarra, que na maioria de suas edições - desde a primeira, em março de 1914 - apresentava seus versos, muitas vezes até então inéditos. Estas são as publicações (revistas preservadas no Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 24 e 25/10/2011 - ortografia atualizada nestas transcrições):
 

A Cigarra - Ano 3/nº 58 - 17 de janeiro de 1917 - página 18:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Mimi
Versos inéditos – Para A Cigarra

Partes, a rir… Que mais queres?
Fico, a lembrar… Que mais posso?
Levas tudo que era nosso:
Tua mocidade em flor.
Pois que tão contente partes
E me deixas tão sem nada,
Feliz de ti, minha amada,
Coitado do nosso amor!

Mas tu que partes sorrindo
Talvez algum dia, quando
Voltares, voltes chorando
Tua mocidade em flor…
Que encontrarás, quando voltes?
Talvez pouco… Talvez nada…
Pobre de ti, minha amada,
Coitado do nosso amor!

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 4/nº 70 - 11 de julho de 1917 -  página 22:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Cantiga praiana

Eu sou como aquela fonte

Que vai, tão triste, a chorar...

Desce da encosta do monte,

Corre em procura do mar.

 

Perdição da minha vida,

Meu Amor! bem compreendo

Onde vou nesta descida...

E vou chorando e vou descendo.

 

Pobre da fonte, baqueia

Na vargem, sempre a chorar.

E turva, turva de areia,

Corre... corre para o mar...

 

Perdição de minha vida,

Amor que me vais levando!

Terá fim esta descida?

Há de ter... Mas onde? e quando?

 

Com pouco mais que descaia,

Lá vai a fonte parar:

Chega na beira da praia...

Morre nas ondas do mar...

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 4/nº 84 - 30 de janeiro de 1918 -  página 24:

(com introdução na página 23)


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Olhos Verdes

Olhos encantados, olhos cor do mar,

Olhos pensativos que fazeis sonhar!

 

Que formosas coisas, quantas maravilhas

Em vos vendo sonho, em vos fitando vejo:

Cortes pitorescos de afastadas ilhas

Abanando no ar seus coqueirais em flor,

Solidões tranquilas feitas para o beijo,

Ninhos verdejantes feitos para o amor...

 

Olhos pensativos que falais de amor!

 

Vem caindo a noite, vai subindo a lua...

O horizonte, como para recebê-las,

De uma fímbria de ouro todo se debrua,

Afla a brisa, cheia de ternura ousada,

Esfrolando as ondas, provocando nelas

Bruscos arrepios de mulher beijada...

 

Olhos tentadores da mulher amada!

 

Uma vela branca, toda alvor, se afasta

Balançando na onda, palpitando ao vento;

Ei-la que mergulha pela noite vasta,

Pela vasta noite feita de luar;

Ei-la que mergulha pelo firmamento

Desdobrando ao longe nos confins do mar...

 

Olhos cismadores que fazeis cismar!

 

Branca vela errante, branca vela errante,

Como a noite é clara! Como o céu é lindo!

Leva-me contigo pelo mar... Adiante!

Leva-me contigo até mais longe, a essa

Fímbria do horizonte onde te vais sumindo

E onde acaba o mar e de onde o céu começa...

 

Olhos abençoados, cheios de promessa!

 

Olhos pensativos que fazeis sonhar,

               Olhos cor do mar!

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 4/nº 85 - 16 de fevereiro de 1918 -  página 15:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Manhã de Sol

II

Na sombra do murtal, cujas flores a leve

Aragem desgrinalda em turbilhões de neve,

Ela vagueia a sós... E como vai formosa!

Tem como uma frescura orvalhada de rosa

Na face... Em seu sorriso amanhece. É tão brando

O seu pisar, que o chão o acolhe suspirando.

Eis o sol! - canta uma ave ao fitar-lhe a retina...

E por onde ela passa a sombra se ilumina.

 

Descuidada e feliz, entre as árvores ela

Erra à toa. Sorrindo, as aves interpela.

Corre de flor em flor, salta de moita em moita.

