
INTERNACIONAL - O maestro santista Gilberto Mendes,
criador da Música Nova e reconhecido no meio erudito de todo o mundo
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
GENTE
Um santista internacional
Mírian Ribeiro
O segredo da vida está em manter o interesse pelo saber,
ensina o maestro e compositor Gilberto Mendes, um dos maiores talentos musicais que Santos já produziu. A aparência jovial e o aspecto saudável não
revelam os 80 anos completados em outubro passado, mas Gilberto também não sente o peso da idade. "Meu espírito é o mesmo desde os meus 14 anos. Sou
a pessoa que fui a vida inteira, com as mesmas idéias e sonhos. Fisicamente, por esforço meu, estou bem, a não ser uma velha asma que mantenho sob
controle. A velhice deixa a pessoa mais frágil, mais fatigada, sem a agilidade física de quando era jovem, mas só isso. Oscar Niemeyer aos 95 anos
continua fazendo projetos".
Gilberto Mendes não aceita os novos conceitos criados pela sociedade que segregam as
pessoas por faixa etária, "imbecilizando", determinando segmentos. "Tratam o jovem e o idoso como imbecis. Para os jovens são criados filmes e
programações idiotas. O velho é tratado ou como um adolescente ou como uma espécie que sempre foi velha. Equivale a um preconceito racial, onde as
coisas não devem ser misturadas. Na verdade, isto não existe, as pessoas são o que são independente da idade. Eu fui um jovem normal, ia à praia,
dançava, namorava, mas nunca fui cretino".
O compositor cita São Francisco de Assis, que sentenciou: ser imperturbável é a
salvação. "O interesse pelas coisas, pelo conhecimento, é a salvação. Quem fica sentado de chinelos diante de uma televisão, nunca leu um livro,
não acompanha política e nada que diz respeito à vida, vai realmente envelhecer. Têm alunos de 16, 17 anos que me procuram e os interesses deles
pelo saber são os mesmos que o meu. A idade não deixa ninguém chato, só acentua as características que cada um carrega por toda a vida".
Poucos podem falar com tanto fundamento. Gilberto Mendes é reconhecido
internacionalmente, tem peças executadas e gravadas pelo mundo afora e viaja ao exterior com freqüência, a convite de orquestras, instituições e
cidades interessadas em sua obra. Só para a Europa já foi duas dezenas de vezes. Este ano tem viagens programadas para Potsdam e Bayleuth, na
Alemanha, e São Petersburgo, na Rússia. Para março de 2003 (N.E.: 2003?), há outra
prevista para a Holanda.
No dia 19 de maio, a The North/South Chamber Orchestra, dirigida por Max Lifchitz,
fará concerto só com suas obras em Nova York, em homenagem aos seus 80 anos. Mas Gilberto não pretende estar lá. "Não vou visitar um país em guerra,
ainda mais vergonhosa como esta". A mesma banda novaiorquina gravou Ulysses em Copacabana Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour, uma das
obras de Gilberto Mendes mais executadas e que estreou mundialmente no Festival de Patras, na Grécia.
Vanguarda musical - Gilberto faz o que chama de música de vanguarda erudita, um
gênero que não tem espaço na grande mídia, mas goza de grande prestígio em altos círculos intelectuais. Reconhecido como um dos maiores compositores
do Brasil, com mais de 200 obras, o artista admite que seu mérito não alcança a celebridade de massa: "se a música clássica tem tradicionalmente um
público pequeno, o nosso é menor ainda. É nova, as pessoas acham estranho, mas tem quem entenda. Não fui dar aulas em duas universidades americanas
à toa, não sou chamado a tantos lugares por fazer algo desinteressante".
Ele define sua arte como a música clássica do século 20. "Pesquisamos caminhos novos
para a música". No momento, o compositor, cujas obras já serviram de tese de doutoramento na Universidade do Arizona, toca vários projetos e
trabalha na Obra para Orquestra Sinfônica, para a qual recebeu a bolsa da Fundação Vitae. "É uma experiência orquestral que quero fazer".
