Vicente de Carvalho
Vicente de Carvalho, um dos mais inspirados poetas brasileiros, mandou-me de Santos um exemplar da segunda edição dos seus Relicarios,
contendo a mais algumas composições que figuraram nas Ardentias, e a deliciosa Marinha, um Castagneto em verso.
Foi com o maior prazer que reli neste elegante volumezinho, nitidamente impresso no Porto, as
mimosas composições que há dois ou três anos me deixaram no espírito as mais agradáveis impressões.
Em Outubro, Folha Solta, a lírica de Dona Flor, Na sombra e outras
peças podem ser classificadas entre as que mais honram a nossa opulenta poesia lírica.
Eu não conheço Vicente de Carvalho, que é paulista e, se algum dia veio ao Rio de Janeiro, não me
deu, infelizmente, ocasião de vê-lo; mas imagino que é um rapaz concentrado, e vive medito na sua redação no Diario da Manhã, despreocupado
de rodas e panelinhas.
De outro modo não se explica ser o seu nome tão poucas vezes citado quando se trata dos nossos
poetas.
Não deve ser esquecido quem faz disto:
Na Praia
I
Vermelha e enorme flor, desabotoa
A madrugada as pétalas; o outeiro
A pouco e pouco avulta do nevoeiro,
Surge, e de cor de rosa se coroa.
A passarada surpreendida voa
E canta; o azul inunda o céu inteiro;
Vê-se na orla da praia o mar fragueiro
Que ondas sobre ondas rápido amontoa.
De turbilhões de espuma que a emoldura
Uma ilha cresce no horizonte: em cima,
Palmas ao vento oscilam e estremecem,
Bordando os ares com a nitente alvura,
Voos de uma ave que ora se aproxima
Ou foge – mostram-se e desaparecem…
II
Vejo em torno de mim cerrar-se o mundo
Como um belo ninho delicioso:
Em cima o azul esplêndido, o radioso
Azul de um céu puríssimo e profundo
Em frente o mar, que o trêmulo e onduloso
Dorso pelo horizonte alonga; ao fundo,
O outeiro, verde de árvores jocundo
De flores, de gorjeios melodioso.
Em confusão graciosa, em pitoresca
Desordem, junto às ondas se acumula
A ilha dos rochedos, mar em fora; |