Ora entre a ramaria o olhar travesso afoita

E tenta surpreender o segredo de um ninho:

Ora cisma: fitando o vago desalinho

Em que toda palpita, em que se entrega toda.

A folhagem que o vento acaricia... Em roda,

Em tudo, vê um ar festivo de noivado,

Cada flor abre ao sol o cálice orvalhado,

Úmido como um lábio em que pousasse um beijo...

 

E o seu passo é sutil, e erra como um adejo.

 

Surpreendo-a. Ela estaca, assustada, indecisa:

Mal com os pezinhos nus o chão musgoso pisa

Num ar de juriti prestes a abrir o voo.

Tomo-lhe as mãos: baixinho, ao seu ouvido, entoo

A atrevida canção do amor que tudo pede,

Do amor que não é mais do que um furor de sede,

Que é o amor afinal...

 

                 Toda a sua alma escuta.

Todo o seu corpo treme. Amante e irresoluta,

Quer ceder, e resiste: abrasa, e não se atreve...

E de súbito, como a corça arista e leve

Que sente o caçador e ouve silvar a bala,

Ela das minhas mãos bruscamente resvala,

Salta, foge-me...

Em vão. Salto-lhe em pós: não tomba

Mais faminto um abutre em cima duma pomba.

Ela, sem rumo, vai e erra ao acaso, numa

Vaga trepidação, como ao vento uma pluma.

E o seu passo recorda o chão que abaixa e alteia

Aqui um charco, adiante um comoro de areia.

 

Aos poucos, a carreira afrouxa. Em cada passo

Mais e mais ela mostra a angústia do cansaço,

Arfa-lhe o seio: perde o fôlego; tropeça.

Para...

 

Alcança-a meu beijo. O noivado começa.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 4/nº 86 - 28 de fevereiro de 1918 -  página 19:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Horas de amor

III

Só vivo as horas que passo

Junto de ti, meu amor.

Tua cintura em meu braço,

Meu beijo em tua boca em flor...

 

Só assim vivo, querida,

Pois tudo mais não é vida.

**

Ventura que mal goteja,

Triste do amor que se esconde,

E só acha de onde em onde

Um acaso que o proteja:

 

Só alcanço o teu carinho

Nesta sombra de folhagem,

Onde, como ave selvagem,

Nosso amor tem o seu ninho.

 

Por entre as moitas vagueio,

Caminho, paro, indeciso...

Virás ou não? E agonizo

Entre a esperança e o receio

 

Por toda a floresta, cheia

De um rumor vago e perdido,

Cuido escutar o ruído

Dos teus pezinhos na areia.

 

Volto-me sobressaltado

Só porque uma ave deteve

O voo, e um ramo, de leve

Estremeceu ao meu lado.

 

E enquanto na sombra curto

Essa impaciência hesitante

Por ternuras de um instante,

Por beijos dados a furto.

 

Cheio de inveja reparo

Nas borboletas que em bando

Passam felizes, amando

Na plena luz do sol claro...

 

Ventura que mal goteja,

Triste do amor que se esconde,

E só acha de onde em onde

Um acaso que o proteja.

 

Amor que a sombra encarcera,

E foge ao sol e às estradas...

Fossemos nós de mãos dadas

Pela vida e a primavera!

 

De súbito, ouço os teus passos:

De entre as folhagens de arbusto

Olhas, trêmula de susto,

Cais palpitante em meus braços.

 

E como a cansada abelha

Que suga a flor, e adormece,

Meu beijo pousa, e se esquece

Em tua boca vermelha...

 

Logro só de espaço a espaço

Algum momento de amor.

Tua cintura em meu braço,

Meu beijo em tua boca em flor.

 

Ai, eu só vivo, querida,

Pedaços da minha vida...

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 88 - 30 de março de 1918 -  página 22:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Primeira Sombra

IV

- Mal me quer... bem me quer...

                        - Será preciso

Que uma flor assegure o que digo e tu vês?

          O meu olhar pousado em teu sorriso,

Mostra-te que és amada e adivinha que o crês.

 

- Mal me quer... bem me quer...

                        - E, comovida,

Tremes, como esperando uma sentença atroz...

