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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - POETA DO MAR
Vicente de Carvalho (13-A)

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Vicente de Carvalho foi assíduo colaborador da revista paulistana A Cigarra, que na maioria de suas edições - desde a primeira, em março de 1914 - apresentava seus versos, muitas vezes até então inéditos. Estas são as publicações (revistas preservadas no Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 24 e 25/10/2011 - ortografia atualizada nestas transcrições):
 

A Cigarra - Ano 1/nº 1 - 6 de março de 1914 - página 14

"Autógrafos especiais para A Cigarra":


Imagem: reprodução da página com o texto original

Canção

Vida, que és o dia de hoje,
O bem que de ti se alcança
Ou passa porque nos foge
Ou passa porque nos cansa

Ainda mesmo quando ocorre
Na vida dos mais felizes
O prazer floresce e morre,
A mágoa deita raízes.

Tem alicerces de areia
O que constróis cada dai
- Vida que corres tão cheia
Para a morte tão vazia.

Haverá queixa mais justa
Que a do feliz que se queixa?
Ai, o bem que menos custa
Custa a saudade que deixa.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 2 - 30 de março 1914 -  página 14:

"Autógrafo para A Cigarra":


Imagem: reprodução da página com o texto original

A um poeta moço

Desamado entregas-te, sem morte,
Sem relutância, à vida, e aceitas dessa
Corrente que te arrasta – a só promessa
De ir lentamente desaguar na morte.

Que pode haver, em suma, que te impeça
De seguir o teu rumo contra a sorte?
Sonha! – e a sonhar, e assim armado e forte,
Vida e mágoas, incólume atravessa.

Olha: da minha extinta mocidade
Eu, que já vou fitando seus desertos,
Trouxe a consolação, trouxe a saudade.

Trouxe a certeza, enfim (se há sonhos certos)
De ter vivido em plena claridade
Dos sonhos que sonhei de olhos abertos.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 4 - 6 de maio de 1914 -  página 18:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Vicente de Carvalho, o grande poeta brasileiro, o magistrado impoluto – justo orgulho da terra paulista, que o conta entre os seus mais ilustres filhos – publica hoje n'A Cigarra mais uma linda poesia inédita.

Sentimo-nos desvanecidos com a predileção que o notável homem de letras tem publicamente manifestado pel'A Cigarra, colaborando assiduamente em todos os seus números e acompanhando os nossos passos com o mais vivo carinho.

Versos como os de Vicente de Carvalho, reveladores de um espírito culto e fulgurante e de uma notável compleição artística, tão ricos de conceitos e tão simples e espontâneos em suas linhas magistrais, são de molde a fazer sucesso em qualquer meio literário onde surjam.

Procurando corresponder à enorme aceitação com que o público benevolamente nos tem acolhido, procuraremos obter para todos os números d'A Cigarra produções inéditas do ilustre autor dos Poemas e Canções.

Soneto

Enganei-me supondo que, de altiva
Desdenhosa, tu vias sem receio
Desabrochar de um simples galanteio
A agreste flor desta paixão tão viva.

Era segredo teu? Adivinhei-o,
Hoje sei tudo: alerta, em defensiva,
O coração que eu tento e se me esquiva
Treme, treme de susto no teu seio.

Errou quem disse que as paixões são cegas;
Veem… deixam-se ver… Debalde insistes;
Que mais defendes se tu'alma entregas?

Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes)
Que tu, negando o amor que em vão me negas,
Mais a ti mesma do que a mim resistes.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 5 - 25 de maio de 1914 -  página 28:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Jesus

Pálido sonhador, que, há dois mil anos quase,
Sobre uns palmos da Terra atravessaste a vida,
Semeando ao vento um gesto, um suspiro, uma frase,
Toda num sonho vago absorta a alma dorida,
Fito no azul do céu vazio o olhar tristonho;

Pálido sonhador, há dois mil anos quase,
Enchem de mágoa e sombra a Terra comovida
O eco da tua voz e a névoa do teu sonho. …

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 6 - 15 de junho 1914 -  página 1:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 6 - 15 de junho 1914 -  página 28:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Tu moça, eu quase velho: entre nós dois, que horror,
Vinte anos de distância… Entre nós dois, mais nada.
E hoje, pensando em ti, pus-me a sonhar de amor
Somente porque vi, por acaso, na estrada,
Sobre um muro em ruína uma roseira em flor.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 7 - julho de 1914 -  página 1:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Menina e Moça

Tu que és quase uma criança
E acreditas quanto diz
A tentadora esperança
De ser amada e feliz,

Sê formosa...
...

Sê bondosa...
...
Sê resignada: a roseira
Que mais viça e mais prospera
Dá rosas na primavera
E espinhos a vida inteira...

