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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - G.Mendes
Gilberto Mendes (1)

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Um dos expoentes da música santista a partir da segunda metade do século XX, Gilberto Mendes se destacou por sua arte de vanguarda, que lhe permitiu criar obras como o Último Tango para Vila Parisi, em 1987. Uma monografia sobre seu trabalho foi publicada na edição de maio de 2000, nº 72/ano 25 da Leopoldianum - Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de Santos:

O Piano na Obra de Gilberto Mendes

Antonio Eduardo Santos (*)

Introdução

Este trabalho tem como tema a obra pianística de Gilberto Mendes, propondo um levantamento histórico, estético e analítico da produção para piano desse compositor, e tendo como eixo de referência o Movimento Música Nova.

Parte dela já resultou no livro O Antropofagismo na obra pianística de Gilberto Mendes, publicado pela Annablume Editora/Fapesp e posteriormente no CD Amor Humor e outros portos.

Piano na obra de Gilberto Mendes

Gilberto Mendes nasceu em Santos em 1922, no ano da Semana de Arte Moderna, divisor de águas em nossa cultura, que influenciou com seus anarquistas, futuristas, comunistas, militares, canibais e dadaístas, todos os movimentos de ruptura deste país desde então.

Considerando a influência da música de cinema, rádio, dos movimentos Concretista e Música Nova, entre outros, influência assimilada por Gilberto Mendes e transformada de maneira particular em sons, procedemos à divisão dessa sua obra em três grandes fases:

a) Fase de Formação (1945-1959), em que o compositor nos apresenta referências nacionalistas, particularmente as rítmicas, como resultado de discussões e reflexões em torno do Manifesto Jadnov [1].

b) Fase do Experimentalismo (1960-1982), caracterizada por uma destruição lógica da organização tradicional.

c) Fase da Trans-Formação (após 1982), marcada por uma nova sintaxe, em que o som é recolocado em sua posição integrante de um conjunto mais longo e mais complexo. Como afirmou, certa vez, o próprio Gilberto Mendes [2]:

"Meu espírito é integracionista. Fundir e fazer uma grande geléia de tudo"[3].

Nos anos 40, quando estudava harmonia com Savino de Benedictis e piano com Antonieta Rudge, no Conservatório Musical de Santos, surgem suas primeiras obras: algumas canções para canto e piano e pequenas obras para piano, como os três Primeiros Prelúdios para Piano, entre os anos 45 e 47, e o Pequeno Álbum para Crianças, de 47. A sua produção, nessa fase, é marcada por acentos rítmicos, planos harmônicos e estruturas melódicas de natureza, de certo modo, brasileira, mas envolvida pelo impressionismo musical francês.

Embora Gilberto Mendes não tenha nada a ver com a música popular, suas canções, assim como algumas das peças para piano, podem ser consideradas, de certa forma, precursoras da Bossa Nova, porém aqui se revela já o seu espírito integracionista, pois, como ele mesmo afirma:

"Não tenho formação de ouvido nacionalista. O que sempre gostei foi mesmo de Chopin, Beethoven, depois Schumann, Stravinski, Bártok e Debussy. Não ouvi folclore nem ciranda, pois em Santos não tinha folclore" [4].

Cabe acresentar aqui sua Vacariana, variações sobre um tema folclórico, a partir de uma canção do Sul do Brasil recolhida por Mário de Andrade, que consta de seu Ensaio sobre Música Brasileira. Esta obra foi escrita no início dos anos 50 e não constava de seu catálogo de composições. Durante minha pesquisa encontrei-a esquecida e toquei-a para Gilberto Mendes, insistindo para que ele a incluísse no seu catálogo. Ele, então, terminou a última variação, que só tinha ainda dois compassos, e teve a idéia de finalizar a obra com a repetição do tema, à maneira das Variações Goldberg [5], de Bach.

Por esse tempo tomou algumas aulas com o compositor Cláudio Santoro, iniciando posteriormente uma longa convivência com o maestro Olivier Toni, um grande divulgador do vanguardismo musical brasileiro dos anos 50 e 60.