          Supões que espalhe a noite em nossa vida

A sombra de uma flor perpassando entre nós?

 

- Mal me quer... Mal me quer... Desde ontem quando

Faltaste, adivinhei tudo que a flor me diz,

Tenho-te junto a mim, e fito-te chorando;

          Beijas-me ainda, e já não sou feliz.

 

          Sinto que és meu, aperto-te em meus braços

E, no pavor de um sonho angustiado e sem fim,

Ouço como um rumor fugitivo de passos

          Que te afastam de mim...

 

          Dize que estou sonhando, que estou louca!

Jura que sou feliz, que os teus dias são meus,

E que o beijo que ainda orvalha minha boca

          Não é tua alma que me diz adeus.

 

          A amorosa doçura do teu verso

Ecoou em minha alma: em teu verso aprendi

A soletrar o amor, o Amor! - esse universo

          Radioso, imenso, e resumido em ti.

 

          A tua voz chamou-me: eu escutei-a

E seguia-a, ditosa, a sorrir e a sonhar...

Fala-me ainda de amor! Não te cales, sereia

          Que me atraíste para o azul do mar!

 

          Minha alma , envolta em trapos de mendiga,

          Vai seguindo, no chão, do teu passo o rumor.

Não me deixes! Serei a sombra que te siga,

          Sem indagar onde me leva o amor.

 

          Não me abandones! Ama-me! A risonha

Aurora inunda o céu todo afogado em luz...

Sou formosa, sou moça, amo-te... Ama-me! Sonha,

          Pousada a fronte nos meus seios nus!

 

          Que alegre madrugada cor de rosa,

Ser amada por ti, claro sol que tu és!

Eu dei-te a minha vida. É tua. Esbanja-a, goza

Toda esta primavera estendida a teus pés.

 

Bem amado que, como um pássaro num ramo,

Vieste acaso pousar o voo no meu seio,

Não me deixes! Eu quero ouvir ainda o gorjeio

          Em que teu beijo é que dizia: "Eu te amo!"

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 91 - 16 de maio de 1918 -  página 12:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Desiludida

IV

Sou como a corça ferida

Que vai, sedenta e arquejante,

Gastando uns restos de vida

Em busca da água distante.

 

Bem sei que já me não ama,

E sigo, amorosa e aflita,

Essa voz que não me chama,

Esse olhar que não me fita.

 

Bem reconheço a loucura

Deste amor abandonado

Que se abre em flor, e procura

Viver de um sonho acabado;

 

É como a corça ferida,

Que vai, sedenta e arquejante,

Gastando uns restos de vida

Em busca da água distante:

 

Só, perdido no deserto,

Segue empós do seu caminho:

Vai se arrastando... e vai certo

Que morre pelo caminho.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 93 - 14 de junho de 1918 -  página 38:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Saudade

VII

Belos amores perdidos,

Muito fiz eu com perder-vos;

Deixar-vos, sim, esquecer-vos

Fôra demais, não o fiz.

 

Tudo se arranca do seio,

- Amor, desejo, esperança,

Só não se arranca a lembrança

De quanto se foi feliz.

 

Roseira de tanta rosa,

Roseira de tanto espinho

Que eu deixei pelo caminho

Aberta em flor, e parti:

 

Por me não perder, perdi-te:

Mas mal posso assegurar-me

- Com te perder e ganhar-me,

Se ganhei, ou se perdi...

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 95 - 12 de julho de 1918 -  página 21:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

Serenata

VIII

Pela vasta noite indolente

Voga um perfume estranho.

Eu sonho... E aspiro o vago aroma ausente

Do teu cabelo castanho.

 

Pela vasta noite tranquila

Pairam, longe, as estrelas.

Eu sonho... O teu olhar também cintila

Assim, tão longe como elas.

 

Pela vasta noite povoada

De rumores e arquejos

Eu sonho... E tua voz, entrecortada

De suspiros e de beijos.

 

Pela vasta noite sem termo,

Esse deserto sombrio!

Eu sonho... Inda é mais triste, inda é mais ermo

o nosso leito vazio.

 

Pela vasta noite que finda

Sobe o dia risonho...