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 7 - julho de 1914 -  página 10:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Ontem, hoje, amanhã... Como simbolizar
O passado, o presente, o futuro - as três fases
Da Vida? Com três frases
De sentido corrente e de uso o mais vulgar:

- Uma saudade; um grande esforço; uma esperança.

Ou antes, e melhor talvez, expondo-as numa
Tríplice imagem que resume a vida inteira:
Um rosto, luminoso e alegre, de criança,
Duas mãos agarrando uma bolha de espuma,
E rindo-se - de quê? de tudo - uma caveira

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 8 - 1 de agosto de 1914 -  página 32:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Menina e Moça

Tu que és quase uma criança
E acreditas quanto diz
A tentadora esperança
De ser amada e feliz,

Sê formosa: entre as formosas
Reina e brilha, se puderes
- Que a beleza nas mulheres
É como o viço nas rosas.

Sendo bonita, e mais nada,
Cumpre a mulher com fulgor
- Sobre a terra iluminbada
O seu destino de flor

Sê bondosa: entre as melhores
Sê a melhor, se puderes.
- Que a bondade nas mulheres
É como o aroma nas flores.

Meiga, formosa, querida
Ama e sê amada: o amor
Na areia solta da vida
Brota roseiras em flor...

Serás feliz? Ai, não queiras
Ser feliz: as mais ditosas
Brotam mágoas entre as rosas
Como espinhos nas roseiras.

Tu, que és quase uma criança
E acreditas quanto diz
A enganadora esperança
De ser amada e feliz

Sê resignada: a roseira
Que mais viça e mais prospera
- Dá rosas na primavera
E espinhos a vida inteira...

Vicente de Carvalho.

NOTA DA REDAÇÃO. Demos na capa do último número, como epígrafe alusiva à gravura, duas estrofes de uma linda produção de Vicente de Carvalho, intitulada Menina e Moça. tendendo ao interesse que aquelas duas estrofes despertaram entre os nossos leitores, reproduzimos hoje a poesia completa. Essa poesia não figura em nenhum dos livros do primoroso vate, foi escrita posteriormente à publicação do seu último livro. Por um requinte de gentileza do grande poeta nacional, podemos dá-la hoje aos nossos leitores.

A Cigarra - Ano 1/nº 10 - 16 de setembro de 1914 -  página 29:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Folhas soltas…

Tu dizes que é loucura este amor… Bem o creio:
Como loucura me sorriu, como loucura
Veio cantando, veio
Reduzir-me a um olhar que, num perpétuo anseio,
Te vê, ou te procura…

É loucura este amor? Foi-o desde começo,
Desde que te amo. Tu dizendo-m'o, bem pouco
Me adiantas, confesso:
Há muito tempo – há quanto! – eu sinto e reconheço
Que te amo como um louco.

Mas nem eu imagino amor de outra maneira.
Desde o caso de Adão e Eva no Paraíso,
O amor, minha faceira,
Toda a vida se fez notar pela cegueira,
Nunca pelo juízo.

Vicente de Carvalho.

A Cigarra - Ano 1/nº 15 - 31 de dezembro de 1914 -  página 28:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Vicente de Carvalho

...Não fazem mal às Musas os doutores… Vicente de Carvalho, o admirável lírico que todo o Brasil conhece, é a prova da verdade deste aforismo de um poeta. O ilustre parnasiano, agora promovido a ministro do Tribunal de Justiça, como recompensa duma carreira judiciária brilhantíssima, manifesta que as nobres preocupações intelectuais não empeceram, nele, as faculdades de cultor do Direito e de distribuidor austero da Justiça.

Vicente de Carvalho tem sido um dos colaboradores mais assíduos d'A Cigarra. Devemos-lhe, desde o nosso primeiro número, algumas das mais preciosas gemas que têm cintilado em nossas páginas. Menos gratos seríamos se, à sua promoção justíssima na carreira que ele tem seguido com tanta honestidade e inteligência, nos encontrasse indiferentes.

Ao ilustre artista dos Poemas e Canções enviamos as nossas felicitações mais sinceras, pela distinção que acaba de lhe ser conferida.

A Cigarra - Ano 1/nº 15 - 31 de dezembro de 1914 -  página 39:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Folhas soltas…

Quanto durou essa ilusão perdida,
Esse calor, esse encanto, essa alvorada?
Dias ou meses – não sei, querida!
Foi um clarão que me passou na vida,
Sei que fulgiu, sei que passou, mais nada.

Durante o arroubo da paixão, quem há de
Notar o tempo que a fulgir se esgueira?
No amor, ventura ou infelicidade,
Uma esperança doura a vida inteira,
Um desengano é toda a eternidade.

No absorto enlevo desse amor tão raro,
No êxtase dessa adoração radiosa,
Corria o tempo? Nunca pus reparo…
A madrugada era um botão de rosa
Desabrochando em teu sorriso claro

Vicente de Carvalho.

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