É do início dos anos 60 o seu primeiro contato com os poetas do grupo Noigandres (dos irmãos Campos e Décio Pignatari). A Poesia Concreta encontrou aí o seu sonorizador. Pierce e Levy-Strauss eram os modelos teóricos, Mayakovski e Osvald de Andrade (Estética antoprofágica), seus estofos ideológicos.

Assina em 1963, em conjunto com Willy Correa de Oliveira, Rogério Duprat, Júlio Medaglia e outros, o Manifesto Música Nova, logo após seu retorno de uma de suas peregrinações a Darmstadt (na época, o grande centro da Neue Musik experimental européia) e de seu contato com Henri Pousseur, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen. O Manifesto propõe uma ruptura com o contexto da época em favor de uma nova Música Brasileira. Justificava-se, dizendo: "somos radicais porque a contribuição, na música brasileira, entre a produção imediatamente anterior e a atual só pode ser resolvida por uma ruptura"[6].

Manifesto Música Nova foi publicado (1963) pela revista de arte Invenção, dos poetas do Grupo Concretista. Os textos desses poetas serviram de base para futuras composições de Gilberto Mendes, norteando grande parte das composições do mestre santista e alimentando os caminhos da nova música brasileira. Essa fase é marcada pela geração de uma nova técnica composicional, assim como de uma nova grafia musical, em razão dos procedimentos por ele utilizados: aleatórios, concretos, teatro musical, happenings.

A sua Peça para Piano nº 1 (1962) é caracterizada pelo uso da técnica dodecafônica [7], aleatória e por um novo grafismo musical. Algumas inovações já começavam a ser prenunciadas com a Peça para piano nº 16, de 1959, que se constitui no ponto de partida para o seu novo estilo pianístico. Escreve também Blirium C-9, obra aleatória sem partitura escrita, trazendo apenas instruções para execução pelo intérprete.

É também o período em que Gilberto Mendes compõe Santos Football Music,de 1969, obra que concentra todas as características da Neue Musik da segunda metade deste século, como o som concreto, através de fitas gravadas (de locuções esportivas), participação do público, blocos atonais de sons orquestrais e músicos simulando um jogo de futebol. Sua grande invenção radical.

Fundador e diretor artístico do Fesival Música Nova, um dos mais representativos painéis da contemporaneidade musical e palco importante para a divulgação da linguagem de novos compositores.

A partir dos anos 80, vemos um Gilberto Mendes pós-renovado, pois a música de invenção deste momento desconhece rótulos. Essa é a fase da simultaneidade em que o sistema atonal é encarado por Gilberto Mendes como uma projeção e expansão do sistema tonal, estabelecendo-se, assim, um jogo entre os dois sistemas, que o compositor, em realidade, considera uma coisa só.

Suas obras mais marcantes deste período são: Vento Noroeste (1982), Recado a Schumann (1983), Los Três Padres (1984), Três Contos de Cortázar (1985), Il Neige... de Nouveau! (1985), Viva Villa (1987), Vers les Joyeux Tropiques, Eisler e Webern Caminham nos Mares do Sul... (1989), Estudo Magno (1993), Für Anette (1993), Pour Eliane (1993) e sua homenagem póstuma ao compositor português e amigo Jorge Peixinho: estudo ex-tudo eis tudo pois...!! (1997).

Suas novas obras nos falam de seu imaginário musical particular, onde Friedrich Höllander e Bronislaw Kaper reencontram-se em uma Big Band, Eisler e Webern caminham juntos em alguma praia nos mares do Sul, Ulysses surfa em Copacabana com James Joyce e Dorothy Lamour, como afirma Álvaro Guimarães [8].

Enfim, de paisagens evocativas dos mares do Sul, que não são apenas os mares do sul da Oceania, mas também os mares do Atlântico Sul. Gilberto Mendes é um apaixonado por suas praias tropicais, entre Santos e Rio de Janeiro; do Boqueirão a Copacabana.

E por aí vai Gilberto, passeando livremente em suas idéias sonoras, envolto numa atmosfera idílica de vento noroeste e outros ventos marítimos, das praias santistas, com muito amor e humor.

Este é, portanto, o sentido (antropofágico) que procuramos atribuir ao compositor, singularizado por um processo de transformação muito pessoal desse material sonoro à sua volta, à semelhança de um canibalismo, como afirma o maestro Roberto Martins, o maior intérprete de sua música coral.