E eu cerro os olhos para ver-te ainda,

Ainda e sempre, em meu sonho.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 96 - 29 de julho de 1918 -  página 20:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

De Rosa, rosa de Amor...

O dia seguinte do amor

IX

Aves fugidias que passais em bando

Pelo azul da tarde sobre o azul do mar,

Aves fugidias que passais cantando,

Que fazeis? Passar.

 

De repente surges. No vasto céu

Um turbilhão de alvura de repente cresce,

Passa, afasta-se, e ao longe, e como apareceu

Desaparece.

 

Brancura macia de plumas, rumor leve

De asas que ruflam devagar,

Passais como flocos de neve

Que sussurram no vento e se desfazem no ar.

 

De tudo isso que resta? Um quase nada, apenas

Em meu olhar distraído

A vaga impressão de uma alvura de penas,

E o eco de um rumor cantando em meu ouvido.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 5/nº 99 - 11 de setembro de 1918 -  página 35:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Rosa, rosa de Amor...

X

Sonhos de amor, perfumados

Do aroma da flor da laranjeira,

Botões de rosas desabrochados,

Em goivos, desfeitos na lama e na poeira;

 

Sonhos de olhar namorado

Ao descobrir, como um triunfador,

Todo enlevado, todo enlevado,

Que uns seios de mármore arquejam de amor;

 

Sonhos de ouvido, escutando

O ingênuo amor que se revela enfim

Involuntariamente, quando

Em frases que negam a voz diz que sim;

 

Sabor do primeiro beijo

Que mal pousa, medroso, de leve,

Num rosto virgem onde o pejo

Semeia de rosas brancuras de neve;

 

Sonhos de amor, sois como a rosa

Que, nem bem colhida,

Perde a frescura que a tornou formosa,

Perde o perfume que a tornou querida.

***

Primavera vivida

De amar e ser amado aos vinte anos em flor,

Entrada triunfal do coração da vida,

Amor, amor, amor!

 

Rápida travessia

De um mar azul, rasgado entre rochedos nus

Nos quais se ignora o amor, ou a alma se enfastia...

Região lavada em luz.

 

Entre esses dois extremos

Tão próximos - o olhar que ainda não sabe ver

E o que vê - triste fim dos encantos supremos! -

O que vale a mulher;

 

Miragens do desejo, enlevos da esperança,

Só é feliz o amor que espera e não alcança.

***

Infinita doçura, inigualável cousa,

Contato delicioso, inefável pressão

Da mão amada quando encontra a nossa mão

E, brandamente, e como achando um ninho, pousa;

 

Ó lábios da mulher palpitante de amor,

Ó lábios que umedece o orvalho do desejo,

Doces lábios servis onde aboloa o beijo,

Prestes a se deixar colher como uma flor;

 

Ó seios brancos onde a paixão, a ofegar

Chama a paixão, atrai a carne acesa ao gozo;.

Ó seios brancos onde uns olhos de amoroso

Vem reflexos do céu na ondulação do mar;

 

Encantos da mulher amada: comovidos

Deslumbramentos; gosto indizível, sabor

Da única hora feliz de toda a vida: amor,

Sonho em que a alma é que sente o gozo dos sentidos.

 

No coração que de vós se alvoroça

Resplandeceis, miragens, enganos,

De uma luz que não é vossa...

Que é dos vossos vinte anos.

***

Tremulas maretas que passais boiando

Pela flor das ondas nos parceis do mar;

Trêmulas maretas que almejais cantando,

Que fazeis? Passar.

 

De repente surgis... No mar sem fim

Um turbilhão de alvura de repente cresce:
Passa; afasta-se; e como apareceu, assim

Desaparece.

 

Brancura brilhante de espumas, sons velados

Da água no açude de um pomar,

Passais, desfeitos, desmanchados

Na tristeza sonora das ondas do mar.

 

De tudo isso que resta? Ai quase coisa alguma:

Em meu olhar distraído

A vaga impressão de alguns flocos de espuma

E o eco de um rumor cantando em meu ouvido...

Vicente de Carvalho.

Leva para a página seguinte da série