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"A idade não deixa ninguém chato,
só acentua as características que cada um carrega por toda a vida"
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Talento nato - Nascido em Santos, no histórico ano de 1922 (Semana da Arte
Moderna, lançamento de Ulysses, do escritor James Joyce, entre outros feitos), Gilberto é o caçula de cinco irmãos, todos já falecidos. O
pai, o médico Odorico Mendes, morreu antes de completar 50 anos. Viúva, a mãe Ana Garcia Mendes levava o filho como companhia aos concertos e
sessões de cinema que gostava de freqüentar. De seu primeiro casamento, Gilberto teve três filhos: Odorico e Carlos (que trabalham com cinema e
publicidade e lhe deram seis netos) e Antonio José (falecido). Com Eliane, a atual esposa, está casado há 28 anos.
Gilberto começou a estudar música aos 18 anos. Antes, pensou em fazer Direito em São
Paulo, mas foi dissuadido por um tio que enxergou seu talento musical. Pensou também em trabalhar no Itamaraty para viajar pelo mundo, desejo que a
música se encarregou de satisfazer, mas acabou como funcionário da Caixa Econômica Federal, onde se aposentou depois de galgar vários postos de
chefia através de concursos públicos. Aos 70 anos, foi também aposentado compulsoriamente como professor da Universidade de São Paulo, onde obteve o
título de doutor com a tese Uma Odisséia Musical. Trata-se de um romance das suas músicas transformado em livro bastante elogiado pela
crítica.
"A música é uma arte difícil, muito técnica, é preciso gostar muito", conta Gilberto,
que embora toque piano se define como compositor. "Fiz seis anos de conservatório, mas a composição estudei sozinho". Hoje, além de trabalhar em
obras encomendadas, Gilberto escreve para jornais e revistas artigos sobre concertos, livros que leu e assuntos culturais.
Conserva forma física com exercícios leves feitos em casa diariamente e admite comer
de tudo, evitando apenas gorduras e tomando cuidado para não engordar. "Li quando moço que para manter a saúde é preciso manter o peso e decidi
seguir o conselho. Não é difícil, o problema é que todo mundo é guloso".
Paraíso perdido - "Santos é um paraíso perdido. Antigamente os prédios eram
baixos, do andar superior de um sobrado a gente via a Serra do Mar. A praia, absolutamente limpa, era freqüentada para banho de mar, jogar peteca,
frescobol. depois, ia-se comer em algum barzinho. Hoje a cidade está entregue a coisinhas de superfície, mambembe, o pouco que a Prefeitura oferece
tem origem nos planos culturais do PT. Uma cidade que deu ao país valores na música e teatro como Plínio Marcos, Cacilda Becker, Nei Latorraca e
outros, está abandonada".
O artista lamenta o desinteresse das autoridades municipais pela cultura da cidade.
"Não adianta falar, a questão cultural não entra na cabeça dos dirigentes municipais. Não dá para trazer um artista de maior peso pois Santos não
tem sequer um piano de cauda. Ribeirão Preto tem dois. Os que temos aqui são pequenos, estão maltratados e sujos de areia. Eu não paro de fazer
sugestões, mas ninguém na Prefeitura leva a sério. O próprio prefeito demonstrou um profundo desrespeito ao meu trabalho quando encerrei o Festival
de Música Nova por falta de recursos. Na época, Mansur disse que gostava de pagode e sertanejo, justificando o desinteresse pelo evento".
O Festival de Música Nova foi realizado por Mendes durante 40 anos e tornou Santos
mundialmente conhecida no circuito da música erudita. O evento consta, inclusive, de respeitado anuário publicado nos Estados Unidos com os
concertos no mundo. O Festival de Campos de Jordão não está lá.

Gilberto Mendes, um dos compositores mais respeitados do mundo
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
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