Gilberto Mendes é um compositor pleno de surpresas, transformando todas suas imagens em sons. É também um músico independente, aberto e capaz de manter diálogo com a nova geração de compositores [9] e permanecerá sempre assim.

Gilberto é hoje uma unanimidade na cena musical brasileira.

REFERÊNCIA

[1] Para o jadnovismo, a música realista (clássica) deveria fundamentar-se em: 1) emprego do atonalismo não-ortodoxo e do sistema tonal; 2) expressão do 'natural', do belo e do humano; 3) reconhecimento dos valores herdados do classicismo; 4) organicidade ligada à pesquisa da música popular; 5) concepção de cultura popular para a divulgação da produção, almejando a conquista das massas; 6) assimilar, no sentido do agradável, essa música, tornando-a fonte de prazer, de otimismo, devido à sua fácil compreensão. E repudiava, conseqüentemente, todo o contrário desses princípios: as dissonâncias sucessivas, os sons de conotações falsas, vulgares e patológicas, o modismo decadente, o individualismo, o egoísmo.

[2] SANTOS, (1997:13)

[3]Tribuna de Minas - Entrevista - 3/1/1989

[4] SERRANO JR., J.M. (jan/fev/1981, 4:8-9).

[5] As Variações Goldberg, um dos monumentos da literatura de teclado, foram publicadas em 1742, quando Bach - 1685-1750 - tinha o título de compositor da corte eleitoral real da Polônia e da Saxônia. Num total de 29 Variações, Bach devolve ao seu final a Ária da Capo.

[6] NEVES, J.M. (1977:311)

[7] Dodecafonismo: técnica musical utilizada pelo compositor austríaco Arnold Schönberg. Sistema desenvolvido por ele entre 1908 e 1923, quando buscava um princípio em torno do qual se pudesse organizar uma música atonal, ou seja, a obra musical que evitasse uma tonalidade central, bem como todas suas relações tonais. Foi a primeira e a mais famosa formulação do concreto de serialismo e a inovação de maior alcance da música do século XX. Dispondo-se de 12 notas da escala cromática numa ordem particular, forma-se uma série que pode também ser usada em três variações: na versão retrógrada (do final ao princípio), na inversão (de cima abaixo, todo intervalo ascendente se converte em descendente e vice-versa) e na inversão retrógrada (de cima abaixo e do final ao princípio). As notas podem ser utilizadas uma depois da outra, como nas melodias, ou em blocos, como nos acordes. O serialismo é a repetição e a variação de uma seqüência (ou série) dada em qualquer elemento musical, não só o tom, mas também o ritmo, o timbre e inclusive os blocos de som ou níveis de intensidade.

[8] GUIMARÃES, Álvaro: (199: P.4)

[9] TRAGTEMBERG, L. (1991:43).

BIBLIOGRAFIA

ABREU, Maria & GUEDES, Zuleika Rosa - O Piano na música brasileira. Porto Alegre: Movimento, 1992.

BÉHAGUE, Gerard. Music in Latinoamerica: Introduction. New Jersey, USA: Prentice-Hall, 1979.

MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. Brasília: Civilização Brasileira/INL-MEC, 1981.

MENDES, Gilberto. Uma odisséia musical. Dos mares do sul à elegância pop/art déco. São Paulo: Giordano/EDUSP, 1994.

NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi, 1977.

SANTOS, Antonio Eduado. O Antropofagismo na Obra Pianística de Gilberto Mendes. São Paulo: Annablume/FAPESP. 1997.

TRAGTEMBERG, Lívio. Artigos Musicais. São Paulo: Perspectiva, 1991. Col. Debates.

Artigos:

GUIMARÃES, Álvaro: artigo: O Meu amigo Gilberto Mendes, CD.: Gilberto Mendes - Chamber Music

SERRANO JR., J.M. cf. Não me interessam mais as discussões estéticas. Entrevista com Gilberto Mendes. (In Caderno de Música, 4:8-9, jan/fev/1981).

(*) Antonio Eduardo Santos é mestre em Artes pela UNESP e doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC)/SP.

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